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hidrelétrica de jirau impactos de hidrelétricas
2011-03-21 | Tatianaf

A abstenção do Brasil na ONU, quando aprovadas a proibição de voos na Líbia e a possibilidade de intervenção no conflito entre rebeldes e Gaddafi, nasceu condenada a sofrer pesadas críticas, por muito tempo. Nela pode-se ver, porém, ainda que não fosse esse o seu propósito, a condenação dos métodos e concepções caducos e prepotentes das nações em geral. Inclusive do Brasil, como expõe, agora mesmo, a rebelião surgida entre os 20 mil operários concentrados na construção, em Rondônia, da hidrelétrica de Jirau.

As rebeliões em cidades árabes e na populosa obra de Jirau têm traços em comum. Os levantes que surgem do nada, imprevistos, e se agigantam em instantes, sempre têm motivos profundos. Não se confundem com agitações por contrariedades convivíveis ou momentâneas. A dimensão e a violência assumidas pela revolta dos operários de Jirau e pela dos árabes têm, com as respectivas proporções, semelhança de profundidade e de ímpetos que se sobrepõe à diferença relativa de objetivos. Mas as recepções aqui, aos dois casos, foram opostas.

Aceitou-se logo, a cada foco de rebelião eclodido no mundo árabe, tratar-se de rejeição à já insuportável opressão policialesca e arbitrária do poder. A explicação imediata dada pelos operários de Jirau - reagiam às violências e arbitrariedades do sistema "de segurança" na obra - mal foi reproduzida, quando o foi, nos meios de comunicação.

Tratava-se também de opressão e da reação de possuidores, mas não portadores, de direitos humanos e direitos de cidadania. O que lá nos inquieta e comove não nos toca se aqui.

Rebeldes árabes e Jirau identificam-se em um ponto crucial. A ONU tem o dever explícito de investigar e mediar confrontos, na comunidade humana e não só internacionais, que contrariem a sua tábua de princípios. De acordo com esse dever, cabia-lhe, no conflito líbio como em incontáveis outros, mandar de imediato uma comissão para investigar as motivações, as práticas e os objetivos opostos. E mediar a solução. Seriam a conduta civilizada, como a criação da ONU pretendeu ser, e a solução civilizada.

O Conselho de Segurança só discutiu, porém, desde o primeiro momento, diferentes ações militares: bloqueio naval, exclusão aérea, doação de armamentos aos rebeldes, bombardeio de instalações governistas, intervenção por terra. Aumentar o conflito, portanto. Criar mais uma guerra sem antes procurar o desenlace pacífico, ou perto disso.

Uma obra com 20 mil operários, por sua vez, está sujeita a muitos problemas nas relações de trabalho. Pela dimensão; pelas exigências desse gênero de trabalho, a que só se sujeitam os que têm disposição extraordinária de trabalhar; e pelos resquícios escravocratas e desumanos persistentes em vários gêneros de atividade, como setores da construção civil, ainda do cultivo da cana, mineração, e mais. São razões adicionais para que o Estado não se dispense do seu dever de fiscalização das condições de vida e trabalho nas grandes obras, tanto mais se obras públicas. A eclosão da revolta em Jirau atesta que a fiscalização, ou não houve, ou é suspeita.

Iniciada a reação dos operários, com incêndios e destruição de instalações, a pronta atitude de governo seria mandar a Rondônia uma comissão para investigar e mediar o conflito, com representantes dos ministérios da Justiça, do Trabalho, dos Direitos Humanos, da Saúde, dos Ministérios Públicos. As ideias voltaram-se, no entanto, para a direção de sempre: a polícia. Pior: a encargo do governo estadual. Dias depois, a Força Nacional. E só então uns quantos procuradores do Trabalho.

Em contraposição a Nicolas Sarkozy, presidente da França, e James Cameron, primeiro-ministro inglês, sedentos de ação bélica em meio a suas quedas de prestígio, a Alemanha foi enfática na justificativa de sua abstenção: "Não há informações seguras da Líbia e, portanto, não há plano seguro de ação, o que torna muito arriscada a intervenção como está proposta. Há o risco de levar a problemas maiores". Iraque, Afeganistão, Paquistão.

As mesmas considerações podem servir à abstenção do Brasil. Não para todos. Quando a atitude devida não é adotada em seu tempo, seja pelos motivos relativos à Líbia ou a Jirau, depois tudo é discutível. Sobretudo se não corresponde à atitude monocórdica - a força.

(IHU-Unisinos, 21/03/2011)


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