A mídia brasileira parece não estar muito preocupada com a gravidade dos vazamentos radioativos da usina de Fukushima. Na capa dos três jornalões de domingo (27/3), não havia uma única menção a uma situação que a cada dia se torna mais preocupante.
Como resultado desta desatenção, nos portais de notícias da internet na noite de domingo não se deu a devida atenção à informação de que a radiação da água em dois reatores do complexo nuclear havia alcançado níveis letais.
Tudo indica que os redatores de plantão – geralmente recrutados entre os mais jovens – não conseguem entender a terminologia nem avaliar as informações que manuseiam. Por outro lado, devem ter recebido instruções para valorizar os triunfos militares dos rebeldes líbios.
O público gosta mais de guerras do que de catástrofes, avaliam os porteiros das redações. E catástrofes nucleares só acontecem nas superproduções de Hollywood.
"Evento máximo"
Infelizmente, as informações que chegam do Japão, mesmo filtradas pelas autoridades locais para evitar o pânico, sugerem um cenário extremamente perigoso. O terremoto de domingo à noite – seis graus na escala Richter –, assim como o mega sismo do dia 11 de março e o catastrófico tsunami que provocou, são circunscritos ao Japão. Ao contrário da contaminação radioativa do mar ou do ar, que pode chegar aos quatro cantos do globo. Leva tempo, mas chega.
Talvez por isso, para não apavorar o mundo inteiro, a mídia internacional – e a brasileira em especial – esteja procurando disfarçar com incompreensíveis explicações técnicas um quadro aterrorizante.
Raros são os países do mundo que hoje não dispõem de centrais nucleares. Em outras palavras, o que aconteceu no Japão pode repetir-se em qualquer país onde ocorra um "evento máximo" – terremoto, dilúvio ou deslizamento de encostas.
Convém ficar de olho no noticiário sobre o pesadelo nuclear japonês. Em algum momento este pesadelo pode nos tirar o sono.
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Pode levar anos para Japão controlar reator
[Reproduzido do Valor Econômico, 28/3/2011]
Após relatos controversos sobre o nível de radiação na água do mar em torno da usina de Fukushima, as autoridades japonesas informaram uma elevação de ao menos 100 mil vezes no reator 2 e 1.850 vezes nas águas. A constatação levou o governo a interromper as operações de reparo no local, afetado pelo terremoto seguido de tsunami. A direção da empresa que opera a usina disse que a crise nuclear pode levar "anos".
De acordo com especialistas, mesmo antes de a Tokyo Eletric Power Company (Tepco), empresa que opera a usina, averiguar o controverso dado do aumento de 10 milhões de vezes, agora refutado, os números confirmados no fim de semana já são alarmantes.
"É muito preocupante. Há algo seriamente errado [com o reator 2]", disse Rianne Teule, uma especialista em energia nuclear do grupo ambientalista Greenpeace.
Os dados do fim de semana, que elevaram ainda o número de mortos para ao menos 10.668, assim como a aparição de um resignado e pessimista premiê frente à população, levaram a Tepco a assumir que há incertezas na operação.
"Infelizmente nós não temos um cronograma concreto no momento que nos permita dizer em quantos meses ou anos [a crise chegará ao fim]", disse o vice-presidente da empresa, Sakae Muto.
(Por Alberto Dines, Observatório de Imprensa, 28/3/2011)