Enquanto no Japão bombeiros-camicases lutam contra quatro reatores nucleares fora de controle, na Alemanha o tsunami atômico de Fukushima já causou estragos. Depois de perder eleitores no pleito da Saxônia-Anhalt, a coalizão do governo federal, encabeçada por Angela Merkel, perdeu agora o mandato em um dos seus redutos políticos mais tradicionais.
O palácio do governo em Stuttgart, capital do estado de Baden-Württemberg e berço do CDU (democrata-cristão), partido da primeira ministra, terá pela primeira vez na sua história um mandatário verde. Chama Winfried Kretschmann, tem 62 anos e já é visto como o primeiro sinal de uma revolução política no país. É a primeira vez também, desde a refundação da república alemã, há 58 anos, que os Democratas-Cristãos ficam de fora do governo estadual.
O desempenho do partido Liberal (FDP) do vice-chanceler, Guido Westerwelle, foi ainda pior. Além de grande queda no percentual de votos, o FDP não conseguiu eleger nenhum parlamentar para o legislativo estadual na Renânia-Palatinado, outro estado onde ocorreram eleições no último fim de semana. “A mensagem já foi recebida em Berlim”, garantiu Westerwelle, que até então era um dos principais defensores da indústria nuclear dentro do governo.
Ao que tudo indica, o tema nuclear foi um dos grandes catalisadores da surpresa. “O acidente atômico se sobrepôs a tudo”, declarou o secretário-geral do CDU, Hermann Gröhe. O desempenho do Partido Verde nos dois pleitos confirma a tese. Foram 12% e 10% de crescimento em cada estado, respectivamente. Vale lembrar que o Bündnis 90/Die Grünen (nome em alemão) é o único partido que invariavelmente sempre se opôs à energia atômica.
Mudança à vista
A derrota nas eleições em três estados nas últimas semanas deve realmente mudar o curso da política energética alemã. Logo após a primeira explosão na usina japonesa, Angela Merkel anunciou uma moratória da prorrogação do funcionamento de usinas atômicas no país, aprovada em Outubro do ano passado. Oito delas já foram desligadas do sistema elétrico para uma avaliação das condições de segurança.
Merkel, que é doutora em física e foi ministra do meio ambiente no governo de Helmut Kohl, soube reconhecer a gravidade do acidente no Japão desde o início. Optou pela moratória por falta de outra opção. Mas mesmo que consiga manobrar para evitar o desligamento definitivo de algumas usinas, terá que sacrificar o resto de seu apoio eleitoral para manter o acordo com a indústria nuclear.
É provável que acabe cedendo à pressão popular, como já fazem alguns membros do seu governo. Entre eles, o ministro do meio ambiente, Norbert Röttgen, antes apegado aos "argumentos de viabilidade econômica" da indústria nuclear, e agora defendendo "o desligamento das usinas o mais rápido possível".
Eleições e protestos
Até o final do ano outros três estados do país terão eleições, incluindo a capital federal. No último Sábado (26/03), mais de 100 mil pessoas se reuniram no Tiergarten, o maior parque da cidade e que fica ao lado do parlamento, num protesto contra as usinas atômicas. "O plano de desligamento das usinas foi uma decisão correta. Foi um erro do governo federal ter abandonado esse caminho", discursou o presidente da Federação dos Sindicatos da Alemanha, Michael Sommer, sendo ovacionado pela multidão.
Renate Kunast, pré-candidata dos verdes em Berlim, também participou da manifestação, distribuindo cartazes e panfletos com propaganda anti-atômica. Coisa que políticos de outros partidos devem imitar. “É um sinal claro contra a energia nuclear”, acredita o atual prefeito, Klaus Wowereit (Social democrata), relacionando o resultado das eleições com os crescentes protestos.
Por Mariano Senna, Ambiente JÁ, 28/03/2011