A biodiversidade não é entrave ou problema, é a solução. A afirmação é do biólogo e professor da Ufrgs, Paulo Brack, que participou do Terça Ecológica, tradicional evento do Núcleo dos Ecojornalistas (Nej/RS), em parceria com outras entidades. Na noite de 5 de abril, em Porto Alegre, o encontro promoveu o debate das Propostas de Mudança do novo Código Florestal, e foi realizado na sede do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado (Crea-RS), reunindo engenheiros, arquitetos, ambientalistas, jornalistas e estudantes. Durante o debate, representantes do Forum em Defesa do Código Florestal anunciaram a realização de Audiência Pública, no próximo dia 14 (quinta-feira), às 19h, na Câmara de Vereadores da capital gaúcha.
No debate, além de Brack, mestre em Botânica, doutor em Ecologia e Recursos Naturais e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), participou o engenheiro florestal Luiz Ernesto Grillo Elesbão, coordenador da Câmara Especializada de Engenharia Florestal do Crea-RS, mestre em Manejo Florestal, doutorando em Engenharia Florestal, e professor da UFSM. Para eles, a sociedade tem manifestado sua insatisfação, mas "precisa pressionar", conclamou Brack.
A polêmica na alteração do Código Florestal se deve especialmente à redução da área de proteção permanente (APPs) na margem de rios e riachos e em determinadas altitudes, à flexibilização da Reserva Legal, à anistia para produtores que desmataram antes da legislação sobre o tema; às formas de compensação por áreas já desmatadas e a algumas normas específicas para a agricultura familiar.
De acordo com os palestrantes, há muita confusão. "APP, por exemplo, não é só mata ciliar, mas todo tipo de vegetação", diz Elesbão, ao citar os pomares de espécies frutíferas e mesmo os plantios de eucaliptos. Já a Reserva Legal, explica, é a área na propriedade rural que deve manter a vegetação original. Para Elesbão, é precico integrar o sistema produtivo existente com as políticas públicas, planejando a partir da realidade já constituída.
A partir do Decreto 7029/09, que institui o Programa Federal de Apoio à Regularização Ambiental de Imóveis Rurais, denominado "Programa Mais Ambiente", os municípios passaram a definir o tamanho do módulo fiscal. A agricultura familiar está enquadrada no índice de área entre um e quatro módulos fiscais. Mas, de acordo com Elesbão, cada módulo fiscal, no Brasil, varia, de município para município, entre cinco e 110 hectares. "Caso as alterações ao Código Florestal sejam aprovadas, a agricultura familiar pode desaparecer", alerta Elesbão, ao observar que, de acordo com a proposição, propriedades com até quatro módulos fiscais não terão mais obrigação de manterem os 20% de área de Reserva Legal. "Quando esse substitutivo for aprovado, os municípios vão apresentar as suas camaras de vereadores projetos de aumento de tamanho do módulo fiscal para utilizar toda a propriedade para a produção", antecipa o professor.
Outro absurdo do novo Código, citado por Elesbão, é o que dá anistia ampla e irrestrita a todo devastador multado até o dia 22 de julho de 2008. "Até os juristas questionam essa proposta", critica. Para ele, é preciso compensar ou premiar quem protege o ambiente. "Tem muita gente que trabalha dentro do padrão, obedecendo os parâmetros ambientais e legais", diz. "Será que através do PL, aprovado ou com emendas, vamos resolver os problemas ambientais", questiona. E acrescenta que é preciso uma mudança profunda nas atitudes de todos, seja do meio rural ou do urbano. "A realidade de nossos atos nos mostra isso todos os dias", observa.
Biodiversidade e Sustentabilidade
A riqueza da biodiversidade do RS foi destacada pelo biólogo Paulo Brack. Para ele, a sustentabilidade, inclusive a econômica, depende da biodiversidade. "Por isso é preciso definir o que devemos proteger e promover estudos de valoração ambiental", diz, ao anunciar que de 15 a 20% das espécies do mundo ocorrem no Brasil. "Essa riqueza poderia gerar em torno de R$ 4 trilhões/ano", calcula Brack, ao lamentar a biopirataria, que atinge diversas espécies, como o açaí e o palmito juçara.
Brack também sugere o incremento ao turismo rural como forma de conservar o ambiente e gerar renda aos agricultores. Ele cita, como comparação, os Estados Unidos, que gera U$ 80 bi/ano com o turismo ligado à natureza. "São oportunidades que precisamos incentivar para garantir a preservação de centenas de espécies, muitas ameaçadas".
No Rio Grande do Sul, o Bioma Pampa possui, por exemplo, 80 espécies de cactáceas, sendo que metade dessa riqueza está na lista da flora ameaçada de extinção. Há ainda 180 espécies de frutas nativas, como o araçá, "mantidas nas Reservas Legais. Como fica se for destruída a área com essa diminuição da preservação", questiona Brack.
A monocultura, incentivada com esse projeto substitutivo do Código Florestal, também é criticada por Brack. "Hoje, existem lavouras de soja do Sul à Amazônia e 1/3 das exportações estão calcadas em grãos e commodities", lamenta, ao citar, entre 2004 e 2008, o aumento de 44,6% no uso de herbicidas, para um incremento de área de produção de 4,59%. "Com a venda de transgênicos não houve diminuição do uso de agrotóxicos, até porque as chamadas ervas daninhas criaram resistência", observa Brack. Para ele, o incentivo às monoculturas provoca a perda de muitas espécies por ano. "Estimativas indicam que até 2022, cerca de 22% das espécies estarão extintas".
Brack alerta que "estamos vivendo um estado de insegurança alimentar. Além disso, o brasileiro se alimenta mal, pois não utiliza a riqueza de nossa biodiversidade". Para o professor e pesquisador, é preciso mudar nossos padrões de produção e de consumo, valorizando o que temos de natural, como por exemplo a Macaúba, que produz quatro toneladas de óleo por hectare, enquanto que a soja produz 700 quilos por hectare. "Nesse caso, a palmeira tem uma produção mais sustentável do que a soja e esses valores precisam ser revistos", defende.
O programa Mais Ambiente prevê a averbação dos imóveis rurais até 11 de junho de 2011. A partir desta data, os proprietários que não regularizaram suas reservas serão notificados e terão 180 dias para tomarem providências. Se não o fizerem, serão penalizados com multas diárias. A averbação em cartório será gratuita para pequenas propriedades. As reservas que estiverem degradadas devem ser recuperadas, até 2031 (prazo determinado pelo Código Florestal).
A polêmica em torno do substitutivo do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) ao PL 1876/99 e a outros nove projetos que tratam do tema tem se acirrado entre ambientalistas e ruralistas. O projeto aguarda votação no Plenário do Congresso Nacional e só depois será submetido ao crivo do Senado.
Ainda na terça-feira (5), em Brasília, o Grupo de Trabalho sobre o Código Florestal discutiu o prazo para sistematizar as sugestões da sociedade, mas não chegou a um consenso. De acordo com o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), o substitutivo será votado assim que forem concluídos os trabalhos da câmara de negociação. A sistematização das contribuições enviadas pela sociedade e por órgãos governamentais deve prosseguir. A nova reunião do grupo deve ocorrer na próxima terça-feira (12).
Também em Brasília, está previsto pra amanhã, quinta-feira (7), uma marcha na Esplanada dos Ministérios até o Congresso, com a participação de organizações ambientalistas, trabalhadores sem-terra e entidades de defesa da agricultura familiar. O objetivo é protestar contra o substitutivo de Aldo Rebelo e em apoio à reforma agrária.
Enquanto os defensores de um relaxamento do Código Florestal têm pressa e pedem apenas uma semana para a análise dos documentos, os que querem manter o código com o rigor atual, como defende o presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, Sarney Filho (PV-AM), querem pelo menos três semanas. Para o deputado Ivan Valente (Psol-SP), no entanto, o assunto não foi suficientemente amadurecido na atual legislatura. "Nós temos 240 deputados novos, que nunca ouviram falar nesse debate do Código Florestal. Por isso, ele precisa ser aprofundado aqui na Câmara."
Após a reunião do Grupo de Trabalho sobre o Código Florestal, a ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira admitiu a possibilidade de o Governo novamente prorrogar o prazo (até 11 de junho, segundo o Decreto 7.029/09) para que proprietários de imóveis rurais sejam obrigados a averbar a área prevista para Reserva Legal, sob pena de multa diária de até R$ 500,00 por hectare ou módulo fiscal. A prorrogação visa dar maior segurança jurídica aos agricultores.
(Por Adriane Bertoglio Rodrigues, EcoAgência de Notícias Ambientais, 06/04/2011)