O calor e os alagamentos se espalharam pela área central de Belém no começo da tarde de ontem, criando vários pontos de engarrafamento e dando dor de cabeça a pedestres e motoristas para vencer as ruas transformadas em rios.
Com direito a ondas, a avenida Marechal Hermes, da esquina com Visconde de Souza Franco até a rua General Magalhães, ficou submersa com a maré de 3,8 metros. A agrônoma Abigail Castro não teve alternativa a não ser enfrentar a água fétida e barrenta para chegar ao terminal hidrofluvial de Belém. “Ela tem que ir para Soure trabalhar, não tem jeito. Não posso levá-la porque não me arrisco a ficar com água no motor”, explicava o enteado dela, Everaldo Touloza.
“É um horror, essa água podre invade a casa, mancha, deixa tudo fedendo, é um risco porque traz doença pra dentro”, opinou a doméstica Maria Dalva Eres, que trabalha numa residência próxima à Doca. Comerciantes não tinham o que fazer a não ser esperar a maré vazar. Caso de Eduardo Bacelar, dono de um restaurante ao lado do ginásio Altino Pimenta. “Em dia assim não vendemos nada. Antes não enchia assim por que a água tinha como dar vazão”, conta ele, que vive há 65 anos no Umarizal.
Um garoto tentava cruzar a rua em direção à travessa 28 de Setembro, mas desistiu com o nível alto da água. “Não tiro a sandália por que tenho medo de pegar leptospirose”, entregou ele, preferindo pegar um caminho mais longo. Já o corretor de seguros Alberto Braga não se fez de rogado e, ao ver a água que se avolumava, tirou os sapatos e a meia e atravessou: “Ruim tirar os sapatos, mas é pior estragar”, explicou, bem-humorado.
Ao largo do canal da avenida mais nobre do Umarizal, ratos ‘curtiam’ o sol, enquanto eram banhados pelas águas que invadiam as calçadas. No Ver-o-Peso, às margens da baía, verdureiros e pescadores se divertiam pulando nas águas sortidas de caixotes de madeiras e todo o tipo de lixo. “Tomo banho aqui desde moleque e nunca aconteceu nada comigo. Acho que já desenvolvi uma defesa”, contou Marcos Ferreira, comerciante de frutas.
Muitos funcionários de lojas portavam vassouras e esfregões para escoar a água que invadia. “Hoje tivemos tempo de nos preparar e subir todas as mercadorias. No sábado fomos pegos de surpresa, chegamos aqui e estava tudo imundo”, lembrou Eloísa Souza, funcionária de um estabelecimento de artigos de pesca. Sem seguir as orientações da Defesa Civil e dos Bombeiros, muitos veículos acabaram abandonados em vias como a Marechal Hermes, a Municipalidade e a avenida Portugal.
Água desperdiçada e poluída
Hoje, Dia Mundial da Água, pouco se tem a comemorar. O dia criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992 serve para comprovar que o desperdício é constante e falta racionalidade no uso da água. No entanto, para Milton Matta, professor da Faculdade de Geologia da Universidade Federal do Pará e doutor em Hidrogeologia não existe a “crise da água”. “A água é um bem natural e mineral que hoje tem grande valor econômico em cena, mas ela não está diminuindo. Pode-se até dizer que vem aumentando nas cadeias meso-oceânicas. O que acontece é a poluição da água. A crise, portanto, é no gerenciamento e na distribuição, que têm sido feitos de forma errada”.
Em Belém, a água que abastece a cidade não está imune da contaminação de esgotos despejados sem tratamento nos mananciais. “A rede é antiga, feita de cimento amianto que tem substâncias cancerígenas. O sistema que puxa a água é cheio de buracos, causando vazamentos. São cerca de 40 por dia, dos quais alguns já ocorrem há dois meses. Ou seja, 50% da água é desperdiçada. A água que sai potável, se contamina novamente pela rede de distribuição e é o que a população recebe”, pontua.
Segundo o professor, 70% da água do mundo é destinada à agricultura - dos quais 60% são desperdiçados -, 20% para a indústria e apenas 10% para o abastecimento público. Por isso, o racionamento por parte dos consumidores não é a única medida que deve ser tomada. “A população fica no estresse de racionalizar o consumo, mas a agricultura e a indústria não economizam. Tem que haver uma campanha mundial para combater o desperdício. Se o desperdício na agricultura ficasse em 50%, daria para abastecer o dobro da população mundial por um ano. Você tem noção do que é isso?”
Em Icoaraci, a água falta
Há oito dias a rotina dos moradores do conjunto Paracuri II, em Icoaraci, inclui carregar baldes com água. Segundo os moradores, a falta de abastecimento no bairro se intensificou desde o último dia 15, porém, o problema seria constante. "Ela só pinga de vez em quando e vai embora”, afirma o morador Leonardo Melo.
A autônoma Fátima de Souza tem uma bomba em casa que garante água à família e o socorro aos vizinhos. "Tem gente que vem cinco vezes por dia para encher balde de água porque não tem como fazer as coisas de casa”. Segundo Leonardo, o Serviço Autônomo de Águas e Esgotos de Belém (Saaeb) já foi notificado sobre o problema, mas nada foi resolvido. “O tempo todo eles dizem que vão mandar uma equipe e nunca vêm".
O DIÁRIO tentou ouvir o Saaeb na tarde de ontem, mas não conseguiu contato.
AS MARÉS
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ainda hoje a maré deve chegar a 3,8 metros na capital, às 01h06 e por volta das 13h15, o que deve deixar o trânsito novamente complicado na hora do almoço. Na quarta-feira, a preamar ocorre às 01h47 e às 13h58, quando deve atingir 3,7 metros. Na quinta, a maré começa a registrar índices mais baixos, mas às 02h36 e às 14h41 chegará aos 3,5 metros.
ONDE ALAGA
- Visconde de Souza Franco (cruzamentos com a 28 de Setembro, Municipalidade e Senador Lemos);
- Marechal Hermes;
- General Magalhães, nas proximidades do canal;
- Boulevard Castilhos França e Avenida Portugal.
(Diário do Pará, 22/03/2011)