O médico que atestou a aptidão para o trabalho de um grupo de funcionários da multinacional Rhodia, contaminados por agentes químicos, é ex-gerente da empresa. Desde que a unidade da cidade de Cubatão fechou, em 1995, os trabalhadores têm licença remunerada por terem problemas de saúde, mas um grupo foi convocado para demissão em janeiro deste ano.
No último dia 15 de fevereiro, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) suspendeu temporariamente as demissões. Os funcionários da unidade de Cubatão estavam expostos a elementos organoclorados, que são resíduos da fabricação de solventes. O contato direto com esses produtos pode provocar mais de cem doenças e agravos. Eles afetam severamente o sistema nervoso das pessoas contaminadas.
A Radioagência NP teve acesso a um laudo emitido pelo Hospital Israelita Albert Einstein e assinado por José Antonio Maluf de Carvalho, em outubro de 2010. No documento, o paciente não foi enquadrado como “caso suspeito de contaminação”, mesmo tendo desenvolvido problemas de fertilidade. Além disso, nenhum dos pacientes avaliados pelo Albert Einstein realizou exames neurocomportamentais, que são obrigatórios nesses casos.
Maluf é um dos diretores do renomado hospital. Segundo informações fornecidas pelo médico em seu currículo na Plataforma Lattes, ele “fez longa carreira de executivo em pesquisa e marketing em multinacionais farmacêuticas”. Somente na Rhodia, foram quatro anos de serviços prestados. O secretário da Associação de Combate aos Poluentes (ACPO) – formada por trabalhadores contaminados –, Jeffer Castelo Branco, revela que houve “má fé” por parte da Rhodia, que utilizou os laudos de Maluf como se fossem exames demissionais.
“O cara colocou na lista gente que fez transplante de fígado, que tem problema de fertilidade, que é leucopênico. Como esse médico pode estar isento? Ele é ex-gerente da Rhodia, médico, faz uma barbaridade dessa, uma atrocidade dessa com pessoas que têm quadro suspeito claro. A relação dele com a Rhodia está clara e é um absurdo a postura antiética desse médico. Jamais um médico que avalia um paciente que tem câncer de próstata daria ele como apto.”
Em 1995, a Rhodia assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que a obriga a fazer o monitoramento da saúde dos funcionários. O acordo previa a criação de uma junta médica com representantes indicados pelo sindicato da categoria, pela empresa e pelo Ministério Público. Os termos do acordo davam à junta médica o poder de decidir quais trabalhadores deveriam ser enquadrados na lista de suspeitos de contaminação e encaminhados para um acompanhamento mais rigoroso.
O gerente industrial da Rhodia, Gerson Oliveira, afirma que a multinacional “cumpre rigorosamente todas as determinações do TAC desde 1995”. Ele também assegura que a escolha do médico foi uma coincidência, não havendo nenhuma relação entre ambos. “A relação eu posso assegurar que é nenhuma. Nós ficamos sabendo disso há uma semana. Nós contratamos os serviços do Albert Einstein e isso foi definido lá em 1995, quando da assinatura do TAC, que definiu que seria o Albert Einstein – e foi definido pelas três partes. O nosso procedimento, como eu já disse, foi de respeito ao TAC. Então, nós contratamos os serviços do Albert Einstein, mas em nenhum momento nós sabíamos quem seria o médico que faria ou que assinaria todos esses laudos.”
O químico Marcio Antônio Mariano sofreu contaminação e teve problemas renais depois de sete anos de trabalho. Um exame realizado por conta própria dez anos após o fechamento da fábrica constatou a presença de organoclorados no sangue. Ele foi examinado no Albert Einstein em 2009 e garante que os procedimentos são incapazes de garantir diagnósticos precisos. “Foi um negócio muito bem combinado para prejudicar os trabalhadores. Os exames que foram pedidos não serviam para muita coisa. São exames de rotina para quem está com a saúde perfeita, o que não é o caso geral dos trabalhadores da Rhodia.”
O secretário da ACPO confirma a denúncia do trabalhador. Castelo Branco acusa a Rhodia e o Hospital Albert Einstein de negligência na morte de um colega, vítima de câncer generalizado. Ele teria entrado em óbito em 2007 depois de ser submetido a inúmeras baterias de exames. “Como um cidadão que faz exames no Albert Einstein morre de câncer generalizado? Isso não acontece de um mês para o outro, isso não acontece de um ano para o outro. Como eles não detectaram isso e não trataram esse sujeito? Foi feita uma citilografia e os órgãos estavam todos danificados, desde a cabeça até o quadril. Como é que a gente pode confiar na Rhodia, como é que a gente pode continuar confiando num hospital desses?”
Gerson confirma que a Rhodia teve conhecimento do caso. “Nós temos informações dessa natureza, mesmo porque existe um processo judicial em andamento, mas até o momento não existe nenhuma relação entre essa causa da doença com as atividades profissionais.”
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Hospital informou que “os exames médicos realizados por esta Instituição foram definidos pelo MP por meio de Termo de Ajustamento de Conduta, TAC.” O hospital negou informações sobre o quadro clínico dos pacientes e anunciou que, “conforme política de privacidade e sigilo médico, esta informação não pode ser compartilhada.”
De acordo com Jeffer Castelo Branco, esta informação não foi compartilhada nem mesmo com os pacientes. Os laudos entregues não possuem nenhum detalhamento. Apenas informam se o paciente foi enquadrado como caso suspeito ou não. Para Jeffer, o problema é maior do que se imagina. “Essas pessoas estão afastadas de seu trabalho profissional há mais de 17 anos. Essas pessoas com o carimbo da Rhodia não conseguem mais colocação em lugar nenhum. A maioria perdeu até mesmo a possibilidade de continuar seus estudos por conta desse problema: a eminência de estar realmente doente.”
(Por Jorge Américom, Radioagência NP, 24/03/2011)