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mobilidade urbana transporte alternativo
2011-03-24 | Tatianaf

É difícil imaginar que a quantidade de acidentes de trânsito, de atropelamentos, de mortes, de pessoas feridas, de dor e de sofrimento irá diminuir somente com campanhas de conscientização. Também é difícil acreditar que os prejuízos econômicos e sociais que as intermináveis filas de automóveis em congestionamentos causam irão acabar somente pedindo-se que as pessoas deixem seus veículos em casa.

O fato é que, com o crescimento que a frota de veículos nas vias vem tendo, é inevitável que ocorram mais engarrafamentos e, assim, também é inevitável que o estresse dos motoristas aumente, gerando um comportamento mais agressivo. O que tem de ser feito, então, é reduzir o número de veículos nas vias. Há um problema, porém: como fazer isso em um país em que a economia está aquecida e em que as pessoas estão tendo cada vez mais facilidades para comprar um carro? A resposta dada por quem estuda o tema é quase unânime: investir em transporte coletivo.

Para o professor do Departamento de Engenharia de Produção e Transportes da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Luis Antonio Lindau, há muito o que ser feito na área.

"Precisamos melhorar bastante o transporte coletivo. Muito, muitíssimo", enfatiza. Lindau não vê a realização de grandes obras viárias como uma solução para o problema. "Não tem como resolver fazendo isso. Se hoje dispuséssemos de uma fortuna para investir em obras, isso não resolveria o problema, pois ele cresce de uma forma muito maior que nossa capacidade de fazer obras", destaca.

O especialista enfatiza que a criação de corredores exclusivos para os ônibus e de uma rede de transporte coletivo de alta eficiência são caminhos para se resolver o imbróglio. "Precisamos de uma solução de maior intensidade. Vamos concentrar no transporte coletivo", diz.

Para Lindau, a criação de vias de uso único dos ônibus, com veículos modernos e confortáveis, faria, ao contrário do que se pode pensar, com que o custo das passagens diminuísse. "A tarifa de ônibus aumenta porque o próprio carro a faz aumentar. Na medida em que as vias estão mais congestionadas, é preciso mais ônibus para prover o mesmo serviço, pois o ônibus vai e não consegue voltar no tempo certo. Temos é que tirar o ônibus de qualquer congestionamento. Precisamos ter faixas só para ônibus, que, aliás são dez vezes mais eficientes para levar pessoas do que uma faixa de carro", observa.

Se é sabido que o investimento em redes de transporte coletivo é o que traz mais retorno para a melhoria do trânsito nas grandes cidades, porque, então, isso não é feito? Para o superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Marcos Bicalho, a resposta é simples. "Falta vontade política dos gestores. Recursos existem e são gastos em outras coisas. Talvez porque as classes dirigentes não usem o transporte coletivo. É inegável que a indústria automobilística é uma cadeia produtiva enorme e que tem interesses enormes. Ninguém quer que essa corrente se rompa. Ninguém quer ver uma crise em um setor importante como esse", afirma.

Bicalho defende os corredores para ônibus como a melhor alternativa, porém destaca a dificuldade para que isso seja realizado em grande escala. "Acho que os corredores são o ovo de Colombo. Mas eles são o conflito. É você tirar o espaço dos carros para dar espaço aos ônibus, uma decisão extremamente difícil e politicamente radical. Mais radical do que fazer metrô, porque no metrô você trabalha em um espaço novo. O corredor não, ele é uma ação revolucionária, subversiva em relação à ordem vigente", argumenta.

Medidas de restrição ao uso do carro terão de ser tomadas
Outro ponto em que os estudiosos convergem diz respeito a medidas de restrição ao uso do automóvel. Para ambos, cada um apontando um modo diverso, elas precisam ser tomadas. "Uma coisa é ter o carro, a posse dele. Outra questão é como adequar isso ao limitado espaço urbano. Não conseguimos crescer o volume viário na forma como cresce a frota, então precisamos restringir o uso", ressalta Lindau.

Para o professor da Ufrgs, os motoristas deveriam pagar uma tarifa pelo uso da via em horários de pico. "Isso faz com que pessoas que não precisam estar usando-a naquele momento repensem os seus deslocamentos. Isso existe em vários lugares: em Londres, em Estocolmo", exemplifica.

Bicalho acredita que ações nesse sentido devem ser realizadas antes de os carros chegarem às ruas. "As restrições ao uso do automóvel devem ser econômicas. Tem uma colocação de um ex-secretário de São Paulo que é muito atual. Quando uma prefeitura vai fazer um corredor de ônibus ela é obrigada a realizar um estudo de impacto ambiental e a fazer medidas compensatórias dos impactos da obra, o que é correto. Só que isso torna o metrô e os corredores mais caros. Quando a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) aumenta a produção de veículos, ninguém exige que ela faça um estudo de impacto ambiental, e isso tem de ser feito. Essa produção tem um impacto enorme, e as companhias não pagam nada por isso", enfatiza.

A produção de veículos em 2010 no Brasil foi recorde, alcançando 3,64 milhões de unidades, o que representa uma expansão de 14% sobre os 3,18 milhões de veículos produzidos no ano anterior.

Criação de mais ciclovias é alternativa sustentável
Em maio de 2008 a prefeitura de Porto Alegre apresentou o Plano Diretor Cicloviário Integrado com a promessa de que os 17,6 quilômetros de ciclovias considerados prioritários estariam prontos já no ano seguinte. A lei criando o plano foi sancionada pelo então prefeito José Fogaça no dia 15 de julho de 2009. Até agora, apenas oito quilômetros de vias exclusivas estão prontas na Capital: 4,8 quilômetros no bairro Restinga, dois na avenida Diário de Notícias e 1,2 em Ipanema.

Para uma cidade que se vangloria em ser uma das mais avançadas do País, a existência de somente oito quilômetros de ciclovias, enquanto no Rio de Janeiro existem 160, chega a ser vergonhoso. "Hoje as cidades desenvolvidas estão todas voltadas para isso. Dizemo-nos uma cidade avançada, mas não temos nenhuma medida na área de transportes que evidencie isso", afirma o professor Lindau.

Quem se utiliza da bicicleta na Capital relata que as pistas existentes não se ligam a outros trechos da cidade, impossibilitando a mobilidade completa. O cozinheiro Mercelo Kalil, participante do grupo Massa Crítica - que ficou mais conhecido após um motorista ter atropelado vários de seus integrantes no dia 25 de fevereiro - acredita que existem possibilidades mais baratas para eles. "Há ruas com estacionamentos dos dois lados. Se em um desses lados fossem criadas faixas preferenciais para os que andam de bicicleta, ficaria mais seguro", explica.

Segundo Kalil, além de um local apropriado, está faltando respeito dos condutores. "A maioria dos motoristas respeita, mas 10% não, o que é bastante. O que falta é educação e respeitar o limite de afastamento de um metro e meio de distância", avalia. Ele também relata que muitos condutores aceleram perto dos ciclistas, querendo intimidá-los. "Ainda existem pessoas que acham que quem utiliza bicicletas deve andar nas calçadas. Deveria ser feita uma fiscalização maior em torno disso", complementa.

Metrô ou corredores exclusivos para ônibus?
Capitais como Curitiba e Porto Alegre estão brigando para garantir verbas federais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Mobilidade, que destinará R$ 18 bilhões para 24 grandes cidades do País. As duas metrópoles querem aproveitar a oportunidade para construírem seus metrôs.

Lindau acredita que os valores poderiam ser investidos de um melhor modo. "Seria preciso perguntar ao governo federal se vale a pena fazer alguns quilômetros de metrô ou centenas de quilômetros de redes de ônibus de alta capacidade", desafia.

O superintendente da ANTP acredita que os dois sistemas se complementam. "Tem espaço para metrô e para corredor de ônibus. Nenhuma solução é por si só ideal. O metrô tem de se integrar com os ônibus. Se não se integrar, ele está meio morto", observa.

Tanto Lindau quanto Bicalho preveem um futuro nebuloso nas vias das metrópoles brasileiras se nenhuma medida drástica for tomada. Entretanto, os dois acreditam que ainda há tempo para se fazer algo. "Nem tudo está perdido. O que está perdido é o modelo atual. O espaço viário, se for racionalizado, é ótimo", diz o professor da Ufrgs.

Para Bicalho, o agravamento da situação é o maior aliado para que ações comecem a ser realizadas. "A discussão do transporte é como a questão ambiental. A crise é a aliada. A única esperança é que essa crise se agrave a tal ponto em que sejamos obrigados a tomar decisões antes de ser tarde demais", conclui.

(Por Juliano Tatsch, JC-RS, 24/03/2011)


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