A mesma Comissão Europeia que em 2000 se propôs transformar a UE em 2010 na primeira economia do conhecimento do mundo tirou ontem da cartola um plano para acabar com os carros poluidores nas cidades até 2050. O projeto oferece como alternativa de transporte, entre outras, a bicicleta e o antigo sistema pedestre. “Trata-se de um documento visionário”, disse Siim Kallas, o comissário de Transporte, ao apresentar seu Livro Branco para daqui a 40 anos com ideias para reduzir em 60% as emissões procedentes do transporte. Depois tornou-se realista: o documento “não tem valor legislativo”, disse. Reportagem de Ricardo Martínez de Rituerto, em El País.
O que Kallas fez foi tocar a campainha com um pacote de ideias que tentam tirar partido da realidade de que cada vez haverá menos dinheiro público para fazer coisas, e por isso o financiamento deverá proceder do bolso do cidadão, a quem o plano do comissário fará pagar pelo uso das vias urbanas. O modelo é Londres, cujo pedágio urbano se mostrou eficaz contra o uso do turismo na cidade.
O comissário define quatro objetivos para meados do século: acabar com os carros a gasolina e diesel nas cidades; elevar até 40% o uso de carburante para a aviação com baixo conteúdo de carbono; reduzir pelo menos em outros 40% as emissões dos barcos; e fazer que a metade dos passageiros e mercadorias que usam as rodovias empreguem a ferrovia e as vias navegáveis.
Como complemento, Kallas sugere que os principais aeroportos de cada país estejam unidos à rede ferroviária (idealmente de alta velocidade, que deveria ser triplicada até 2030), o mesmo que os portos marítimos, para dar rápida vazão às mercadorias.
“A opinião generalizada de que é preciso mover-se menos para combater a mudança climática é simplesmente falsa”, diz o comissário. “Podemos acabar com a dependência do petróleo no transporte sem sacrificar sua eficiência nem questionar a mobilidade.”
Segundo ele, os carros que hoje conhecemos serão empurrados paulatinamente para a lata de lixo da história por carros híbridos e elétricos, veículos com motor a hidrogênio, um transporte público mais eficiente e racional, a bicicleta e, no caso extremo, pelo simples caminhar de um lugar a outro.
“Graças a essas medidas, será possível reduzir em 60% as emissões de gases do efeito estufa do transporte na metade do século”, prevê Kallas. “É um objetivo muito realista.” O transporte é o setor mais resistente ao corte de emissões de CO2, já que obtém 96% de suas necessidades energéticas do petróleo. As emissões aumentaram. O objetivo proposto por Bruxelas de reduzir as emissões em 2050 entre 80% e 95% em relação a 1990 só poderá ser alcançado com uma mudança drástica no sistema de transporte (que melhoraria a poluição e o ruído nas cidades). A redução de emissões diminui a enorme dependência do petróleo exterior.
A Comissão calcula que serão necessários 1,5 bilhão de euros em 40 anos para implementar esses planos, dinheiro que, junto com os projetos de investimento público em infra-estrutura, deverá sair da colaboração entre o setor público e as autoridades. Em um futuro não definido, Bruxelas apresentará a norma para pedágio para ônibus de turismo, semelhante à que vigora para caminhões, com o fim de tornar realidade o princípio “quem polui paga”.
Embora o plano não tenha caráter compulsório, define a tendência para a indústria. Daí a irritação com que o documento foi recebido pela Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA na sigla em inglês), que considerou “infeliz” a “virada de 180 graus” proposta pela Comissão. A ACEA critica o objetivo de que, até 2030, 30% do transporte de mercadorias de mais de 300 quilômetros seja realizado por trem ou barco. A patronal insiste que o transporte rodoviário é a solução mais flexível e que Bruxelas não deve escolher entre uma e outra tecnologia.
A Agência Internacional de Energia já pediu “uma revolução no transporte”, que foi aplaudida por ecologistas e alguns sindicatos. O sindicato Comissões Operárias (CCOO) apresentou ontem um estudo segundo o qual o número de empregos em mobilidade sustentável poderia quase duplicar até 2020 e alcançar 443.870 postos de trabalho.
Menos petróleo
- Em 2010 a UE importou petróleo no valor de 210 bilhões de euros. A Espanha destinou 25,5 bilhões à compra de cru e derivados. O transporte cobre 96% de suas necessidades de energia com combustível fóssil.
- A Comissão Europeia planeja reduzir a dependência e as emissões de CO2 do transporte em 60% até 2050. Para isso, propõe que em 2050 não haja veículos de combustão nas cidades; apenas híbridos, híbridos recarregáveis, elétricos e de hidrogênio.
- Uma proposta é conseguir que 40% do combustível dos aviões seja de baixas emissões (biocarburantes, procedentes de algas…).
- Em 2030, 30% do transporte rodoviário deverão passar para as ferrovias. Em 2050 as viagens por estradas de mais de 300 quilômetros deverão ser a exceção.
(El País, UOL Notícias, EcoDebate, 01/04/2011)