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amianto ministério do trabalho direitos humanos
2011-03-28 | Rodrigo

Semana passada, aconteceu nas Astúrias, Espanha, a Conferência Internacional da OMS [Organização Mundial de Saúde] sobre Determinantes do Câncer Ambiental e Ocupacional – Intervenções para Prevenção Primária.

O consultor ambiental Barry Castleman, dos Estados Unidos, foi um dos conferencistas convidados. Testemunha-expert nas cortes americanas e consultor dos principais organismos internacionais de saúde, trabalho e meio ambiente em questões referentes ao amianto, ele recebeu à última hora telefonema dos organizadores, solicitando para que, na palestra, descrevesse as pressões da indústria do amianto sobre os profissionais de saúde pública.

“Relatei a situação de Fernanda Giannasi”, observa Castleman. “Não conheço outro país no mundo dito ‘civilizado’ onde os ativistas contra o amianto e profissionais de saúde pública tenham sido processados ou ameaçados de processo criminal, como está acontecendo com essa engenheira de segurança do trabalho.”

“O indiciamento dela pelo FBI brasileiro [Polícia Federal] me parece absurdo”, diz Castleman. “Pelo que sei a Justiça a tem apoiado na interdição de exportação de cargas de amianto a partir do porto de Santos, já que o amianto é proibido no estado de São Paulo. Como pode a Polícia Federal da região portuária tentar incriminar a Fernanda por abuso de poder, se ela estava simplesmente fazendo o seu trabalho de fiscalização e seguindo a legislação em vigor?”

Castleman refere-se à engenheira de segurança no trabalho Fernanda Giannasi, auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e coordenadora da Rede Virtual pelo Banimento do Amianto na América Latina.

O amianto é proibido em São Paulo, desde 4 junho de 2008, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) validou a lei paulista 12.684, que veda o uso do mineral em todo o estado. Foi por 7 votos a 3.

O ministro Carlos Ayres Britto foi um dos que votaram a favor: “A lei estadual se contrapõe por modo tão frontal à lei federal que simplesmente proíbe a comercialização, a produção, o transporte de todo e qualquer tipo de amianto no Estado de São Paulo”.

“Pela primeira vez o STF eliminou as questões preliminares e foi ao cerne do problema, tomando por base trabalhos científicos idôneos”, avaliou, na ocasião, para o Viomundo o advogado Mauro Menezes, das associações Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) e Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANTP). “O STF considerou de forma muito convicta que todo tipo de amianto, em função da lesividade ao ser humano, não se compatibiliza com uma questão maior que está garantida na nossa Constituição, que é o direito à saúde e à vida.”

Explica-se. Todas as formas e todos os tipos de amianto são comprovadamente cancerígenos ao ser humano, inclusive a crisotila, existente no Brasil. Não há dose segura para o risco de câncer; a única quantidade de amianto que protege é a exposição zero, ou seja, exposição nenhuma.

É a posição da OMS, da IARC (Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer), da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica, o INSERM, da França, do Instituto Nacional de Saúde Ocupacional, o NIOSH, dos Estados Unidos. Também a da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Brasil.

Giannasi: Lei paulista respalda interdição de cargas
“Assim, respaldados pela lei paulista e a decisão do STF, eu e as vigilâncias sanitária estadual e a do Guarujá flagramos, em 8 junho de 2009, 26 toneladas de amianto in natura chegar à Cortês [Transportadora e Armazéns], no Guarujá, via Rápido 900”, relata Fernanda Giannasi. “Interditamos a carga, determinando imediato retorno a Minaçu. Interditamos outras 3.100 toneladas, já estocadas no pátio e que iam ser despachadas para a Ásia.

As cargas de amianto são da SAMA, empresa responsável pela única mina de amianto em exploração no Brasil. É a mineradora do grupo Eternit, o maior do país no setor. Ela fica em Minaçu, norte de Goiás, para onde as 26 toneladas retornaram.

A Rápido 900 é uma das duas transportadoras autorizadas pelo MTE a levar o produto in natura de Minaçu para os estados onde ainda é permitida a sua utilização. A São Expedito, a outra. A auditora fiscal do MTE e as vigilâncias sanitárias interditaram ambas por trafegarem no estado de São Paulo, carregando o material proibido aqui.

A Cortês atua como despachante alfandegário da SAMA junto à Receita Federal. Circulam pelas suas instalações cerca de 180 mil toneladas de amianto por ano, exportadas principalmente para a Ásia, já que o mercado interno do mineral cancerígeno está cada vez mais restrito. Em seus pátios e armazéns, as cargas são transferidas para contêineres marítimos, armazenadas e desembaraçadas. Depois, transportadas ao porto de contêineres da Santos-Brasil, a 6 km de distância.

Autuada: “Direitos ilegalmente cerceados pela auditora”
A Cortês entrou com várias medidas judiciais contra a interdição das cargas e a proibição de exportação, visando também afastar Fernanda Giannasi das inspeções. A empresa diz ao Viomundo:

“A auditora fiscal do trabalho, sra. Fernanda Giannasi, realmente interditou indevidamente algumas cargas de amianto alocadas em nossa sede. Essas cargas já foram desinterditadas em razão de ordem judicial e encaminhadas ao destino. Ressalte-se que nessas medidas jurídicas ficou constatado por perito judicial que nossa empresa adota e cumpre todas as normas de segurança sem expor nossos trabalhadores ou o meio ambiente a qualquer risco. Assim, resta evidente, que as medidas judiciais apresentadas visaram restabelecer os nossos direitos que foram indevida e ilegalmente cerceados pela auditora fiscal.

Entendemos que sra. Fernanda Giannasi não possui a necessária isenção de ânimo, tampouco desinteresse, para fazer fiscalizações em instalações que digam respeito ao amianto, tendo em vista que é ativista pelo seu banimento e, nessa condição, participa pelo menos das seguintes entidades contrárias ao amianto: ABREA-Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto e Ban Asbestos Network no cargo de Coordenadora da Rede Virtual Cidadã pelo Banimento do Amianto na América Latina.

Não foi por outro motivo que o juiz da 24ª Vara Federal de São Paulo concordou que referida funcionária pública não pode fiscalizar a nossa empresa. É tão evidente sua parcialidade que o próprio juiz disse: “… é pertinente o pedido de determinar que a Sra. Fernanda Giannasi se abstenha de fiscalizar a empresa dado que a sua participação em rede virtual para banimento do amianto na América Latina, na qual é coordenadora, revela evidente parcialidade na condição de Fiscal do Ministério do Trabalho”.


Desembargadora anula decisão contra Fernanda fiscalizar amianto
“A guerra de liminares favoreceu inicialmente a Cortês, permitindo que exportasse as primeiras 3.100 toneladas interditadas; a Justiça de Santos cancelou a ação da vigilância sanitária municipal”, diz Fernanda Giannasi. “Só que a empresa continuou a receber, transportar e exportar o amianto. Autuei-os novamente. Ela obteve, então, uma sentença de primeira instância da Justiça Federal de Santos que determinou que me abstivesse de fiscalizar a empresa. O juiz aceitou a tese de que não havia imparcialidade na minha ação, mas frustrou as pretensões da empresa quando a proibiu de continuar a receber cargas de amianto até decisão final.”

“Como a minha defesa está a cargo da Advocacia Geral da União [isso ocorre quando funcionários públicos federais são processados devido ao exercício da função], a AGU entrou com recurso [agravo de instrumento], que foi apreciado pela desembargadora federal Salette Nascimento”, prossegue. “A desembargadora [segunda instância] não detectou nada que me impossibilitasse de fiscalizar a Cortês e anulou a decisão de primeira instância.

A propósito, a Sama, dona das cargas interditadas, entrou com ação na Justiça Federal do Distrito Federal (trechos abaixo), para afastar Fernanda Giannasi, da fiscalização do amianto da empresa. Pediu que antes mesmo de julgada a ação, fosse concedida tutela antecipada. Ou seja, a auditora fosse afastada imediatamente da inspeção. O juiz Jamil Rosa de Jesus Oliveira, da 14ª Vara Federal, negou a tutela antecipada (documento).

“A Cortês tem recorrido em várias instâncias do Poder Judiciário para impedir a fiscalização da empresa”, continua a auditora fiscal. “Num desses processos, o juiz pediu à Polícia Federal que investigasse o caso.”

Em 25 de agosto de 2010, o delegado Cássio Luis Guimarães Nogueira convocou-a para depor nos autos do inquérito policial instaurado a pedido do Juiz da 3ª Vara da Justiça Federal de Santos/SP, em decorrência de outro processo movido pela Cortês para impedir a fiscalização em suas instalações.

“Meu indiciamento pelo delegado da PF já estava decidido”
O depoimento de Fernanda Giannasi foi no dia 9 de fevereiro de 2011. Saiu indiciada por abuso de poder.

“Estou perplexa, pois compareci para prestar esclarecimentos e colaborar no processo. Estranhei o tom agressivo do delegado, o tempo todo. Desde o início, deixou claro que não se influenciaria pelo o que eu dissesse, o meu indiciamento já estava decidido.”

“Ele me perguntou se já havia sido processada criminalmente. Disse que sim, e pelos detratores de sempre, que querem me tirar da fiscalização do amianto, para ter no setor alguém sem experiência que não lhes crie problemas. Mas sempre fui absolvida.”

O delegado Cássio Luis bateu na tecla de que Fernanda Giannasi não pode ter opinião e tem de declinar conflito de interesses. Sobre isso, ela diz ao Viomundo:

“Não tenho conflitos de interesse, pois não trabalho para ninguém a não ser o Ministério do Trabalho e Emprego, e não tenho qualquer outra remuneração. Sou concursada há 28 anos, tenho dedicação exclusiva e sou carreira típica de Estado. Coordeno uma rede virtual de cidadão, pela internet, trocando experiências e debatendo os riscos do amianto à saúde dos trabalhadores e da população.”

“Sigo à risca o parecer da AGU, que determinou que eu fizesse ações conjuntas com a vigilância sanitária, embora alguns Juízes do Trabalho entendam que a competência da fiscalização dos ambientes de trabalho e onde haja vínculo empregatício é exclusiva do Ministério do Trabalho e Emprego. As vigilâncias sanitárias (do estado, regional e municipal) só não vão junto quando há liminares que as impedem, como ocorreu nas fábricas de fibrocimento usuárias de amianto em Leme e Hortolândia. Aí, fui com o Ministério Público do Trabalho.”

“Nas fiscalizações, não emito juízo de valor acerca da exposição às fibras de amianto. Apenas aplico a lei em vigor no estado de São Paulo, referendada e ratificada pelo STF desde 2008. Só autuo empresas com irregularidades, entre as quais as que transportam, armazenam  e exportam o amianto, bem como as que o comercializam e o utilizam.”

“Como o meu direito de defesa foi cerceado – o delegado não me permitiu concluir uma resposta! -, optei por permanecer calada e somente ser ouvida em Juízo, onde terei assegurado amplo direito de defesa garantido por lei”, explica Fernanda. “Até agora não sei o completo teor das denúncias contra mim, pois ele [o delegado da Polícia Federal de Santos] não quis me fornecer sequer cópia da mesma ou detalhes de seu conteúdo.”

Ao final do depoimento, Fernanda assinou um documento onde estava escrito:

Cientificada das imputações que lhe são feitas e de seus direitos constitucionais, inclusive o de permanecer calada, a interrogada respondeu que ‘a interrogada devidamente esclarecida de seus direitos constitucionais, manifesta neste ato desejo de permanecer calada e de só responder às perguntas que lhe forem formuladas em juízo e se forem objeto afinal de processo criminal, de forma que possa melhor se orientar com seu advogado ou aquele que lhe for designado pela Advocacia Geral da União…’

Indiciamento significa que o inquérito, depois de concluído, será enviado ao Ministério Público Federal. Lá, um promotor de justiça federal analisará o caso, para então decidir se instaura ou não processo crime pelo suposto abuso de poder.

Solicitamos à assessoria de comunicação da Polícia Federal entrevista com o delegado Cássio Luis Guimarães Nogueira para falar sobre o indiciamento de Fernanda Giannasi. A resposta à solicitação veio no e-mail.

Reconhecimento mundial vs. ameaças de morte e intimidações
Fernanda é incontestavelmente a maior referência no Brasil sobre o amianto. Seu trabalho é reconhecido no mundo inteiro.

“Ela é a agente de saúde pública mais dedicada, corajosa e talentosa enfrentada pela indústria do amianto em qualquer lugar do mundo”, elogia Barry Castleman. “Ela combina as funções de funcionária pública (como auditora-fiscal do trabalho), ativista (como coordenadora de uma rede virtual) e, sobretudo, cidadã exemplar.”

Fernanda também incomoda, aqui e lá fora. Em abril de 2001, Denis Hamel, diretor do Instituto do Crisotila do Canadá mandou uma carta ao então Ministro do Trabalho e Emprego do Brasil, Francisco Dornelles, pedindo “para repreendê-la e enquadrá-la”.

No documentário franco-canadense A morte lenta pelo amianto, Hamel justifica a retaliação: “Ela dá declarações mentirosas, exageradas, que prejudicam enormemente os esforços da indústria”. Ele se refere aos esforços da indústria para convencer sobre a inocuidade do amianto branco crisotila e seu uso seguro e responsável pela indústria em sua tese chamada de “uso controlado”.

Nem uma ameaça de morte calou Fernanda. Em 28 janeiro de 2004, três auditores fiscais do trabalho e o motorista do Ministério do Trabalho e Emprego foram assassinados em Unaí, Minas Gerais. Cinco dias depois da chacina, uma carta anônima, intimidatória, ameaçando-a abertamente, foi enviada à sua casa.

É um dos casos documentados no relatório Linha de Frente: Defensores dos direitos humanos no Brasil de 2002 a 2005, organizado pela Justiça Global e enviado à ONU.

Na ocasião, segundo esse relatório, Fernanda Giannasi enviou e-mail pessoal ao então ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini (ex-presidente da CUT e atualmente deputado federal PT-SP), pedindo garantias de vida e apoio para realizar seu trabalho na fiscalização trabalhista. Ele respondeu de forma muito solidária.

Na prática, porém, Fernanda foi impedida de inspecionar e designada a fazer serviços burocráticos numa sala sem telefone e computador. Era o arquivo-morto da seção. Assim, em vez de protegê-la, Berzoini puniu-a com o confinamento, impossibilitando-a de fazer o seu trabalho por quase dois meses, sob os olhares indignados de parte do movimento sindical e revolta das vítimas do amianto. Sob pressão, inclusive da imprensa, o então superintendente regional do trabalho, Heiguiberto Della Bella Navarro (“Guiba” ), determinou o retorno de Fernanda à fiscalização, sem maiores explicações.

Recentemente, Fernanda recebeu duas cartas da Alemanha, postadas na Universidade de Berlim. O autor faz ameaças de morte e defesa radical do amianto, apresentando-o como sinônimo de Eternit, material indestrutível, capaz de salvar a humanidade da contaminação radioativa.

“Quem deveria estar protegendo a Fernanda é justamente quem tenta, agora, incriminá-la por abuso de poder”, diz, indignado, Eliezer João de Souza, 69 anos, presidente da Abrea, que, em 2000, teve de extrair nódulos dos pulmões.

Por ano, o amianto causa 107 mil mortes em todo o mundo
Todos os tipos de amianto causam: 1) asbestose — endurecimento  do pulmão, que perde progressivamente a capacidade de expandir, levando lentamente à morte por asfixia; 2) câncer de pulmão, laringe, aparelho digestivo e ovário; 3) mesotelioma, que pode ser de pleura (membrana que reveste o tórax), peritônio (membrana que reveste a cavidade abdominal) ou pericárdio (membrana que recobre o coração). É  um tumor maligno e extremamente agressivo, incurável e fatal, que pode aparecer 35, 40 e até 50 anos após o primeiro contato com o amianto.

“Por ano, o amianto causa 107 mil mortes em todo o mundo. Entre as vítimas, não estão só trabalhadores, mas também consumidores do produto, desmentindo a indústria que diz ser apenas um problema de saúde ocupacional”, informa Castleman. “Em 10 de março, testemunhei num julgamento em Oakland, Califórnia, num caso de mesotelioma de pleura em homem que vendia alimentos nos arredores de fábricas. De 1970 a 1980, ele passava uma hora por dia na frente de uma fábrica de produtos de construção, de onde os trabalhadores saíam cobertos de poeira de amianto, para comprar comida dele. Esse amianto era a crisotila, que ainda hoje é extraída no Brasil.”

“A mídia deveria gastar menos tempo em falar sobre astros de cinema e TV e mais sobre pessoas exemplares, como a Fernanda Giannasi. Os jovens também deveriam ler sobre as pessoas que fazem do mundo um lugar melhor e não exigem como pagamento nada além do que poder fazer o seu trabalho bem”, arremata Castleman.

PS do Viomundo: Fernanda Giannasi foi ouvida hoje, 24, em São Paulo, pela equipe técnica do Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (PNPDDH/SDH/PR). O grupo fará um levantamento completo das intimidações, ameaças e ações judiciais que Fernanda vem sofrendo.

(Por Conceição Lemes, Viomundo, 24/03/2011)


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