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políticas públicas código florestal sustentabilidade
2011-04-20 | Matsubara

As políticas públicas brasileiras devem ser planejadas em longo prazo, “não se submetendo a interesses passageiros desse ou de outro governante”, esse pensamento também se aplica à reforma do Código Florestal, por isso, “todo e qualquer debate deve ser pautado pelo conhecimento científico, eliminando os ‘achismos’ e interesses setoriais”, na avaliação do advogado e especialista em direito ambiental, Bruno Morais Alves, que atua em Brasília (DF), no escritório Wilfrido Augusto Marques Advogados Associados.

Na opinião do especialista, a legislação ambiental brasileira, considerada por muitos como uma das mais completas do mundo, não deve caminhar para trás. “Sabemos como é danoso o processo de assoreamento dos rios, e não posso conceber uma redução de 75% das matas ciliares como um avanço”, argumenta.

Bruno Morais Alves é especialista em Direito Ambiental Processual pela Escola Superior de Advocacia e cursa mestrado em Direito Ambiental Internacional Comparado na Universidade de Limoges, França.

Para o advogado, outro aspecto polêmico da reforma do Código Florestal, além da redução das áreas de preservação e de reserva legal é a questão da moratória de 5 anos, onde fica garantida a manutenção das atividades agropecuárias existentes em áreas desmatadas até 22/07/2008, medida que ele avalia que seja sensata. Em seu entendimento, o Brasil é historicamente conhecido por políticas públicas antagônicas ao longo do tempo. Dessa forma, “muitos particulares acreditam nos projetos políticos do governo vigente e quando ocorre a mudança de poder, encontram-se sob a égide de outros projetos e objetivos”, “e muitas vezes são atirados à ilegalidade e ao desequilíbrio econômico, tendo que arcar com um passivo ambiental que impossibilita sua atividade econômica”, completa.

Por outro lado, ele defende que a compensação de áreas desmatadas em um Estado por áreas de florestas em outros Estados ou bacias hidrográficas é um tema que merece mais discussão e para o qual se deva buscar uma “solução temperada”. De acordo com o advogado, o novo Código Florestal Brasileiro deve inovar e ser “capaz de refletir a multidisciplinaridade, pluralidade de temas e estratos sociais intrínsecos ao arcabouço legal das florestas”. Veja a entrevista exclusiva que Bruno Morais Alves concedeu ao Observatório Eco.

Observatório Eco: Em sua avaliação quais os pontos mais significativos do projeto do Código Florestal relatado pelo deputado Aldo Rebelo, em discussão na Câmara Federal?

Bruno Morais Alves: Sem dúvida, os principais pontos do projeto são aqueles em que se encontram os maiores desafios para a negociação, onde as posições são opostas e radicais. Em minha opinião, a questão norteadora é o tratamento dado às Áreas de Proteção Permanente (APPs) – com especial destaque às extensões destinadas às ditas matas ciliares ao longo dos rios – e às Reservas Legais Florestais (RLFs) – onde se salienta a isenção da obrigação de RL nas propriedades com até quatro módulos fiscais.

Além disso, há um temor por parte do movimento ambientalista em relação à previsão de uma moratória de 5 anos, onde fica garantida a manutenção das atividades agropecuárias existentes em áreas desmatadas até 22/07/2008. Nesse ínterim, ficam os Estados incumbidos de implementar o Programa de Regularização Ambiental. E, por fim, há a compensação de áreas desmatadas em um Estado por áreas de florestas em outros Estados ou bacias hidrográficas.

Observatório Eco: Neste sentido, o que não pode ser acolhido dentro desta proposta e que deve ser deixado de lado? Por quê?

Bruno Morais Alves: O caso de uma regulação atinente ao ecossistema florestal no Brasil apresenta dificuldades de grandeza quantitativa e qualitativa. O Brasil possui a segunda maior extensão florestal do mundo, 516 milhões de hectares, segundo o Serviço Florestal Brasileiro. Ademais, os biomas Amazônia e Mata Atlântica possuem uma biodiversidade rara, não encontrada em lugar algum do mundo. Portanto, qualquer alteração deve ser pautada em critérios científicos. Creio que exista, sim, a necessidade de uma atualização ao Código Florestal, promulgado na década de 1960. Faz-se mister contextualizá-lo em uma sociedade pós-moderna onde as demandas por serviços florestais estão cada vez mais intensas.

Acredito que a legislação ambiental brasileira, dita por muitos como uma das mais completas do mundo, não deva caminhar para trás. Qualquer redução é, em minha opinião, um retrocesso. Sabemos como é danoso o processo de assoreamento dos rios, e não posso conceber uma redução de 75% das matas ciliares como um avanço. As APPs, segundo o art. 1°, II da M.P 2.1666-67/2001, têm o desígnio de preservar e proteger o solo, os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade e o fluxo genético da fauna e da flora.

A RLF possui a finalidade de assegurar o uso sustentável dos recursos naturais, a conservação e reabilitação dos processos ecológicos, a conservação da biodiversidade e o abrigo e proteção da fauna e da flora nativas, como descreve o art. 1°, §2°, III, da mesma Medida Provisória. Assim, a partir do momento em que se pede a isenção dessas áreas em propriedades de até 4 quatro módulos fiscais, deve-se, peremptoriamente, fixar o valor de tal unidade de medida. Hoje esse valor é definido em cada município, variando de cinco a cem hectares. Portanto, as propostas supracitadas merecem ser descartadas, pela incongruência que possuem com a atual Política Nacional do Meio Ambiente.

Observatório Eco: E qual a sua avaliação da moratória prevista no projeto de reforma do Código Florestal?

Bruno Morais Alves: Quanto à moratória, essa me parece mais sensata, visto que o Brasil é historicamente conhecido por políticas públicas antagônicas ao longo do tempo. Muitos particulares acreditam nos projetos políticos do governo vigente; quando ocorre a mudança de poder, encontram-se sob a égide de outros projetos e objetivos, e muitas vezes são atirados à ilegalidade e ao desequilíbrio econômico, tendo que arcar com um passivo ambiental que impossibilita sua atividade econômica.

Os modelos de políticas públicas deverão ser pautados, a meu ver, no conceito de governança. Nas palavras da Dra. Elke Löffler, isso seria “uma nova geração de reformas administrativas e de Estado, que têm como objeto a ação conjunta, levada a efeito de forma eficaz, transparente e compartilhada, pelo Estado, pelas empresas e pela sociedade civil, visando uma solução inovadora dos problemas sociais e criando possibilidades e chances de um desenvolvimento futuro sustentável para todos os participantes”. Ou seja, as políticas públicas devem ser tomadas em longo prazo, não se submetendo a interesses passageiros desse ou de outro governante.

Em relação à compensação de áreas desmatadas em um Estado por áreas de florestas em outros Estados ou bacias hidrográficas, essa me parece necessitar de uma solução temperada. Existe o conceito de corredores ecológicos ou de biodiversidade: áreas que unem os remanescentes florestais, possibilitando o livre trânsito de animais e a dispersão de sementes das espécies vegetais, o fluxo gênico entre as espécies da fauna e da flora e a conservação da biodiversidade. Asseguram também a conservação dos recursos hídricos e do solo, além de contribuírem para o equilíbrio do clima e da paisagem. Em outras palavras, não devem existir “ilhas” de proteção, mas uma unidade do ecossistema. Nessa prumada, não julgo sensato recompor uma área em outra bacia.

Todavia, se pensarmos em uma área carente de vegetação na mesma microbacia, a ser reflorestada e que levará décadas para se regenerar, e se não houver área de vegetação nativa na mesma microbacia, ou na mesma bacia e no mesmo Estado, a reserva poderá ser compensada em áreas preservadas em outros locais de reconhecido valor ambiental. Nessa perspectiva, penso ser salutar uma maior autonomia para o órgão ambiental, o que possibilitaria, no caso um diagnóstico acerca do ganho ambiental de maior importância, seja o reflorestamento ou a preservação de uma área intocada sujeita às pressões depredativas.

O fato dessa área estar inserida em uma outra bacia não diminui o seu reconhecido valor ambiental, ao passo que uma área reflorestada levará décadas para se recompor e jamais representará a mesma significância ambiental que as áreas remanescentes.

Observatório Eco
: Com a polarização das discussões sobre a reforma desta lei entre ruralistas e ambientalistas, de que forma obter um caminho de consenso entre as duas forças tendo por objetivo os interesses da sociedade brasileira?

Bruno Morais Alves: Todo e qualquer debate deve ser pautado pelo conhecimento científico, eliminando os “achismos” e interesses setoriais. Devemos acompanhar com atenção os trabalhos desenvolvidos pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e pela Academia Brasileira de Ciência.

Após termos uma margem para tomada de decisão embasada em estudos científicos, deverão os agentes políticos debater, deixando de lado o radicalismo e argumentos emotivos ou econômicos. A total compreensão tecnocientífica do assunto é imperiosa para o debate político – e, ainda quando não seja absoluta, o princípio da precaução deve ser aplicado. Tal princípio tem fundamento na Política Nacional do Meio Ambiente, e é entendido pelo Professor Canotilho como norteador da “ação para eliminar possíveis impactos danosos ao ambiente [que] seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com evidência científica absoluta”.

Observatório Eco: Quais os aspectos fundamentais que não podem faltar na revisão do Código Florestal em vigor? Por quê?

Bruno Morais Alves: Os princípios desse Código devem ser, em última instancia, a busca de um modelo que seja sustentável e possa atender às demandas das gerações futuras sem negligenciar a atual. O conceito de crescimento – expandir para fora de suas fronteiras – não pode ser mais aplicado, devendo ser substituído por uma noção de desenvolvimento. Fala-se, portanto, de uma sustentabilidade ambiental do desenvolvimento socioeconômico ou desenvolvimento sustentável.

Observatório Eco: De que forma o Brasil pode promover a sustentabilidade ambiental, a produção de alimentos e a preservação dos ecossistemas em uma nova legislação florestal?

Bruno Morais Alves: Espera-se que o novo Código Florestal Brasileiro inove e seja capaz de refletir a multidisciplinaridade, pluralidade de temas e estratos sociais intrínsecos ao arcabouço legal das florestas. Devem levar em conta a diversidade de ecossistemas, as particularidades regionais, os diferentes impactos causados por cada atividade produtiva; que crie e regulamente um mercado para passivos e ativo ambiental surgirá novos modos de compensação ambiental.

Em síntese, que proponha um modelo de negócio para os produtos e serviços florestais, coadunando com a indústria e as populações locais e indígenas, assim garantindo a competitividade da agropecuária e alavancando avanços científicos e tecnológicos para aliar exploração e conservação dos recursos naturais.

Observatório Eco: A atividade agrícola desenvolvida com apoio em agrotóxicos, sementes transgênicas e grandes latifúndios, ainda irá prevalecer após a edição de um novo Código Florestal?

Bruno Morais Alves: Julgo que esse tipo de modelo tende, cada vez mais, a cair em desuso. Pela seguinte razão: o consumidor, principal fator em qualquer atividade econômica, está mais bem informado, e esse nível de conhecimento só aumentará. Nesse sentido, o consumidor irá exigir produtos de melhor qualidade e com menor impacto ao meio ambiente. Os padrões de qualidade e certificações tipo ISO irão definir internacionalmente critérios para a produção. A tendência é, sem dúvida, se fazer mais com menos. Há inúmeros casos de sucesso nesse sentido. Por exemplo, as associações de pequenos produtores rurais que se juntam para manufaturar melhor seu produto in natura, seguindo a esteira do pensamento de Elionor Ostrom, prêmio Nobel de Economia de 2009.

Mais adiante, temos a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos, que irá impor maior rigor na produção, utilização e descarte de defensivos agrícolas. A busca de grandes agentes econômicos por produtos locais, seguindo a evolução da logística sustentável. As sementes transgênicas, ou organismos geneticamente modificados, possuem um poder de dispersão superior aos dos organismos naturais. Portanto, podem invadir um ecossistema estável e diminuir sua complexidade sistêmica, gerando a perda da biodiversidade.

Hoje isso é claro nas plantações de milho e soja dos Estados Unidos. Empresas multinacionais controlam uma patente, monopolizando os mercados de sementes. Todo esse cenário indica uma mudança importante de paradigma, onde os velhos modelos comerciais irão se remodelar para atender as exigências de mercado globalizado e inteligente.

(Observatório Eco, 20/04/2011)


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