Paulo Saldiva conhece mais do que ninguém o mal que o ar de São Paulo pode fazer. Não pelo fato de ser asmático – o que o incentivou a se locomover de bicicleta pela metrópole desde os anos 70 –, mas porque dedica a carreira ao tema. Professor de Patologia Pulmonar na Faculdade de Medicina da USP, ele coordena o Laboratório de Poluição Atmosférica da universidade.
“Ia para a USP de bicicleta em 1972, por aí. Como já remava na raia olímpica – fiz isso por dez anos –, acabei me acostumando ao exercício físico.” Ele afirma que, em São Paulo, é pior estar dentro do carro: os poluentes não têm por onde sair.
A opção pela bicicleta já provocou situações curiosas. “Uma vez uma de minhas doutorandas me deu um carro. Para ela, o único motivo pelo qual eu não ia para a faculdade de carro era falta de dinheiro”, lembra o médico, que devolveu o presente.
Saldiva afirma que sua militância não é só ideológica. “Gosto mesmo de pedalar”, garante. “Você não pode falar que poluição faz mal e andar por aí de jipe Cherokee. Para que as pessoas ouçam o que você diz, tem de haver coerência.” Um exemplo de falta de coerência é o Instituto do Coração, onde Saldiva trabalha: ele não pode entrar de bike no estacionamento. “E é um lugar cheio de cartazes para as pessoas se exercitarem.”
Há quase 40 anos pedalando, Saldiva foi atropelado pela primeira vez há poucas semanas. “Foi no Jardim Europa. Uma mulher quis aproveitar o farol fechado para entrar na contramão e me pegou”, diz o médico, que sofreu escoriações.
Saldiva e a família, mulher e dois filhos já adultos, têm só um carro. “Os filhos andam de ônibus. Minha mulher vai para o trabalho a pé. Trocamos lâmpadas para economizar energia e nosso banho é de 5 minutos.”
Crítico do debate ambiental, o médico acredita que ele tem de incluir o homem e o ambiente urbano. “Se você andar a pé, tomar banho de canequinha, ficar no escuro à noite e não comer carne, suas atitudes vão demorar décadas a surtir efeito e o primeiro beneficiado vai ser o urso polar. Para os comprometidos com a causa, isso basta. Para chamar a atenção dos outros, é preciso chegar mais perto. Uma nova linha de metrô tem um reflexo imenso na vida e na saúde dos cidadãos.”
(Estadão, 27/04/2011)