“O saneamento é provavelmente o investimento mais importante em saúde pública, afinal grande parte dos parasitas são transmitidos pela água." A afirmação do doutorando em Biologia da Universidade do Novo México (EUA) não vem de uma preocupação propriamente com as doenças infecciosas, mas com a relação negativa entre elas e o coeficiente de inteligência (QI).
A suspeita de Christopher Eppig e equipe partiu do fato de que alguns parasitas se alimentam de partes do corpo humano e a reposição desse dano tem alto custo energético – uma energia que poderia ser descontada da atividade cerebral. Em um recém-nascido, 87% das calorias absorvidas na alimentação vai para o cérebro – porcentagem que cai para 23% na fase adulta. Daí a preocupação em se saber como doenças que “roubam” energia das crianças pode afetar seu desenvolvimento intelectual.
Causas da inteligência
A diarreia, por exemplo, é apontada como maior causa de morte em crianças com menos de cinco anos. No Brasil, a doença mata sete crianças por dia. As que sobrevivem provavelmente são prejudicadas em sua atividade cerebral. Isso porque, enquanto o cérebro é a parte do corpo que mais gasta energia, o sistema imunológico é o segundo. Aos cinco anos de idade, metade da energia consumida vai para o cérebro. Quando a criança adoece, a ativação do sistema imunológico passa a exigir mais de 30% das calorias que ela ingere.
Diversos estudos nos últimos anos procuraram relacionar o coeficiente de inteligência com causas biológicas. Já se evidenciou, por exemplo, que a simetria do corpo tem relação direta com a qualidade do cérebro, devido a uma maior capacidade pulmonar. A obesidade também foi constatada como fator de baixo desenvolvimento cerebral, enquanto a longevidade está ligada aos altos QIs. As pesquisas mais recentes mostraram que os fatores educação e complexidade do emprego também são influências positivas do QI, que se liga negativamente a fatores como mortalidade infantil e clima.
Relação direta
Apresentada aos jornalistas ontem durante o fórum Água em Pauta, em Jundiaí (SP), a pesquisa de Eppig não se soma aos estudos anteriores, mas procura integrá-los: doenças infecciosas também prejudicam a formação simétrica do corpo, enquanto o clima de altas temperatura e umidade – já anteriormente apontado como fator para um baixo QI na média populacional – é ainda um fator de proliferação de doenças tropicais, como a malária.
Para provar a relação, mediu-se a média de QI populacional em 184 países, usando testes, como de Raven, que não usam números ou letras e cuja avaliação e, portanto, independem da cultura dos avaliados. Os resultados foram comparados com os “DALYs” de cada país - um DALY, unidade usada pela Organização Mundial de Saúde, significa um ano perdido com doenças infecciosas a cada 100 mil habitantes. No Brasil, os 1628 DALYs corresponderam a um QI médio. Com 13 milhões de habitantes sem acesso a banheiro (OMS/UNICEF), o país é o nono nesse ranking mundial “da vergonha”.
Outra direção
Os gráficos que cruzam os dados de QI e DALYs desenham retas diagonais, provando uma relação direta tanto em âmbito internacional quanto em focos regionais. “Mas a melhor variável não é a única”, inflexiona Eppig. “Há outra direção nessa lógica”, ele previne, antes que a conclusão seja a simples constatação de que é preciso cuidar das doenças infecciosas.
“Talvez pessoas mais inteligentes sofram menos com o desgaste de uma infecção. Com mais educação, menos pessoas se infeccionam. Parte dos casos de obesidade é causada pelas infecciosas. Em um país mais rico, é possível investir mais em saúde, o que também contribui para a longevidade”, dispara o pesquisador, ressalvando em seguida que “riqueza não significa disposição para investir”.
No Brasil, onde há mais redes de telefonia do que de esgoto, faleceram no hospital 2409 vítimas de infecções gastrointestinais em 2009. Delas, 1277 poderiam ser salvas pelo acesso universal ao saneamento básico. Hoje não se sabe se é possível reverter os danos causados ao cérebro pelas doenças infecciosas. Mas o pesquisador sugeriu em sua apresentação três reversões de prioridade nas políticas públicas: medicina preventiva, educação e saneamento básico. Na oportunidade, a representante do Instituto Trata Brasil, Milena Serro, desejou “que a política seja usada para se fazer o saneamento, e não o contrário.”
(Por Ana Carolina Amaral, Envolverde, 23/03/2011)