A precipitação radioativa de Tchernobil permanece como um perigo para o ambiente, mas quase não há pesquisas sobre o tema um quarto de século depois do desastre, afirmaram especialistas.
De acordo com estudos, animais como castores, veados, cavalos selvagens, gaviões e águias retornaram para a zona de isolamento de 30 quilômetros em Tchernobil desde que os humanos fugiram e a caça tornou-se ilegal.
Mas esse cenário é enganoso, afirma o professor de biologia da Universidade de Carolina do Sul (EUA), Tim Mousseau, um dos poucos cientistas a testar a biodiversidade em torno de Tchernobil com profundidade.
"Tchernobil definitivamente não é o paraíso para a vida selvagem", disse em entrevista por telefone.
"Quando você realmente faz o trabalho duro, de conduzir um estudo científico em que rigorosamente controla todas as variáveis, e faz isso várias vezes em muitos lugares diferentes, o sinal é muito forte. Há menos animais e menos tipos de animais que o esperado."
Em 2010, Mousseau e seus colegas publicaram o maior censo da vida selvagem na região de exclusão de Tchernobil.
O levantamento mostrou que o número de mamíferos caiu, assim como a diversidade de insetos, incluindo marimbondos, gafanhotos, borboletas e libélulas.
Em um estudo publicado em fevereiro deste ano, foram registrados 550 pássaros, de 48 espécies e de oito locais diferentes, que tiveram seus cérebros medidos.
Aves que viviam em locais de alta radiação tinham cérebros 5% menores que aqueles que viviam em lugares onde a radiação era menor --e a diferença era grande entre aves com menos de um ano.
O cérebro menor está ligado a uma habilidade cognitiva menor e, portanto, a uma capacidade de sobrevivência menor. O estudo sugere que muitos embriões de aves provavelmente não sobreviveram.
"Isso claramente está ligado ao nível de contaminação", disse Mousseau. "Houve necessariamente consequências para todo o ecossistema."
Mousseau declarou ser importante estudar a ligação do desastre com os danos ambientais, mas, segundo ele, os recursos destinados à pesquisa dos impactos de Tchernobil são baixos e muitos estudos em russo nunca são traduzidos para o inglês.
POEIRA RADIOATIVA
Poeira e cinzas radioativas espalharam-se por mais de 200 mil quilômetros quadrados depois que o reator número 4 de Tchernobil explodiu em 26 de abril de 1986.
Ucrânia, Belarus e Rússia foram os mais afetados, apesar de alguns vestígios terem alcançado o norte da Escócia e o oeste da Irlanda, exigindo em alguns lugares restrições de longo prazo na criação de gado.
A contaminação, mesmo na zona de exclusão, não é uniforme. Algumas áreas estão limpas, mas alguns metros adiante podem ser encontradas área de alta contaminação - determinadas pelos ventos e pela chuva, que depositam as partículas, ou pelas folhas que as seguram.
Atualmente, as principais ameaças são o césio 137 e em menor grau o estrôncio 90, que decaiu lentamente em uma escala medida em décadas, de acordo com o IRSN (Instituto de Proteção Radiológica e Segurança Nuclear, da França).
A radioatividade caiu nos últimos 25 anos, mas as regiões mais críticas têm contaminação em até 20 centímetros abaixo do solo. Elas representam uma fonte pequena, mas constante, de exposição.
As partículas radioativas passam do solo para as plantas por meio das raízes para os animais por meio da vegetação que eles comem e por meio da carne e do leite para os humanos.
Absorvido pelos ossos e órgãos, o césio emite a radiação alpha, que danifica o DNA, aumentando o risco de células mutantes que se tornam tumores.
O oeste e sudeste da Ucrânia não foram afetados pelo desastre de Tchernobil, e nas grandes fazendas e fábricas de alimentos do país não há risco por conta da fiscalização, afirmam cientistas.
Mas a radioatividade ainda afeta zonas rurais do nordeste da Ucrânia, onde fazendeiros pobres colhem cogumelos e grãos e não podem pagar por feno limpo de regiões não contaminadas para suas vacas.
Valery Kashparov, diretor do Instituto Ucraniano de Radiologia Agrícola, afirma que o governo promoveu em 2008 cortes nos fundos destinados ao monitoramento da radiação. Em torno de US$ 600 mil são necessários anualmente para garantir que a comida não esteja contaminada.
"A contaminação está decaindo, mas levará décadas para a natureza levá-la a níveis seguros", acrescentou.
Em uma pesquisa apresentada em Kiev neste mês, cientistas do Greenpeace compraram comida em duas regiões administrativas, Zhytomyr e Rivne.
Os testes encontraram césio 137 acima do permitido em muitas amostras de leite, cogumelos secos e grãos, informou. Os níveis estavam extremamente altos em Rivne, onde o tipo de solo transmite partículas radioativas mais facilmente para plantas.
(Folha, 20/04/2011)