A agricultura responde por 19% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, bem atrás do desmatamento, que contribui com 61% do total, de acordo com um inventário divulgado no ano passado pelo governo federal. Ainda que colabore de maneira menos decisiva, o setor de produção agrícola tem se mobilizado para reduzir sua participação no aquecimento global – e a cadeia produtiva de café lançou-se à frente nessa tentativa.
A iniciativa partiu do grupo italiano Illycaffè, que promoveu uma pesquisa para identificar o nível de emissões de gases de efeito estufa provenientes da cafeicultura. “Prezamos os padrões de boas práticas agrícolas, não só com a melhoria da qualidade do café na xícara, mas também com a diminuição dos impactos ambientais da atividade”, diz Andrea Illy, presidente da companhia.
O estudo foi desenvolvido sob o comando de Carlos Clemente Cerri, professor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena/USP), em parceria com a consultoria Delta CO2. “Essa é uma informação que será exigida pelo mercado consumidor internacional, e estamos nos antecipando a isso”, afirma Cerri.
Para o cálculo, que teve 2009/2010 como safra base, foram reunidos dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), do GHG Protocol (ferramenta usada mundialmente para quantificar e gerenciar os gases de efeito estufa) e do próprio inventário brasileiro de emissões. A pesquisa foi centrada em Minas Gerais, estado responsável por dois terços da produção de café do país, com cerca de 23,7 milhões de sacas na última temporada. As análises se distribuíram por três regiões: o sul de Minas, o Cerrado e a Zona da Mata.
“Descobrimos que o uso de adubação nitrogenada tem enorme impacto sobre as emissões da cafeicultura”, conta Cerri. O motivo é que esse tipo de fertilização libera óxido nitroso (N2O), um dos gases que mais contribuem para agravar o efeito estufa. Na Zona da Mata, 78% do total de emissões verificadas na produção de café são provenientes do uso de adubos que contêm nitrogênio, a exemplo de ureia e sulfato de amônio. No Cerrado, o número chega a 75%. Apenas no sul mineiro o peso dos fertilizantes nitrogenados é menor: cerca de 50%, pois na região há maior uso de adubação organomineral. O uso de calcário, combustíveis fósseis e eletricidade também colabora para as emissões, mas em escala reduzida.
O resultado é que são lançadas na atmosfera 4,95 toneladas equivalentes de gás carbônico (CO2) por hectare nas plantações de café do Cerrado. Outras 2,83 toneladas vêm da Zona da Mata e 2,03 toneladas do sul de Minas. “Sabemos que a cafeicultura não é uma grande emissora de gases causadores do efeito estufa da agricultura. Outros grãos emitem de três a quatro vezes mais que o setor. Porém, temos condições de minimizar ainda mais esses impactos no clima”, explica o professor.
Entre as ações que podem reduzir a contribuição da produção de café no aquecimento global está a ampliação do uso de fertilizantes com inibidores de urease (enzima responsável pela decomposição da ureia em amônia), de nitrificação (processo de formação de nitrito no solo pela ação conjunta de bactérias) e de desnitrificação (transformação de substâncias em gás nitrogênio, também por bactérias). “Além disso, há o desafio de se chegar a fontes, doses e modos de aplicação mais eficientes na adubação”, diz Cerri.
A pesquisa ainda é preliminar, e novos componentes devem ser considerados para o cálculo final do índice de emissões na cafeicultura. “Temos de incluir o carbono do solo e da biomassa para contabilizar não só quanto é emitido, mas o total fixado”, afirma o pesquisador. Devem ser levados em conta também o processamento e o transporte, a fim de completar a avaliação da cadeia produtiva.
Segundo Cerri, é o início de um longo processo de atenção ao rendimento da lavoura, mas com sustentabilidade – e o futuro pode até trazer a oportunidade de se obter um “café carbono zero”. “O uso de fertilizantes organominerais é uma saída interessante, por implicar um custo de produção mais baixo e gerar emissões menores”, diz. Ampliar o sombreamento também pode ajudar a imobilizar o CO2 da atmosfera dentro do cafezal. “O caminho é justamente esse: reduzir as emissões e ampliar a fixação de carbono”, afirma.
(Revista Globo Rural, 31/03/2011)