Atrasos podem comprometer empreendimento que projeta estar com 70% das obras concluídas até 2014. Pode estar bem próxima a solução para o impasse em torno da liberação da área do Cais Mauá para a tão esperada revitalização. O chefe da Casa Civil do governo estadual, Carlos Pestana, recebeu na sexta-feira passada três propostas da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) para destravar a pendência judicial e liberar o empreendimento, com investimento estimado em R$ 460 milhões pelo consórcio vencedor Porto Cais Mauá Brasil SA.
Pestana não quer revelar as possibilidades, mas promete definir a melhor escolha em dez dias e adianta que esta semana ainda o governador se reunirá com os empreendedores para repassar pessoalmente o andamento da negociação e conhecer o projeto. Às empresas, Tarso deve transmitir a certeza de um desfecho breve. "Ainda não vimos o projeto do complexo. Estou muito entusiasmado com as alternativas, que são factíveis. Em 15 a 20 dias, devemos ter a solução", afirma Pestana, que se encontrou com o diretor-geral da agência, Fernando Antonio Brito Fialho, em Brasília, na sexta-feira. O chefe da Casa Civil só se manifestará após ter a apreciação das propostas pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
A demora na solução preocupa a operação do futuro do empreendimento. Fontes próximas ao consórcio indicam que empresas interessadas em se instalar no complexo, que terá shopping center, torres comerciais, centro de eventos, estacionamento e área de lazer e serviços, e que já assinaram acordos comerciais, podem recuar diante do atraso. "Os investimentos têm um prazo de acordo com a oportunidade de mercado", justifica a fonte. Uma das operações que esperam o fim do impasse é a Livraria Cultura, que já firmou termo de interesse.
"Os empreendedores aguardam pacientemente a solução. Vamos assinar os acordos com os interessados somente após o desfecho", disse o coordenador das obras de infraestrutura, Mario Freitas, que é executivo da Contern, integrante do consórcio. Freitas lembra que a intenção é aprontar 70% do complexo para a Copa do Mundo de 2014, que terá uma das subsedes em Porto Alegre. A formalização do resultado da licitação para o arrendamento do trecho do porto, que não recebe e nem embarca cargas desde 2006, ocorreu na véspera do Natal, em dezembro passado, nos últimos dias do governo de Yeda Crusius (PSDB). Como a Antaq havia ingressado no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro José Antonio Dias Toffoli determinou que uma câmara de conciliação fosse instaurada para esgotar as chances de acordo, antes de a ação enveredar pelo julgamento da corte, que levaria muito tempo.
Duas questões geraram o impasse para a autorização do repasse do cais: a receita do arrendamento por 25 anos, que pode ser prorrogado pelo mesmo período - de R$ 2,5 milhões anuais-, entrará no caixa único do Estado, e o trecho abrangido pela revitalização, que vai até a estação rodoviária, foi escriturado como propriedade estadual. A Antaq e o Conselho de Autoridade Portuária (CAP) do porto da Capital consideraram que os dois atos afrontam legislação federal.
O presidente do Sindicato dos Portuários da Capital, Eduardo Reck, que denunciou ao CAP a averbação dos terrenos em nome do Estado, defende que deve haver novo edital para regularizar a situação. O chefe da Casa Civil admite que a escritura poderá ser revista. "A receita deve ser aplicada no porto, que é cada vez mais deficitário e tem grande potencial de operação", indica Reck, sobre o trecho que ainda é operacional. Pestana confirma que as alternativas indicadas pela agência abrangem os dois quesitos e que possivelmente não será preciso alterar a licitação. Após o acordo entre governo e agência reguladora, será preciso acertar formalidades, o que deve adiar por mais um mês a liberação para as obras.
Os empreendedores acompanham tudo com o freio de mão puxado. Equipe que havia sido montada para elaborar os projetos executivos e buscar as licenças ambientais foram desfeitas. "Desejamos começar as obras neste ano. Esperamos muito boa vontade da área de licenças ambientais do Estado para agilizar as autorizações", aposta Freitas. A demora da área ambiental tem sido alvo de queixas de investidores em diversos ramos. Mas tudo indica que mesmo havendo a liberação da implantação do complexo até junho são poucas as chances de começo das instalações.
Arquiteto espanhol e setor imobiliário apostam em novo Centro da Capital
O arquiteto espanhol Fermín Vázquez parece mais entusiasmado que um porto-alegrense nativo quando se trata de revitalização do Cais Mauá. Vázquez, que esteve recentemente em Porto Alegre como atração da aula inaugural do curso de Arquitetura da Uniritter, mostrou a trilha das soluções desenvolvidas pelo seu escritório b720, com sede em Madri, para a região porto-alegrense. O espanhol foi convidado pelo consórcio vencedor da licitação para executar a obra, ao lado do urbanista e ex-prefeito de Curitiba Jaime Lerner.
"A cidade será provocada a mudar", previne o arquiteto, que tem no currículo revitalizações como a do Porto de Barcelona. Segundo Vázquez, a trajetória do porto da Capital Gaúcha segue o de outras grandes cidades, como a cidade espanhola e Buenos Aires (Argentina), com seu Porto Madero. A degradação também registrada nestas localidades, que já passaram por mudanças e nova valorização, revela, segundo o espanhol, a perda de espaço da atividade econômica. "Eram regiões de trabalho insalubre e pesado e que acabaram abandonadas. As cidades viraram as costas para o mar ou rio", cita. Vázquez se adianta e adverte que a redescoberta pela cidade leva tempo. Por isso, suspeita, Porto Alegre está demorando tanto para concretizar o sonho da reconversão da região.
À plateia atenta da Uniritter, Vázquez destacou que sua equipe seguiu uma trilha de simulações até encontrar a melhor solução que explorasse, por exemplo, a geometria e sinuosidade dos armazéns, além do arranjo com o Centro e o limite da Usina do Gasômetro. O muro da Mauá, que foi mantido em votações da população, ganhará uma cascata de água. Ele está lá, mas com outra presença, provoca Vázquez.
Valorização da área já chega a 20%
Assim como o arquiteto espanhol quer logo tirar da prancheta seu desenho, os setores imobiliário e da construção esperam o fim da novela. Gilberto Cabeda, vice-presidente de comercialização do Secovi-RS, cita que já ocorre maior valorização dos imóveis na região, entre 15% e 20%, desde que começaram as ações de modernização, como as reformas de áreas históricas e do entorno do Mercado Público. Mas Cabeda ressalta que, sem o Cais concretizado, o resultado é muito acanhado. Na área comercial, o dirigente cita que não há oferta de imóveis.
"O pessoal está olhando mais. Mas atitude mesmo só depois que as obras começarem. Afinal, houve tantas ameaças de que a revitalização sairia mas que não deram em nada, que muitos não acreditam." Cabeda espera que o empreendimento impulsione também novas construções nas proximidades do Gasômetro.
(Por Patrícia Comunello, JC-RS, 28/03/2011)