Nadar em linha quase perfeitamente reta distância semelhante à que separa São Paulo do Recife, atravessando furacões e correntes? As jubartes conseguem. Só não se sabe muito bem como.
As distâncias imensas que esses mamíferos marinhos costumam atravessar já eram conhecidas, mas uma nova pesquisa é a primeira a mostrar que a precisão da rota das baleias beira o miraculoso.
Na maioria dos casos estudados (16 jubartes acompanhadas por satélite entre 2003 e 2010), os bichos desviavam do trajeto menos de 1 grau (se o desvio fosse de 90 graus, elas passariam a se deslocar na perpendicular do seu caminho original).
GPS MODERNO
"Seja qual for o mecanismo usado pelas baleias, ele é extremamente preciso. Talvez tão preciso quanto os mais modernos sistemas de GPS usados pelo homem para navegar", resume Alexandre Zerbini, biólogo brasileiro que trabalha no Noaa (Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera dos EUA).
Zerbini assina o novo estudo na revista científica "Biology Letters", ao lado de colegas americanos e de Artur Andriolo, da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG).
Algumas das baleias acompanhadas pela equipe também podem ser consideradas brasileiras, já que passam o inverno do hemisfério Sul na costa do Brasil, deslocando-se rumo à Antártida no verão. Outros animais foram acompanhados a partir da Nova Caledônia e das ilhas Cook, no Pacífico Sul. Nesse caso, os bichos também rumam para águas antárticas.
É justamente esse revezamento entre áreas de reprodução no inverno e "refeitórios" repletos de crustáceos e peixes no verão que motiva as longas jornadas.
Para segui-las, os cientistas usaram etiquetas eletrônicas que eram grudadas nos bichos com a ajuda de uma vara de fibra de vidro, operada a partir de um bote inflável. As viagens dos bichos no estudo podiam durar 28 dias.
Os dados de satélite deixam claro, primeiro, que os animais tiram de letra as correntes oceânicas. Elas até mudavam o ângulo de natação do bicho, mas não o caráter retilíneo da rota. "A baleia compensou o movimento da corrente para se manter no curso", diz Zerbini.
Segunda constatação: o GPS natural das jubartes não parece ser o Sol. "O Sol muda de posição ao longo do dia, não necessariamente é avistado em dias nublados e seu ângulo ao nascer e no crepúsculo muda com a latitude", explica o biólogo.
Ou seja, depois de parte da viagem, o Sol estaria num lugar bem diferente. Mesmo assim, o curso se manteve.
BÚSSOLA
E o magnetismo da Terra, pelo visto, também não é o guia das baleias. É que o trajeto dos bichos literalmente cruza as diferentes linhas magnéticas do planeta, no qual a intensidade do campo magnético da Terra oscila demais, tornando a orientação por ele inviável, diz Zerbini.
No entanto, pode ser que o Sol, o campo magnético da Terra e outras referências externas, como a Lua e as estrelas, combinem-se para criar o sistema de precisão.
Para confirmar isso, vai ser preciso acompanhar mais rotas migratórias das jubartes em diferentes oceanos, afirma o pesquisador brasileiro.
(Folha, 28/04/2011)