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trabalho escravo
2011-05-04 | Matsubara

Parte das vítimas encontradas em olarias de Gouvelândia (GO) nasceu e passou mais de 30 anos enfrentando um quadro de servidão por dívidas, condições degradantes e outras precariedades na produção de tijolos

Alguns dos 64 trabalhadores libertados de olarias em Goiás eram submetidos a trabalho escravo desde que vieram ao mundo. Integrantes da operação que inspecionou a área confirmaram que parte das vítimas nasceu e passou mais de 30 anos enfrentando um quadro de servidão por dívidas, condições degradantes e outras precariedades na atividade de produção de tijolos.

Além das dívidas ilegais (que em alguns casos chegavam a R$ 16 mil), os donos das 17 olarias flagradas com escravidão retinham objetos pessoais - como  roupas, panelas e até um berço - como forma de garantia de pagamento. Para completar, sete adolescentes (três deles com menos de 16 anos) laboravam diariamente das 4h às 10h da manhã, antes de ir à escola.

Todas essas violações foram descobertas por uma equipe composta por auditores da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Goiás (SRTE/GO), procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT), agentes da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Situadas na zona rural do município de Gouvelândia (GO), as olarias divididem-se em três regiões (que também dão nomes às fazendas): Bonita, Caracol e Buriti Alto.

Realizada entre 14 de março e 16 de abril, a fiscalização foi motivada por denúncias do MPT, do Ministério Público Estadual (MPE) e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Quirinópolis (GO).

Trabalho infantil
"O principal objetivo era combater o trabalho infantil nas olarias. Por conta do trabalho intenso antes das aulas, os adolescentes chegavam cansados à escola e isso comprometia o rendimento escolar", afirma Roberto Mendes, auditor fiscal do trabalho que coordenou a operação.

O trabalho pesado de produção dos tijolos era ensinado pelos pais aos filhos (tanto meninos quanto meninas), que também iniciaram eles mesmos o trabalho em olarias ainda quando adolescentes.

Nenhum dos oleiros possuía Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) assinada. Portanto, não tinham nenhum direito trabalhista garantido. Durante o período das chuvas, não havia trabalho nem salários, pois o pagamento era feito de acordo com a produção. Em função disso, trabalhadores se endividavam nos comércios da cidade ou mesmo com os próprios empregadores por meio da venda antecipada de tijolos a preços mais baixos.
O passivo irregular de algumas famílias alcançava até R$ 16 mil. "O trabalhador se endividava e era coagido moralmente a permanecer no local por conta das dívidas", relata o coordenador da fiscalização.

A fiscalização foi informada ainda de dois casos de retenção de objetos pessoais para garantia de que os débitos seriam quitados. Em um dos casos, os objetos pessoais do trabalhador estavam retidos e foram entregues na presença de auditores ao irmão da vítima. Outro trabalhador contou que seus pertences pessoais e sua mobília (fogão velho, mesa, baú e roupas) estavam retidos há dois anos pelo empregador.

"Conversamos com o empregador, na presença de seu advogado, e o mesmo fez a devolução dos objetos que estavam em seu poder", acrescenta Roberto. Para o auditor, esses fatos possuíam dimensão coletiva, uma vez que, de forma indireta, os outros acabavam intimidados.

Quadro degradante

Juntamente com a servidão por dívida, também foram constatadas condições degradantes. As famílias moravam em "construções" precárias: os telhados eram feitos de lona e as paredes estavam rachadas e escoradas com pedaços de madeira. Muitas casas corriam risco de desabar.
As famílias não tinham acesso a instalações sanitárias adequadas. As necessidades fisiológicas eram feitas no meio do mato. Para tomar banho, os empregados utilizavam baldes, A água consumida tinha aparência turva e era tirada de poços abertos. Nas fazendas onde funcionavam as olarias, o esgoto corria a céu aberto: não havia fossas sanitárias. As instalações elétricas estavam irregulares e havia exposição a choques.

No decorrer da operação, os auditores identificaram também a falta de fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs). Jovens já apresentavam problemas de saúde decorrentes dos processos arcaicos de produção. Os empregados reclamaram, principalmente, de dores na coluna, decorrentes de posturas incorretas durante o trabalho.

O problema relacionado à postura era agravado pelo excesso de peso e pelos movimentos repetitivos que afetavam principalmente a coluna dos trabalhadores. Em média, dois oleiros produziam 100 mil tijolos a cada dois meses, segundo as contas do coordenador da fiscalização.

"Imagine a quantidade de movimentos que tiveram que fazer para chegar a essa produção. Tiveram que cortar o barro 100 mil vezes e agachar 100 mil vezes para colocar os tijolos no chão. Depois, fizeram esforços mais algumas milhares de vezes para recolher os tijolos, outros milhares de vezes para empilhar os tijolos para queima", ilustra Roberto, da SRTE/GO.

As famílias eram oriundas da própria região e alguns moravam há décadas na referida área de produção de tijolos. Os empregados mudavam de olaria em olaria porque há muitos estabelecimentos desse tipo no perímetro fiscalizado.

Além dos trabalhadores que nasceram nas olarias, outras vítimas estavam no local há 10 e até 15 anos. A situação fez com que a fiscalização se deparasse com o problema da ausência de locais para servirem de abrigo aos libertados. Parte das vítimas não tinha para onde ir.

"No desenrolar da operação, todos conseguiram lugar para morar. Alguns mudaram para casas de parentes e outros alugaram casas na cidade com as verbas que receberam", completa Roberto Mendes.

Providências tomadas

Paralelamente ao total descumprimento das normas trabalhistas, verificou-se que nenhuma das olarias possuía licenciamento ambiental para funcionamento. A madeira utilizada na queima dos tijolos era de lei (ipê, aroeira, pequi, sucupira etc.) e não possuía documentação de procedência.

Os tijolos produzidos eram vendidos para depósitos nos municípios de Santa Helena (GO), Quirinópolis (GO) e Rio Verde (GO). Neste último, a produção era recebida pelo depósito Sarico. O MPT deve notificar o estabelecimento em questão e propor a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Foram inspecionadas 32 olarias. Apesar de todas terem sido interditadas, houve libertação de trabalhadores em 17. Nas demais, foram registradas diversas irregularidades trabalhistas.

"[Nas 15 olarias em que não houve resgate] Não ficou configurado o trabalho degradante porque as moradias estavam em condições melhores", esclarece Roberto. Para o levantamento das interdições, os empregadores terão que cumprir uma série de exigências que vão desde fornecimento de EPIs à construção de novas e melhores alojamentos.

Foram lavrados, ao todo, 110 autos de infração e as verbas rescisórias pagas totalizaram mais de R$ 223 mil. A quantia foi paga pelos supostos arrendatários e também pelos donos das fazendas.

Os auditores da SRTE/GO autorizaram a liberação do Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado. São três parcelas no valor do salário mínimo (R$ 545) cada para uma das vítimas de escravidão.

Somado a isso, a Usina São Francisco, por intermédio do STR de Quirinópolis (GO), se dispôs a contratar todos os trabalhadores resgatados que manifestaram interesse em atuar nas lavouras da cana-de-açúcar. "Os salários, inclusive, são maiores do que recebiam nas olarias. Alguns empregados já iniciaram o trabalho na usina", adiciona o coordenador Roberto.

Além das multas, os empregadores poderão responder a processos criminais por submissão de trabalhador à condição de escravo.

(Repórter Brasil, 04/05/2011)


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