O ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, vai trocar a direção da Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear), órgão do ministério que executa o programa nuclear brasileiro.
A dúvida no momento é quem substituirá o atual presidente da comissão, Odair Dias Gonçalves, que ocupa o cargo desde o início do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
O presidente da Cnen afirmou ontem, em nota, que já havia solicitado sua saída e que Mercadante pediu-lhe que ficasse, "em função do acidente do Japão e do trabalho desempenhado". "Eu continuo presidente até que o ministro solicite a minha saída", disse Gonçalves ao site.
A nota "nega peremptoriamente" informações publicadas no fim de semana pela revista "IstoÉ", que atribui possíveis mudanças na cúpula da Cnen a atrasos no licenciamento definitivo da mina de urânio de Caetité (BA) e da usina nuclear de Angra 2.
Uma fonte do ministério afirmou que, desde que assumiu, o ministro vem pensando em substituir Gonçalves. Ele não tem sido nem mesmo convidado a participar das reuniões semanais da cúpula do MCT.
DISPUTA INTERNA
Por trás da polêmica está uma guerra aberta entre Gonçalves e dirigentes da Associação de Servidores e da Afen (Associação de Fiscais de Radioproteção e Segurança Nuclear).
Um dos ingredientes da disputa foi a distribuição de um e-mail apócrifo no qual Gonçalves é acusado de irregularidades administrativas, entre as quais levar uma diretora e suposta namorada em viagens ao exterior. Ele teve que depor à Ouvidoria do órgão sobre a acusação, que o denuncia como "sexista".
Paulo Alberto Lima da Cruz, do Associação de Servidores, diz que o grupo pediu a Mercadante a substituição de Gonçalves depois que seu relatório de atividades de 2010 atribuiu problemas na Cnen à idade média dos servidores --50% têm mais de 50 anos. "Foi um ataque ao corpo técnico-administrativo. Ele nos chamou de velhos."
Cruz afirma que não produziu dossiês contra Gonçalves ou promoveu, na internet, o abaixo-assinado que pede sua saída.
Ele apoia a volta à direção da Cnen de José Mauro Esteves dos Santos, que presidiu o órgão no governo FHC e depois integrou a diretoria da Abacc (Agência Brasileiro-Argentina de Controle e Contabilidade de Materiais Nucleares). "Queremos um profissional reconhecido."
No páreo estão, ainda, o diretor do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), Ricardo Galvão, e o pesquisador da USP Ângelo Padilha.
PROPOSTAS
Embora as duas associações peçam a saída Gonçalves, elas não concordam sobre uma das principais propostas para a reestruturação do setor --a criação de uma agência independente de fiscalização de atividade nuclear.
A Cnen acumula pesquisa e produção com a emissão de licenças para todas as atividades nucleares. O órgão tem 99,9% das ações da INB (Indústrias Nucleares do Brasil), que fabrica combustível atômico em Resende (RJ), e Gonçalves é presidente do Conselho de Administração da estatal.
A associação de servidores é contra a separação de funções, enquanto a de fiscais é a favor. Uma das reivindicações dos fiscais é ter seu salário equiparado ao de auditores de outras instituições federais, como a Receita.
"Odair conseguiu algo inédito: colocar todos os funcionários contra ele. Para nós, houve um enfraquecimento da área de radioproteção e segurança dentro da empresa", afirma Rogério Gomes, presidente da Associação de Fiscais.
No ano passado, a INB foi obrigada a importar urânio devido ao atraso no licenciamento de Caetité. Em 2009, o país produziu 406 toneladas; em 2010, 174. Segundo um executivo do setor ouvido pelo site, a saída de Gonçalves já era esperada por conta da insatisfação com a sua postura gerencial.
A disputa pública provoca desconforto em parte dos funcionários da Cnen. Um pesquisador ouvido pelo site considera-a desnecessária, já que a saída de Gonçalves era dada como certa desde a troca de governo. Para ele, é infeliz que a polêmica ocorra quando há questionamento das atividades nucleares, devido ao desastre no Japão.
(Jornal Floripa, 30/03/2011)