A comunidade global prometeu meio bilhão de euros na conferência de doadores em Kiev, na Ucrânia, para um novo sarcófago que recobrirá as ruínas do reator nuclear em Chernobyl. Tobias Münchmeyer, especialista em energia nuclear do Greenpeace, argumenta que a conferência é apenas o começo. Os perigos de Chernobyl, cujo desastre completa amanhã 25 anos, persistirão por milhares de anos.
A entrevista é de Benjamin Bidder, publicada pela revista Der Spiegel e reproduzida pelo jornal O Estado de S.Paulo, 25-04-2011.
Eis a entrevista.
A União Europeia e governos de todo o mundo prometeram 550 milhões (US$ 797 milhões) para Chernobyl. A conferência teve êxito?
Esse é um evento esquizofrênico. Por um lado, conseguiu fazer com que a comunidade internacional doasse dinheiro para uma segunda proteção para o reator devastado. Ao mesmo tempo, porém, as pessoas estão fazendo vista grossa para as verdadeiras raízes da catástrofe: a energia nuclear.
Chernobyl está localizada a apenas 90 quilômetros de Kiev, mas aqui se ouve constantemente que precisamos apoiar a energia atômica, que ela é absolutamente segura. É um paradoxo. O mundo está injetando centenas de milhões de euros na Ucrânia para eliminar as consequências de Chernobyl. Ao mesmo tempo, Kiev quer expandir sua indústria nuclear e o Ocidente está capacitando o governo ucraniano a fazê-lo. Precisamos tirar lições de Chernobyl. É trágico que, 25 anos depois, tenhamos um novo desastre com o reator nuclear em Fukushima. A questão é a seguinte: quantos Chernobyl o mundo ainda pode suportar?
Em que medida a Europa está capacitando a Ucrânia?
O tempo de vida das velhas usinas de energia nuclear da Ucrânia deverá ser prolongado por 20 anos. O Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento e o Banco Europeu de Investimentos estão até estimulando as ambições atômicas de Kiev ao fornecer financiamento para a construção de linhas de alta tensão que em breve serão usadas para exportar energia nuclear para o Ocidente.
Que perigo significativo Chernobyl ainda representa?
Estimativas sugerem que 95% do material combustível permanece nas ruínas do reator, mesmo depois da explosão. Essa continua sendo a maior preocupação e o combustível precisa ser recuperado e colocado num depósito temporário nas próximas décadas. Mas não há um único espaço em parte alguma do mundo que sirva como lugar de armazenamento final para material altamente radioativo. Além disso, há aproximadamente 800 poços dentro da zona de exclusão de Chernobyl onde materiais de construção, máquinas e veículos irradiados foram enterrados às pressas. As pessoas sequer sabem hoje precisamente onde estão localizados muitos desses depósitos nucleares não planejados, para não mencionar o que foi de fato enterrado ali.
Que tipo de efeitos imediatos isso tem?
Os poços ameaçam contaminar o lençol freático, que poderia, por sua vez, levar ao escoamento de água radioativa para rios próximos. Incêndios em matas e florestas também poderiam lançar ao ar material radioativo de plantas e do solo, colocando novas ameaças para pessoas num raio de pelo menos 40 a 50 quilômetros.
Quando o novo sarcófago ficará pronto?
Para fins de balizamento, foi estabelecido o ano de 2015. Oficialmente, porém, não há mais uma data limite. Isso porque as duas datas previamente citadas para a conclusão tiveram de ser prorrogadas. Portanto, a questão de quando a segunda carapaça protetora será concluída continua totalmente em aberto. O novo sarcófago será um edifício de alta tecnologia mais alto que a Estátua da Liberdade, em Nova York, e com 250 metros de largura. Estima-se que essa carapaça protetora custará em torno de 1,5 bilhão de euros.
Por que Chernobyl continua sendo tão dispendiosa hoje?
Porque praticamente nada foi feito nos últimos 25 anos, seja para mitigar, seja para eliminar as consequências da catástrofe. Após o desastre, os soviéticos encerraram às pressas as ruínas do reator radioativo. Foi uma boa decisão e uma tarefa imensa.
Mas o que torna essas quantias de dinheiro tão imensas?
O novo sarcófago é caro porque é um empreendimento pioneiro. Ele será construído perto do reator e em seguida deslizado sobre as ruínas. Nunca um edifício desse porte foi transportado sobre trilhos. A construção é também um desafio logístico porque a zona morta carece de infraestrutura. Além disso, os níveis de radiação na área circundante do sarcófago ainda são tão altos que dificultam a mobilização segura de trabalhadores da construção - em especial quando se leva em consideração que o novo sarcófago será construído diretamente ao lado do antigo. As preocupações com um colapso prematuro do velho sarcófago também estão complicando o planejamento.
Quando Chernobyl não representará mais perigo?
Há um ditado de que o tempo cura todas as feridas. Mas em Chernobyl, o tempo não está curando nada. Ela será perigosa por milhares de anos. No caso do plutônio, estamos falando de uma meia vida de 24 mil anos. A expectativa oficial de duração do novo invólucro protetor é de 100 anos, mas isso é apenas um piscar de olhos.
Por quanto tempo mais a comunidade internacional lidará com a questão de Chernobyl?
Essa não foi a última conferência de doadores; foi a primeira. Conferências de doadores de Chernobyl ainda serão realizadas nas próximas décadas - ou mesmo séculos.
(Instituto Humanitas Unisinos, 25/04/2011)