Entre as vantagens do telhado estão o maior conforto térmico e acústico dos ambientes internos, aumento da área verde, possibilidade de melhor aproveitamento da água da chuva, melhor relação ecológica da casa com o seu entorno, produção de um jardim ou horta e a utilização de materiais locais.
Foram alguns meses de intensos trabalhos, o que era para ser uma simples reforma de uma casa tornou-se uma experiência viva de como é possível construir fora da lógica capitalista dominante, hegemonizada pelo uso do concreto e do ferro.
A necessidade de se reformar uma das casas da ENFF, que serve de moradia para militantes da Brigada Apolônio de Carvalho, permitiu a realização da experiência de construção do telhado de grama, também conhecido por telhado vivo, telhado verde ou ecotelhado.
A definição foi tomada coletivamente pela coordenação da ENFF juntamente com estudantes e arquitetos do Laboratório de Culturas Construtivas (Canteiro Experimental), do Epa! Espaço de Projeto e Ação, ambos coletivos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Entre as vantagens do telhado estão o maior conforto térmico e acústico dos ambientes internos, aumento da área verde, possibilidade de melhor aproveitamento da água da chuva, melhor relação ecológica da casa com o seu entorno, produção de um jardim ou horta e a utilização de materiais locais.
Na construção priorizou-se a utilização de materiais da própria escola, como a terra, o bambu e a grama. O trabalho foi todo construído no sistema de mutirão, no qual trabalharam militantes, educandos, educadores e também os arquitetos.
A união entre a teoria e a prática, o elaborar e o fazer, aliados ao trabalho de mutirão enriqueceram todo o processo de execução do telhado verde. A obra transformou-se num espaço em que todos e todas, cada um com graus variados de formação, aprendiam juntos a produzir algo que nunca antes tinham visto. Inaugurada a casa, todos que participaram de sua construção olham para o telhado e sentem que construíram algo novo, bonito e inspirador.
Chico Barros, arquiteto do Epa! e do Laboratório de Culturas Construtivas, ressalta que, do ponto de vista político, o “telhado verde é também um símbolo do combate à transferência de dinheiro ao grande capital: reduzindo o consumo global do cimento, areia e aço, reduzimos também — ainda que residualmente, com valor mais simbólico que efetivo — o dinheiro que transferimos à Votorantim, à Gerdau, às empresas que estão acabando com o Vale do Paraíba extraindo areia predatoriamente”.
Trata-se, portanto, de um exemplo de como é possível uma cultura construtiva baseada na economia de recursos, em uma poética de aproveitamento da estrutura do local (como no caso do bambu, extraído no território da ENFF) consolidar oposição à cultura construtiva imposta pelo mercado de commodities.
O caráter replicador da técnica também é fundamental, visto que muitos dos trabalhadores que se envolveram na construção eram de outros estados e até mesmo de outros países, podendo agora construir outros telhados verdes em seus assentamentos, acampamentos e comunidades.
Desta rica experiência, constituiu-se o Coletivo Socialista de Construtores. Esse coletivo de construção é formado por gente que coletivamente faz tudo, se relacionando por meio do diálogo fraterno em assembléia democrática, tem pintor, pedreiro, telhadista, eletricista, projetista, arquiteto, engenheiro, encanador... E na composição é que coletivamente fazem arte, constroem casas e solidificam sonhos.
O interessante é que depois de um tempo trabalhando juntos as tarefas se misturam e todos vão aprendendo no processo, e um pintor também fica mais próximo de eletricista, arquiteto de ajudante. Essa relação é necessária para a alegria e organicidade da obra.
O coletivo ressalta também que “tornava-se necessário evitar a fetichização da técnica, da mesma forma que o grande capital tem feito com o tema da sustentabilidade e da agroecologica nos últimos anos: o ambientalismo é a grande panacéia contemporânea utilizada pelo capitalismo para sobreviver. Qualquer teto verde, portanto, deve ser tratado de forma crítica: seria incoerente se, em vez de terem sido utilizados os bambus provenientes da própria escola, fossem comprados, por exemplo, painéis de madeira compensada para receber a terra”.
O telhado de terra trouxe ainda uma otimização do espaço da casa: a cobertura é de fato uma espécie de espaço excepcional de lazer, onde é até mesmo possível deitar para tomar sol. Trata-se de uma obra de arte, porque resultado do trabalho coletivo.
O material, em arquitetura, não se limita à matéria, mas inclui também o trabalho como elemento fundante. E o processo de trabalho desta casa revelou uma sequência de contribuições de várias pessoas e de um aprendizado conjunto. O resultado é arte para todos que dele participaram.
Para Cristiano Czycza, um dos integrantes da Brigada Apolônio de Carvalho e um dos moradores da casa do teto verde, a grande vantagem dessa técnica de construção além de controlar a temperatura do ambiente interno da casa, é possibilitar uma estética diferenciada, já que no teto também pode se cultivar flores.
Cristiano e os demais moradores já estão planejando o cultivo do jardim no teto, porque ao redor da casa tudo já está plantado, todos participaram do processo de construção, desde o planejamento até a execução. Ele enfatiza que essa técnica de construção é mais acessível para a população que vive no campo, pois utiliza materiais do próprio local.
Para Geraldo Gasparin, coordenador da ENFF, "esta experiência na escola nos motiva a dar continuidade a estes projetos que são feitos em diálogo com os arquitetos da FAU, com os integrantes da Brigada Apolônio e com os educandos dos cursos que são realizados na Escola. É um processo onde todos aprendem e todos ensinam”. Ressalta que desta primeira experiência poderão ser realizadas outras iniciativas de bioconstrução.
A casa do teto verde, como tem sido chamada, integra-se em certo sentido à mística do movimento: cobre-se com terra para buscar abrigo e para viver, a mesma terra que é objeto da luta dos Sem Terra.
Entre os bambus colhidos na escola usados na sustentação da cobertura e a terra propriamente dita que a configura, há uma lona preta que impede a infiltração de água. Esta lona é o coração deste sistema construtivo e sem ela tal sistema se tornaria inviável.
A lona remete às muitas lonas que caracterizam as ocupações realizadas pelo MST e que indicam o caminho do futuro. A lona preta é um símbolo importante para o movimento: nesta casa, em certo sentido, antes de se cobrir com terra estamos nos cobrindo com a lona. A terra, objetivo e meio da luta, surge para reduzir o calor e tornar a existência mais bonita.
Quem contribuiu nos mutirões de construção
Cocó, Tom, Zé Arnor, Diego, Talles, Chico, Pedro, Rafael, Sérgio, Lucas, Manoel, Rafael, Xisco, Tchesco, Cristiano, Geraldo, Eridan, Donizete (Piá), Gabriel, Fernando... e tantos outros nos sábados e outras atividades de trabalho dos estudantes da escola
(Ecoagência, 02/05/2011)