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passivos da energia atômica acidente nuclear política nuclear
2011-03-23 | Tatianaf

Ao descrever a devastação em uma cidade do Japão, um jornalista escreveu: “Parece que um trator gigante passou por cima e arrasou tudo o que existia ali. Escrevo estes fatos…Como uma advertência ao mundo”. O jornalista era Wilfred Burchett, que escrevia de Hiroshima, Japão, em 05 de setembro de 1945. Burchett foi o primeiro jornalista do Ocidente a chegar a Hiroshima depois que a bomba atômica foi lançada. Ele informou a respeito de uma doença estranha que seguia matando pessoas, inclusive um mês após esse primeiro e letal uso de armas nucleares contra seres humanos. Suas palavras poderiam perfeitamente estar descrevendo as cenas de aniquilação que acabam de acontecer no nordeste do Japão. Devido ao agravamento da catástrofe na central nuclear de Fukushima, a advertência de Burchett ao mundo segue hoje mais que vigente.

O desastre tornou-se pior com o episódio do complexo nuclear de Fukushima depois do maior terremoto na história do Japão, e do tsunami que o sucedeu, responsável por milhares de mortos. As explosões nos reatores de número 1 e 3 liberaram radiação a um nível tal que foi medida por um navio militar dos Estados Unidos a uma distância de 160 quilômetros, o que obrigou a embarcação a afastar-se da costa. Uma terceira explosão sucedeu no reator número 2, motivando muitos a especularem que o contêiner primário, onde se mantém o urânio submetido à fissão nuclear e de vital importância, tinha-se danificado. Pouco depois o reator número 4 se incendiou, apesar de não estar funcionando quando o terremoto açoitou o país. Cada reator também utiliza o combustível nuclear armazenado em seu interior, e esse combustível pode provocar grandes incêndios, liberando mais radiação no ar. Todos os sistemas de esfriamento falharam, bem como os sistemas de segurança adicionais. Uma pequena delegação de valentes trabalhadores permanece no lugar, apesar da radiação que pode ser letal, tratando de bombear água do mar nas estruturas danificadas para esfriar o combustível radiativo.

O Presidente Barack Obama assumiu a iniciativa de liderar um “renascimento nuclear” e propôs novas garantias de empréstimos federais de 36 bilhões de dólares para promover o interesse das empresas de energia na construção de novas plantas nucleares (o que se soma aos 18,5 bilhões de dólares que foram aprovados durante o governo de George W. Bush). A primeira empresa de energia que esperava receber esta dádiva pública foi a Southern Company, por dois reatores anunciados para o estado da Georgia. A última vez que se autorizou e conseguiu levar a cabo a construção de uma nova planta de energia nuclear nos Estados Unidos foi em 1973, quando Obama estava na sétima série da Escola Punahou, em Honolulu. O desastre de Three Mile Island em 1979 e o de Chernobyl em 1986 efetivamente encerraram a possibilidade de avançar em novos projetos de energia nuclear com objetivos comerciais nos Estados Unidos. No entanto, este país segue sendo o maior produtor de energia nuclear comercial no mundo. As 104 plantas nucleares habilitadas são velhas, e aproximam-se do fim de sua vida útil originalmente projetada. Os proprietários das plantas estão solicitando ao governo federal estender suas licenças para operar.

A Comissão de Regulação Nuclear (NRC, na sua sigla em inglês) é responsável por outorgar e controlar estas licenças. No dia 10 de março, a NRC emitiu um comunicado para a imprensa “sobre a renovação da licença operativa da Planta de Energia Nuclear Vermont Yankee, próximo de Brattleboro, estado de Vermont, por mais vinte anos. Está previsto que o pessoal da NRC logo expedirá a licença renovada”, dizia a nota. Harvey Wasserman, de NukeFree.org, me disse: “O reator número 1 de Fukushima é idêntico ao da planta de Vermont Yankee, que agora está à espera de renovar sua licença e que o povo de Vermont pretende fechar. É importante saber que este tipo de acidente, este tipo de desastre, poderia ocorrer em quatro reatores em Califórnia, se o terremoto de 9.0 graus da escala Richter açoitasse o Canhão do Diabo em San Luis Obispo ou San Onofre, entre Los Angeles e San Diego. Poderíamos, perfeitamente, sermos agora mesmo testemunhas da evacuação de Los Angeles ou San Diego, se este tipo de desastre tivesse ocorrido na Califórnia. E, por suposto, Vermont tem o mesmo problema. Há 23 reatores nos Estados Unidos que são idênticos ou quase idênticos ao reator número 1 de Fukushima”. A maioria dos habitantes de Vermont, entre eles o governador do estado, Peter Shumlin, apóia o fechamento do reator Vermont Yankee, desenhado e construído pela General Electric.

A crise nuclear no Japão ganhou repercussões mundiais. Houve manifestações em toda Europa. Eva Joly, membro do Parlamento europeu, disse em uma manifestação: “A ideia de que esta energia é perigosa, mas que pode ser controlada acabou-se hoje. E sabemos como eliminar as plantas nucleares: precisamos de energia renovável, precisamos de moinhos, precisamos de energia geotérmica e precisamos de energia solar”. A Suíça interrompeu seus planos de renovar as licenças de seus reatores, e 10.000 manifestantes em Stuttgart incitaram a chanceler alemã Angela Merkel a ordenar o fechamento imediato das sete plantas nucleares alemãs construídas antes da década de ‘80. Nos Estados Unidos, o deputado democrata de Massachusetts, Ed Markey, disse: “O que está acontecendo no Japão neste momento dá indícios de que também pode acontecer um grave acidente em uma planta nuclear nos Estados Unidos”.

A era nuclear começou não muito longe de Fukushima, quando os Estados Unidos se tornaram a única nação na história da humanidade a lançar bombas atômicas em outro país. Duas bombas que destruíram Hiroshima e Nagasaki e mataram centenas de milhares de civis. O jornalista Wilfred Burchett foi o primeiro a descobrir a “praga atômica”, como a chamou: “Nestes hospitais encontro pessoas que quando caíram as bombas não sofreram nenhuma lesão, mas que agora estão morrendo por causa das sequelas. Sua saúde começou a deteriorar-se sem motivo aparente”. Mais de 65 anos depois que o jornalista sentara-se nos escombros com sua velha máquina de escrever Hermes e relatara a advertência ao mundo, o que aprendemos?

Observação e comentário da equipe do portal E&A: É difícil para a humanidade, em qualquer forma de sociedade, não reproduzir a expectativa de um cotidiano duradouro e com níveis aceitáveis de estabilidade. Foi assim no escravagismo nas Américas, que era algo legal e “naturalizado” pelos poderes coloniais e mesmo pós-coloniais estabelecidos; tal o é nas ditadura mais longevas, como esta de Muammar El-Khadafi que está quase ressuscitando em função da pretensão imperial da moribunda OTAN e sua cruzada global em busca de petróleo e derivados; e o mesmo se repete quando temos “desastres” em escala planetária.

Agora nos estarrecemos diante de algo sabido e cujos mitos produzidos pelas indústrias dos bens simbólicos (as corporações midiáticas e as respectivas agências de comunicação integrada, publicidade e relações públicas das transnacionais) não nos deixavam ver. As plataformas de extração de petróleo em águas profundas ou em alto mar são bombas permanentes que, uma vez deteriorado o seu funcionamento, podem destruir tudo ou quase tudo ao seu redor, aniquilando todas as formas de vida em maior ou menor escala, mesmo as sociedades humanas.

E, obviamente, o “desastre” de Fukushima só reitera a máxima de que é impossível pensar seriamente em contenção de danos e redução de perdas em termos de um acidente nuclear. Estamos falando de algo que não é 100% seguro e havendo falhas de distintas ordens, pode exterminar e prejudicar toda a vida ao redor e também a atingida pelo raio de propagação da radiação nuclear. Este tipo de dado, de informação precisa, contundente e irrefutável jamais vai circular com tanto impacto na mídia empresarial, e menos ainda na sinergia das transnacionais na era do capitalismo globalizado.

Assim, como nos ensina os militantes das lutas do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a opção pela fonte de energia não é única e, mais importante do que gerar recursos energéticos para as indústrias, é preservar e ampliar formas de vida em respeito a um futuro sustentável. Os efeitos societários de uma barragem gigantesca são terríveis, em especial para as populações tradicionais, originárias, quilombolas, ribeirinhas, extrativistas e da agricultura camponesa. As conseqüências são desastrosas quando o modelo de geração de energia polui, altera e afeta as formas de vida do planeta.

No caso da energia nuclear, a lógica é simples. Não é possível desenvolver algo que não se pode controlar caso sua operação falhe. Para quem imaginou o fim do perigo nuclear após a vitória dos EUA na Guerra Fria trata-se de mais uma ilusão de “normalidade”. Ou a soberania popular decide os destinos de uma coletividade, como na escolha dos modelos de desenvolvimento energético, ou sempre seremos reféns das sandices de modelos de negócios em sinergia com a indústria militar. Infelizmente, este pesadelo não começou em Chernobyl e não acabou em Fukushima. O fantasma nuclear precisa ser derrotado.

(EcoDebate, 23/03/2011)


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