Um estudo divulgado ontem (6) pelo Processo de Articulação e Diálogo (PAD) aponta que a criminalização dos movimentos sociais tem se acentuado nas duas últimas décadas. Além de assassinatos e ameaças, os defensores de direitos humanos também se tornaram alvos de ações criminais e policiais ilegais.
Durante esta semana, uma delegação composta por líderes de movimentos sociais denunciarão ao Congresso Nacional e às embaixadas estrangeiras abusos praticados pelo Estado e pelas empresas transnacionais.
Na Europa, outra delegação vai expor a parlamentares, organizações humanitárias e religiosas mundiais os problemas que enfrentam. A repressão brasileira aos movimentos sociais também será denunciada ao Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
“A atuação do Judiciário, de setores do Ministério Público, seja federal ou estadual, e de segmentos do Poder Legislativo representa uma face do Poder Público que desrespeita os direitos humanos e não coloca em prática a Constituição Brasileira”, diz o relatório.
O estudo reúne as principais denúncias de violação dos direitos humanos contra os movimentos sociais, como a repressão às manifestações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a criminalização das atividades do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) e o drama das pessoas atingidas pela construção de grandes hidrelétricas. O relatório também revela que o Estado brasileiro cria mecanismos para criminalizar essas organizações em favorecimento de interesses privados.
De acordo com o coordenador do setor de movimentos sociais do PAD, Leonardo Maggi, grandes projetos dos setores mineral, energético e do agronegócio violam os direitos das populações atingidas e o meio ambiente, por estarem protegidas por um aparato legal que criminaliza quem ousa enfrentar esses projeto de desenvolvimento.
“A ideia é discutir os impactos do atual modelo de desenvolvimento por meio de alguns casos emblemáticos relacionados a grandes projetos”. Maggi citou como exemplos os casos da monocultura de eucalipto para a fabricação de celulose e da repressão às organizações de luta pela terra no desafio da reforma agrária, “que é o oposto do projeto do agronegócio”, afirmou.
Segundo ele, um dos maiores obstáculos é fazer com que os órgãos públicos entendam que a criminalização representa uma violação aos direitos humanos e uma ameaça à democracia. “Há muitos casos emblemáticos de violação e repressão tanto pelo Estado quanto por grandes companhias, principalmente transnacionais, contra movimentos sociais em geral. Esta semana, vamos convesar com embaixadores, parlamentares e ministros.”
De acordo com o relatório, a criminalização das lutas sociais é estratégia de forças conservadoras para barrar o avanço dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Essa tendência vem se repetindo em outros países da América Latina, como a Colômbia, o Peru, a Argentina Nicarágua, o Panamá, Equador, a Guatemala e o Chile.
Criado em 1995, o Processo de Articulação e Diálogo é formado por seis agências ecumênicas europeias e por 165 entidades parceiras no Brasil. Congrega representantes de movimentos como o MST, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e as organizações não governamentais.
Movimentos sociais querem que o governo faça reforma agrária e demarque terras indígenas
Representantes de movimentos sociais vão pressionar o governo brasileiro a adotar medidas que coloquem um fim às ações de criminalização, difamação e vitimização desses movimentos e de defensores de direitos humanos. Esta semana, durante reuniões com parlamentares, embaixadores e ministros líderes dos movimentos sociais vão exigir que o governo faça a reforma agrária e a demarcação de terras indígenas e quilombolas.
O relatório Processo de Articulação e Diálogo (PAD), divulgado ontem (6), apresenta uma série de denúncias sobre repressão aos movimentos sociais pelo governo e empresas transnacionais. Entre os casos denunciados está a criminalização dos defensores de direitos humanos ligados à reforma agrária, principalmente no Rio Grande do Sul.
De acordo com o estudo, mais de 12 mil famílias conquistaram um pedaço de terra no estado e organizaram-se em cerca de 300 assentamentos. No entanto, 2,5 mil ainda esperam a reforma agrária em 11 assentamentos. Algumas dessas famílias estão há mais de quatro anos acampadas.
“Nos últimos cinco anos, menos de 800 famílias foram assentadas. Esses índices são inferiores aos governos do regime militar”, diz o relatório. Além disso, nos últimos anos, manifestações dos integrantes do MST são reprimidas de forma arbitrária e truculenta pela polícia do Estado.
O movimento já havia denunciado tais fatos à Comissão de Direitos Humanos do Senado, à Organização das Nações Unidas (ONU), à Organização dos Estados Americanos (OEA) e à Secretaria de Direitos Humanos, no entanto, até o momento, nada foi feito, aponta o estudo.
Para a coordenadora do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Lucy Piovesan, a denúncia é uma maneira de a população e as autoridades saberem dessa repressão. “Isso pode contribuir para que empresas, Estado e Ministério Público [MP] pensem duas vezes antes de fazer essa criminalização e a repressão ao movimento.”
Segundo Lucy, há mais de 20 anos o MMC luta contra abusos do Estado, principalmente do MP. “O Ministério Público vem fazendo uma pressão muito forte, pois fiscaliza e questiona todos os projetos desenvolvidos pelo movimento. Tivemos a sede dos movimentos em vários estados invadida por policiais com muita truculência.”
Outra reivindicação dos movimentos sociais é a demarcação de terras indígenas. De acordo com o relatório, a não demarcação das terras no Brasil gera a morte de dezenas de indígenas a cada ano, ameaçando a sobrevivência étnica e física de diversas comunidades. O caso denunciado é referente à população indígena guarani-kaiowá, em Mato Grosso do Sul.
“Durante 2007, ano em que explodiu o número de assassinatos, 80 terras indígenas dos guarani-kaiowá sequer tiveram seus limites identificados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e nenhuma terra indígena foi declarada pelo Ministério da Justiça ou homologada pelo presidente de República”, diz o estudo.
Com isso, os índios acabam deixando suas terras e indo trabalhar em fazendas ou usinas de álcool, onde são explorados e submetidos a condições degradantes, análogas à escravidão. Segundo o relatório, a Funai se comprometeu a fazer o estudo de demarcação de terras, o que até o momento não ocorreu.
(Por Daniella Jinkings, Agência Brasil, EcoDebate, 07/04/2011)