O acidente na usina de Fukushima, no Japão, alertou o mundo sobre o potencial devastador da energia nuclear. O debate atingiu o Brasil, país que planeja investir mais nesse tipo de energia. Segundo o Plano Nacional de Desenvolvimento Energético (PNDE), estão previstas as construções de quatro usinas nucleares de 1 mil megawatts até 2030.
Porém, os próprios estados que receberiam os empreendimentos já estão receosos em relação a sua construção. Mesmo com valores que trariam investimentos de bilhões de reais e empregos, governadores já sinalizam que não pretendem abrigar usinas em seus territórios.
Até mesmo governadores da base aliada, como Eduardo Campos (PSB-PE) e Marcelo Déda (PT-SE), já afirmaram que os seus estados vão repensar a viabilidade da construção de parques nucleares.
Na Europa, a desconfiança em relação a essa matriz energética ampliou a rejeição da população à abertura de mais usinas atômicas. A situação em países como a França, que têm na energia nuclear sua maior fonte de energia, chegando a 70%, deve forçar a uma imediata substituição de matriz energética.
As inaugurações de Angra 1 e Angra 2, em 1982 e 2000, respectivamente, causaram protestos de ambientalistas e tiveram sua eficácia questionada. Os recursos hídricos, eólicos e solares do país são apontados como os principais motivos para recusar a energia atômica.
No entanto, as quatro usinas previstas no PNDE teriam 40 anos de vantagem sobre a usina de Fukushima, que hoje tem essa idade. A usina japonesa já possui equipamentos considerados obsoletos por especialistas.
Situação confortável
O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB), afirma que o Brasil possui capacidade para construir as quatro usinas, além de Angra 3, com o máximo de segurança possível.
Para Ildo Sauer, doutor em engenharia nuclear e professor da Universidade de São Paulo (USP), o desenvolvimento da energia atômica no Brasil não deve ser analisado apenas pelos eventuais riscos, mas também pelos interesses financeiros por trás dela.
“O Brasil dispõe de um potencial hidráulico, eólico e de recursos a partir da biomassa. Até 2040, 2050, quando tivermos 200 milhões de habitantes, mesmo dobrando o consumo da população, será preciso usar apenas 70% do nosso potencial hidráulico, ainda sobra energia. O Brasil está numa posição muito confortável”, afirma.
Sauer, que foi diretor de gás e energia da Petrobras no primeiro governo Lula, critica as gestões do ex-presidente e de Dilma Rousseff na área de energia. “No Brasil, o governo Lula resolveu voltar com o projeto de construir Angra 3, que deve custar R$ 8 bilhões de reais e gerar 1.345 megawatts. Essa energia poderia ser produzida pela matriz hidráulica, eólica ou de outra fonte. As usinas nucleares previstas para o entorno do rio São Francisco teriam um custo de R$ 80 bilhões, sendo que a energia que elas gerariam poderiam ser substituídas por investimentos na ordem de R$ 20 bilhões, usando outras matrizes. Do ponto de vista tecnológico, essas usinas não trariam avanços ao país”, explica.
Apesar de crítico da política nuclear do governo federal, Sauer afirma não ser contrário a essa fonte de energia e aponta que o seu uso é de suma importância na medicina diagnóstica. “Do ponto de vista cientifico-tecnológico, seria mais inteligente montar um reator que a Marinha pudesse utilizar para fazer ensaios”, sugere.
Para Sauer, o principal motivo para o Brasil manter a sua política favorável à energia atômica, mesmo depois da comoção internacional em torno de Fukushima, é o lobby das grandes empresas internacionais que pretendem lucrar com a tecnologia no país. “A política se submeteu ao lobby da indústria nuclear internacional. É uma opção por uma fonte mais cara que vai exigir cuidados elevadíssimos por 2 mil anos”, aponta.
Sauer também lembra que os equipamentos para a construção de Angra 3 já estão estocados há 20 anos e podem apresentar defasagem.
Novas fontes
Mesmo antes da tragédia japonesa, o debate central no campo da energia já era a busca da conciliação entre desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente. No caso da usina de Fukushima, nenhum dos dois elementos mostraram-se viáveis, diante do imenso dano ambiental e o prejuízo financeiro causado pela radiação.
Para Paulo Metri, diretor do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, o uso de fontes limpas e renováveis deve ser feito, mas é necessário medir o impacto financeiro dessas escolhas. Segundo Metri, se a energia alternativa for mais cara do que a convencional, o produto brasileiro pode tornar-se mais caro no mercado internacional, gerando empregos com má remuneração no país. “A [energia] solar só será competitiva em preço depois de alguns desenvolvimentos tecnológicos, que eu espero que ocorram, pois será a redenção do Nordeste brasileiro, além de ser bom para o Brasil como um todo, devido ao alto grau de insolação. A eólica pode também vir a ter alguns novos desenvolvimentos. Mas já deve ser utilizada nas regiões onde houver vento, pois, nestas, ela já é competitiva”, avalia.
(Por Renato Godoy de Toledo, Brasil de Fato, 13/04/2011)