Nada do que o ser humano constrói é totalmente seguro. Seres humanos falham. Peças, equipamentos e construções podem apresentar defeitos. Como aceitar, então, a não ser com espanto e hipocrisia, a declaração de técnicos e autoridades que insistem em afirmar que a tecnologia nuclear é totalmente segura? Ainda mais em um negócio em que determinadas “flexibilizações” podem aumentar ou diminuir lucros bilionários?
A reportagem é de Foi assim no caso do desastre nuclear de Fukushima, no Japão. Sabemos agora que, além do terremoto e do tsunami, houve negligência na inspeção dos reatores e equipamentos vitais. O lucro se sobrepõe à segurança. Não raro, a ciência e a tecnologia se colocam a serviço da ganância.
Afastados, momentaneamente, os maiores temores de uma guerra atômica, embora milhares de ogivas continuem apontadas para as nossas cabeças, eis que os cidadãos descobrem que o uso pacífico da tecnologia nuclear para a produção de energia não é uma ameaça menos assustadora. Há 443 reatores em operação no mundo, outros 194 em construção e mais 127 em projetos. Muitos deles em áreas densamente povoadas e sujeitas a terremotos de grandes proporções. E nenhuma população até hoje foi suficientemente esclarecida sobre os imensos riscos em casos de acidentes graves. Prefere-se falar em “segurança” a falar em “consequências”.
Desde Chernobyl, em 1986, na Ucrânia, sabemos o quanto a opção por essa tecnologia é perigosa. Um risco que só se justifica pelo lucro, pois outras alternativas, embora mais caras, não se transformam em ameaças tão graves. Mas, afinal, quanto vale a vida humana?
Um desastre atômico pode condenar sucessivas gerações, além de inutilizar, por centenas de anos, imensas áreas. Em Three Mile Island, em 1979, nos Estados Unidos, não houve nenhum terremoto e, mesmo assim, o acidente foi muito grave e esteve próximo de consequências trágicas.
Mesmo que adiemos o próximo desastre, o lixo atômico continua a ser um problema insolúvel, apenas postergado, guardado em áreas supostamente seguras, empurrado para “debaixo do tapete”. Uma bomba-relógio também prestes a explodir. Resíduos atômicos gerados pelos reatores demoram 24 mil anos para ter sua radioatividade reduzida pela metade. Podem emitir radiação por 100 mil anos. E, todo dia, 300 mil quilos de rejeito radioativo são acumulados no planeta.
Rejeitos são guardados dentro de blocos de concreto, no fundo de piscinas, no oceano ou enterrados em áreas sob permanente vigilância. Um problema para centenas, milhares de anos. Mais que uma opção tecnológica, uma opção econômica. Insana e antidemocrática, pois a sociedade não é devidamente esclarecida sobre os verdadeiros riscos e as alternativas possíveis. Tudo em nome do lucro.
O pesadelo de Fukushima ainda está longe do desfecho. Se o pior dos cenários vier a ocorrer, nem mesmo a população de Tóquio, a 200 quilômetros de distância, estará livre da radiação em níveis perigosos. Água e alimentos já foram contaminados. Há 55 reatores nucleares no pequeno arquipélago japonês. Se uma única usina já ameaça a permanência de seres humanos numa imensa área, que desfecho teríamos num acidente simultâneo em várias usinas? Mas os técnicos e as autoridades preferem repetir: “totalmente segura, totalmente segura...”. Como se dizia em Chernobyl (Rússia), em Three Mile Island (EUA), em Tokaimura e em Mihama (Japão), em Sellafield (Reino Unido) e em Forsmark (Suécia), onde ocorreram acidentes nada desprezíveis.
No Brasil, a opção de instalar as usinas em Angra dos Reis é uma temeridade, pois estão a menos de 200 quilômetros do Rio de Janeiro e a menos de 250 quilômetros de São Paulo, duas megalópoles que poderiam ficar seriamente ameaçadas. Num país com tantas opções de geração de energia, é ainda mais inaceitável.
O Brasil tem potencial para instalar, somente em terra (e há, ainda, uma enorme opção no mar), 143 mil megawatts de energia eólica, igual a 10 vezes a potência de Itaipu. E dispomos de muitas outras fontes renováveis, como a solar térmica, fotovoltaica, marés, ondas, biomassa, pequenas quedas d’água. Podem ser mais caras, podem exigir maiores investimentos tecnológicos, mas são muito mais seguras. Não condenam gerações a doenças nem inutilizam territórios por centenas de anos, em caso de acidentes graves.
E, por fim, vale uma indagação: produzir cada vez mais energia para quê? Para quem? A que custo ambiental num planeta cada vez mais exaurido? Não está mais do que na hora de repensar todo o modelo de civilização altamente predatório dos últimos 100 anos? Diminuir o consumo? Produzir menos supérfluos? Optar por tecnologias mais limpas e seguras? Civilizações inteiras viveram, até poucas gerações atrás, com muito pouco. A atual orgia de consumo é uma loucura que só se sustenta na desinformação, capaz de dar aos cidadãos uma falsa sensação de segurança, mesmo quando se está muito próximo de tragédias ambientais que podem condenar muitas gerações a viverem num planeta com recursos escassos de água e comida, como já preveem cientistas.
Adicionar a esse coquetel de problemas os efeitos dos desastres radioativos, é imaginar o pior dos mundos. Que pode se tornar realidade.
(IHU-UNisinos, Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação, 31/03/2011)