O Conselho Consultivo do Parque Nacional do Iguaçu firmou, em reunião no dia 22 de março, posicionamento favorável à permissão de plantio de milho geneticamente modificado a partir de 1,2 mil metros da unidade de conservação. Isso significa que se o ICMBio acatar o posicionamento do Conselho, o plantio será permitido dentro da zona de amortecimento do parque nacional. Até agora, o cultivo de milho transgênico é proibido em todo esse entorno, que abrange 10 km ao redor da unidade.
O direcionamento do conselho foi decidido em votação, em Foz do Iguaçu, que discutiu a permissão do plantio a partir de 800 ou 1.200m do Parque Nacional. Os conselhereiros que não concordaram com o plantio tiveram apenas a opção de se abster. A Terra de Direitos esteve presente na reunião e expôs algumas implicações jurídicas e sócio-econômicas caso se permita o plantio de milho geneticamente modificado na área. Compareceram ainda entidades representativas de agricultores familiares, mas que não puderam se manifestar durante a reunião.
O convite para as entidades participarem da votação foi feito às vésperas do encontro e aconteceu em resposta a uma carta assinada por mais de 50 organizações da sociedade civil e movimentos sociais de todo o Brasil. Na carta, as entidades requerem a imediata paralisação do processo de edição de portaria pelo ICMBio que pretende permitir o plantio de milho transgênico na zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu. A manifestação foi protocolada no Instituto Chico Mendes, no Conselho do Parque Nacional do Iguaçu e nos gabinetes da presidência da república.
As discussões sobre a permissão de plantio de milho geneticamente modificado dentro da zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu estão ocorrendo há cerca de um ano no Conselho do Parque, sem que a sociedade civil tivesse conhecimento. Processo semelhante está ocorrendo diante da iminência de edição de Decreto a ser assinado pela Presidenta Dilma Rousseff, que permitirá o plantio de milho transgênico a partir de 1,2 mil metros das Unidades de Conservação Federais. Até o momento, nenhum processo de consulta pública junto aos agricultores familiares foi realizado.
Leia documento assinado por diversas organizações da sociedade civil e movimentos sociais sobre “o quadro acelerado de liberações de ogms no Brasil, o controle da cadeia agroalimentar e a sistemática violação ao princípio da precaução” protocolado no Ministério da Ciência e Tecnologia.
Leia a seguir o histórico do caso:
O Parque Nacional do Iguaçu (PNI), considerado como Patrimônio da Humanidade pela Unesco, abrange do lado brasileiro uma área de 185.262,5 hectares, com um perímetro de aproximadamente 420 quilômetros e, segundo seu plano de manejo, possui zona de amortecimento[1], ou entorno, de 10 quilômetros.
O Plano Manejo do Parna Iguaçu não prevê a permissão de plantio de organismos geneticamente modificados, o que não só proíbe esse tipo de plantio no Parque e seu entorno, como fundamenta a aplicação de multa ambiental pelo IBAMA àqueles que desrespeitam tal entendimento, de acordo com o que diz a Lei do Snuc (lei n. 9985/2000) e com diversas decisões do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Assim, além do Parna Iguaçu ser uma das mais importantes reservas naturais do mundo, ele possui especial valor, pois garante a preservação da riqueza genética e de variedades agrícolas existente nas sementes crioulas e agroecológicas cultivadas e melhoradas historicamente pelos agricultores da região em suas unidades produtivas (conservação on farm da agrobiodiversidade), já que nesta área aqueles agricultores estão seguros de contaminação por OGM´s. A zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu, e de todas as Unidades de Conservação onde não é permitido o plantio de organismos geneticamente modificados, representa para os agricultores um cordão de isolamento com a finalidade de evitar a contaminação genética e por agrotóxicos de seus agroecossistemas e sistemas produtivos.
Por esse motivo, foi protocolada carta-manifesto nos gabinetes de Rômulo Fernandes Barreto Mello, Presidente do ICMBio, no Conselho do Parna Iguaçu, no gabinete da Presidenta Dilma Rousseff e de seu Secretário Geral Gilberto de Carvalho, contra a proposta de edição da Portaria que poderá prever tal permissão.
No último dia 18 de março, as entidades e movimentos sociais que assinaram a carta receberam convite do chefe do Parna Iguaçu e, no dia 21 de março, do presidente do ICMBio, para comparecerem à reunião do Conselho Gestor do Parque Nacional no dia 22 de março em Foz do Iguaçu. Apesar do convite ter sido feito na véspera da reunião, estiveram presentes neste evento uma representante do Centro de Apoio pequeno agricultor – Capa, duas representantes da Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural – Assesoar, um integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, representante da Associação dos Produtores Rurais e Agricultura Familiar de Foz do Iguaçu – Aprofoz e uma representante da Terra de Direitos.
No decorrer da reunião, foi informado pelo Presidente do Conparni, Senhor Jorge Luiz Pegoraro, que as negociações em torno da permissão de plantio de milho transgênicos no Parna Iguaçu vem ocorrendo há aproximadamente um ano, a partir de estudos feitos pela Câmara Técnica de Transgênicos do PNI, criada para esse fim. Como resultado daqueles estudos, o Conselho do Parna Iguaçu solicitou ao ICMBio permissão para o plantio de milho transgênicos a partir de 800 metros da Unidade de Conservação. O Conselho, no entanto, manifestou-se no sentido de se respeitar a distância de 1,2 mil metros, já que a mesma estaria de acordo com decreto a ser assinado pela Presidenta Dilma Rousseff, o qual permitirá o plantio de milho transgênico a partir desta mesma distancia das Unidades de Conservação.
Neste cenário, Ana Carolina Brolo de Almeida, advogada da Terra de Direitos, expôs o conteúdo da manifestação aos conselheiros presentes reunião do Conselho Gestor do Parque Nacional, protocolou documentos e alertou para as conseqüências jurídicas de tal permissão, já que diversas Ações Judiciais questionam distâncias mínimas exigidas entre cultivos transgênicos e não transgênicos, e entre cultivos transgênicos e unidades de conservação. Além disso, caso seja editada norma que autoriza o plantio de milho transgênico no entorno do PARNA Iguaçu, haveria a violação do próprio Plano de Manejo do parque que, além de não prever tal permissão, é veemente em vários momentos ao alertar que um dos grandes impactos que aquela UC vem sofrendo diz respeito à utilização massiva de agrotóxicos no seu entorno.
No Brasil, dos 28 eventos geneticamente modificados de três espécies de plantas (algodão, milho e soja), 21 foram modificados para resistência a herbicidas. Além disso, vários são os estudos que apontam para o grande aumento na utilização de agrotóxicos nos cultivos transgênicos (Veja Nota Técnica da Seab a esse respeito), a partir do surgimento de diversas plantas resistentes à utilização de um mesmo herbicida naqueles plantios, o que ocasiona a utilização de maiores doses ou mesmo de produtos de toxicidade mais elevada (Ver documento: o quadro acelerado de liberações de ogms no brasil, o controle da cadeia agroalimentar e a sistemática violação ao princípio da precaução)
Aquele plano de manejo é explicito também ao afirmar que a agricultura orgânica, e, consequentemente, a agroecológica, que é isenta de agrotóxicos e organismos geneticamente modificados, seria o modo pelo qual se poderia compatibilizar os objetivos do Parque com as atividades do entorno. Apesar disso, as três entidades representativas de agricultores familiares que trabalham com agricultura orgânica e agroecológica não puderam se manifestar durante a reunião do Conselho Gestor do Parque Nacional.
Neste contexto, e sem considerar os documentos protocolados na reunião, o Conselho deliberou a respeito da permissão do plantio de milho geneticamente modificado. A votação se referiu à permissão daquele plantio a partir 800 ou 1,2 mil metros do PNI. Os conselheiros que fossem contra o plantio de transgênico naquele entorno não tiveram a opção de votar neste sentido, apenas de se absterem. Por fim, com 22 votos, o Conselho do Parque Nacional do Iguaçu se posicionou favoravelmente ao plantio de milho geneticamente modificado no entorno no Parna Iguaçu, a partir de 1,2 mil metros desta unidade de conservação.
Dentre as manifestações daqueles que se absteram, o representante do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) alegou ter solicitado diversas vezes a presença de um representante da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado do Paraná (SEAB). O motivo dessa solicitação era para que a SEAB expusesse os resultados do plano de monitoramento que apontou a contaminação dos plantios de milho convencional e crioulo pelos transgênicos no Paraná, mesmo quando observadas as distâncias mínimas exigidas por norma editada Comissão Técnica de Biossegurança (CTNBio), com o escopo de ajudar na tomada decisão, porém, isso nunca ocorreu.
O Conselho do Parque Nacional do Iguaçu, por se tratar de uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, é Consultivo, ou seja, seu parecer não vincula a decisão do Presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação acerca da permissão do plantio de milho transgênico naquela zona de amortecimento, mas poderá influenciá-lo na tomada de decisão.
Os agricultores familiares não puderam ser ouvidos e, tampouco, manifestarem-se durante todo este processo de discussão sobre a permissão do plantio de milho transgênicos na zona de amortecimento do Parna Iguaçu. O mesmo ocorreu na ocasião da última reunião do Conparni. Tal fato afronta o artigo 9º, 9.2, c, do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para alimentação e Agricultura (TIRFAA) do qual o Brasil é signatário, e que prevê o direito destes agricultores “de participar [em] na tomada de decisões, em nível nacional, sobre assuntos relacionados à conservação e ao uso sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura”.
Processo semelhante está ocorrendo diante da iminência de edição de Decreto a ser assinado pela Presidenta Dilma Rousseff, que permitirá o plantio de milho transgênico a partir de 1,2 mil metros das Unidades de Conservação Federais. Até o presente momento, nenhum processo de consulta pública junto aos agricultores orgânicos, agroecológicos e convencionais foi realizado.
[1] Zona de amortecimento é a área no entorno das Unidades de Conservação cuja função é amortecer possíveis impactos que atividades humanas poderiam causar àquelas Unidades, caso realizadas nas proximidades das mesmas, e devem também respeitar as regras contidas no Plano de Manejo.
(Terra de Direitos/EcoAgência, 06/04/2011)