Criado em abril de 1961, o parque indígena do Xingu completa 50 anos com a maior parte de seus 2,8 milhões de hectares praticamente intactos, mas cercados por áreas de desmatamento por todos os lados.
Imagens de satélite mostram que o parque, com quase 6.000 índios de 16 etnias, vem assumindo cada vez mais as feições de uma "ilha" verde --em torno da qual surgem várias frentes de expansão urbana e agropecuária.
Na lista de 43 municípios que mais desmatam a Amazônia, 7 fazem divisa com o parque. Entre 2000 e 2007, segundo o ISA (Instituto Socioambiental), área equivalente à de Alagoas foi desmatada na porção mato-grossense da bacia do rio Xingu.
Essa região fora do parque abriga 6,5 milhões de cabeças de gado, mais de 30% das áreas de soja em Mato Grosso e já atrai interesse por seu potencial hidrelétrico.
Nos últimos cinco anos, de acordo com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, quatro pequenas usinas foram licenciadas.
ESPREMIDOS
Como a demarcação do parque indígena não incluiu nascentes dos principais rios, os índios são afetados por transformações do entorno. E dizem temer o futuro.
"Estamos espremidos e apavorados", diz Korotowi Ikpeng, 39, da etnia icpengue. Para ele, as mudanças já são perceptíveis na aldeia em que vive, no Médio Xingu.
"Antes, a gente via os peixes no fundo do rio. Hoje, os [rios] formadores do Xingu estão arenosos. O desmatamento também afetou a caça, cada dia mais difícil", diz.
O índio caiabi Pikuruk Kayabi, 29, diz que as divisas do parque foram no início fixadas sobre áreas de mata fechada. Hoje "é floresta de um lado, pasto e soja do outro".
A área das cabeceiras do Xingu chegou a ser incluída em uma categoria de proteção na proposta do zoneamento ambiental do Estado.
Na Assembleia Legislativa, porém, a bancada ruralista aprovou um substitutivo que considera a região como uma "área consolidada com predomínio de agricultura".
O desmate e a degradação dos rios, aliados a um crescimento da população indígena acima da média nas últimas décadas, formam um cenário de insegurança alimentar, diz a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que desde 1965 tem um programa de atendimento à saúde no Xingu.
Segundo a entidade, as terras para a agricultura tradicional foram reduzidas, fazendo com que seja cada vez mais difícil obter alimentos.
REDES SOCIAIS
Os desafios não se limitam à esfera ambiental, diz Awasi Kaiabi, 31, diretor de uma escola no Baixo Xingu.
Com 75% da população com menos de 30 anos, o local vive um conflito de gerações, conta ele.
"Os mais velhos querem preservar a cultura e são contra a entrada de coisas dos brancos. Já os jovens querem trazer novidades."
Além de antenas parabólicas, o universo tecnológico dos xinguanos já inclui computadores, sistemas de bate-papo via internet e a participação em redes sociais.
Awasi diz não ser contra a modernidade e afirma que o currículo da escola que dirige inclui informática.
"Há 50 anos, o parque estava isolado. Hoje, os brancos são nossos vizinhos. O que mais ensinamos a nossos alunos são noções de sobrevivência, enquanto índios, nessa situação."
(Folha de São Paulo, 14/04/2011)