Concluída no ano passado, uma dissertação de mestrado apresentada pela engenheira agrônoma e doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Ana Paula Assumpção Cordeiro é uma das evidências recentes de que o clima gaúcho está mais instável.
Ao compilar registros atmosféricos dos últimos 60 anos captados por 14 estações meteorológicas, ela descobriu que atualmente, em um ano, chove em média 255 milímetros a mais do que chovia na década de 1950. Isso equivale, por exemplo, à quantidade de chuva que costuma ser registrada em junho e julho na Capital.
Outra alteração climática em curso é o progressivo aumento da temperatura. Um trabalho científico realizado pelos pesquisadores Francisco Aquino, Camila Carpenedo e Candida Dewes aponta que, desde os anos 1960, os termômetros se elevaram em média 0,5°C em solo rio-grandense.
Pode parecer pouco, mas uma elevação como essa é capaz de provocar impacto significativo. O professor de climatologia e membro do Centro Polar e Climático da UFRGS Francisco Eliseu Aquino resume a equação climática a que os gaúchos estão sujeitos.
– Mais calor e mais umidade contribuem para um número maior de eventos severos como tempestades, já que funcionam como combustíveis para elas – observa o especialista.
Chuva excedente – Além disso, os estudos constataram que a precipitação excedente está se concentrando em meses de transição de outono e primavera, nos quais o contraste de temperatura potencializa chuvaradas e ventanias.
Alguns indícios já apontam para uma escalada de temporais no Estado. Como os observadores meteorológicos dos aeroportos registram o número de trovoadas que ouvem de hora em hora, Aquino e o geógrafo Ramiro da Costa Jr. tiveram a ideia de comparar o número de trovões registrados pelos funcionários dos aeroportos nas últimas duas décadas.
As trovoadas são provocadas por nuvens de tempestade e representam uma maneira eficiente de verificar se esse tipo de fenômeno está mais ou menos intenso.
O resultado surpreendeu os autores do estudo: os dados do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, e da Base Aérea de Canoas, que servem como referência para toda a Região Metropolitana, demonstram que, entre os anos de 2000 e 2009, foi registrado um salto de 71% na ocorrência de trovoadas no comparativo com a década anterior.
O próprio clima está entre os fatores de risco – A coleção de estatísticas comprova que, além do aumento populacional e da ocupação de muitas áreas de risco, o próprio clima está se transformando em um fator de risco crescente para tragédias naturais na região sul do Brasil.
– O impacto dessas tendências vai de possíveis enchentes, ocasionadas pelo aumento da intensidade da chuva, até danos à agricultura, alterações no ciclo de pragas e patógenos e na aptidão agroclimatológica de algumas áreas – exemplifica a engenheira agrônoma Ana Paula.
As razões para as tendências encontradas pelos cientistas ainda não são conclusivas, mas podem ter relação com as mudanças climáticas em nível global, variações na circulação dos ventos próximo à Antártica e na ocorrência dos fenômenos El Niño e La Niña (aquecimento e resfriamento das águas do Oceano Pacífico, respectivamente). Em sua pesquisa, Ana Paula verificou que o La Niña está menos presente nos últimos 30 anos.
Como o fenômeno contribui para reduzir a temperatura no Rio Grande do Sul, o fato de ocorrer com menos frequência provocaria uma natural elevação nos registros captados pelos especialistas. Francisco Aquino assegura, porém, uma firme certeza:
– Se a pergunta é se o clima gaúcho está mudando, a resposta é simples: sim.
(O Pioneiro, 03/05/2011)