Um acordo que começou a ser articulado nessa quarta-feira (30) pelo Ministério Público Estadual (MPE) pode ter evitado uma tragédia no município de Aracruz (norte do Estado). O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pela Promotoria prevê, entre outras determinações, que a prefeitura informe ao MPE, no prazo de 30 dias, zonas especiais de interesse social vazias, que comportem as famílias que ocupam a comunidade da Portelinha.
No último dia 25, o Batalhão de Missões Especiais (BME) da PM estava de prontidão aguardando apenas uma ordem do prefeito interino, Jones Cavalieri (PSB), para retirar à força as mais de 300 famílias que ocupam o local. O secretário de Governo de Renato Casagrande, Robson Leite, que chegou a “negociar” com os representantes do movimento de ocupação, foi enfático: “(...) o diálogo com os invasores foi encerrado. (...) os oficiais de Justiça darão um prazo máximo de duas horas para a retirada dos bens e, em seguida, os caminhões da prefeitura farão o transporte e os policiais militares do Batalhão de Missões Especiais irão retirar das casas quem oferecer resistência, para que os tratores do município coloquem abaixo todas as casas construídas”, declarou o secretário ao jornal Folha do Litoral, na véspera da data marcada para a desocupação.
Robson Leite, que é ex-executivo da ex-Aracruz Celulose (Fibria), demonstrou que não tem sensibilidade e tolerância para negociar com as lideranças comunitárias. “Se não houver repressão, haverá um incentivo às invasões de áreas públicas e até particulares”, acrescentou Leite, não negando suas origens em salvaguardar, principalmente, os interesses “particulares”, como já fez tantas outras vezes na hora de defender os domínios da transnacional contra as comunidades quilombolas que foram dizimadas pela empresa no norte do Estado.
O discurso truculento do secretário vai de encontro ao do governador Renato Casagrande, que prometeu governar para os mais pobres. Robson Leite, no entanto, ignorando as orientações do governador, jogou a pedra no seu próprio telhado, ao soltar a pérola: “(...) Os demais encontraram apoio em lideranças políticas do caos, sem bom senso, porque permitir invasão desorganiza o uso do solo”, teve a coragem de dizer o ex-representante da empresa que está desertificando, praticamente, todo o norte do Estado com as perniciosas plantações de eucaliptos.
As declarações do secretário, que foi enviado a Aracruz pelo governo para tentar articular uma saída negociada para o problema, revoltou as lideranças do movimento de ocupação. Herval Nogueira, que é morador de Barro do Riacho – uma das áreas ocupadas -, se disse indignado com a posição de Robson Leite, que se recusou a ouvir as reivindicações das famílias. Ele disse que as cerca de 900 famílias, que há quase um ano ocupam as comunidades da Portelinha, Barra do Riacho e Vila do Riacho, sempre tiveram dificuldades para negociar com o poder público local, mas tinham um fio de esperança que o governo estadual encontrasse uma solução pacífica e ponderada para o impasse.
Herval afirma que a prefeitura chegou a fazer um acordo com as famílias, em outubro de 2010, prometendo que abriria uma licitação para a construção de um conjunto habitacional que abrigaria as famílias. “Essa promessa nunca avançou. Desacreditados, decidimos começar a construir as casas de alvenaria para assegurar a ocupação, pois, até então, estávamos abrigados em barracas improvisadas”.
Com o acirramento das negociações e com o pedido de reintegração de posse por parte da prefeitura, concedido pela Justiça, em outubro do ano passado, as famílias, em esquema de mutirão, construíram em pouco mais de quatro meses mais de 300 casas. “Tudo que foi construído aqui foi com o nosso dinheiro. Não recebemos um centavo do poder público. Temos aqui crianças, idosos, mulheres grávidas e deficientes. Não dá para eles chegarem de supetão e jogar todo mundo na sarjeta, como se fôssemos animais”, protesta Herval.
Com a entrada de Robson Leite nas negociações, Herval disse que as mais de quatro mil pessoas que ocupam hoje as três áreas ficaram ainda mais apreensivas. “Chegamos a procurar o governador Renato Casagrande para expor o nosso problema. Ele nos garantiu que encontraria uma solução negociada para o caso”, recorda.
Segundo Herval, a prefeitura quer retomar a áreas justamente para construir moradias populares. “Queremos que eles revoguem a reintegração de posse. Só queremos que a prefeitura regularize a nossa situação. Basta agora que eles regularizem a água, a luz e o sistema de esgoto das áreas ocupadas. Essa seria a solução mais sensata neste momento”, ponderou Herval.
TAC
A reunião que aconteceu nessa quarta-feira (30), na Promotoria de Aracruz, foi provocada pelas famílias que ocupam as áreas contestadas na Justiça. No último dia 22, três dias antes da data marcada para a reintegração de posse, que poderia ter sido sangrenta, o movimento fez uma passeata pacífica pelo município, que acabou na porta do Ministério Público em Aracruz. Após os líderes do movimento serem recebidos pelo promotor, ficou acordado que a Promotoria tentaria articular o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para encontrar uma solução para o impasse.
No encontro, que contou com as presenças da promotora de Justiça de Vitória, Nicia Regina Sampaio, secretários municipais da prefeitura de Aracruz, representantes da Polícia Militar e de líderes das comunidades, ficou acordado, entre outras determinações, que o município deverá informar ao MPE, no prazo de 30 dias, uma das zonas especiais de interesse social vazias e que comporte a comunidade da Portelinha.
O TAC também prevê que a prefeitura arque com aluguel social para as famílias cadastradas e que se enquadrem nos requisitos da lei municipal até o limite de seis meses, a começar do mês de janeiro de 2012. Propõe ainda que o poder público municipal apresente um projeto urbanístico do loteamento, com o cronograma financeiro das obras de infraestrutura que não excedam quatro anos, em um prazo de 90 dias.
Além disso, o TAC determina que o Executivo municipal encaminhe um projeto de lei à Câmara em regime de urgência, que abranja os beneficiários da comunidade no projeto de aluguel social em um prazo de 15 dias. Estabelece, ainda, que os beneficiários da Portelinha sejam favorecidos com título de legitimação de posse com prazo mínimo de 10 anos, ficando proibidos de alienar, sob pena de reversão do lote ao poder público, após o que adquirirão os títulos dominiais das respectivas áreas. A Promotoria arbitrou multa de R$ 5 mil para o município e Câmara de Aracruz, caso o TAC não seja cumprido.
O TAC, para passar a ter validade, ainda precisa ser submetido à apreciação do prefeito interino Jones Cavalieri.
As negociações para regularizar as comunidades de Barra do Riacho e Vila do Riacho ainda não foram iniciadas. O TAC beneficia exclusivamente a comunidade da Portelinha.
(Século Diário, 01/04/2011)