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hidrelétricas do rio madeira impactos de hidrelétricas
2011-03-21 | Tatianaf

Os rondonienses assistiram perplexos na TV ou por internet a um espetáculo apocalíptico assustador: No sítio do Jirau (RO), local da maior obra do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) no Brasil, grande parte das instalações da Camargo Corrêa, empresa responsável pela construção da hidrelétrica, virou cinzas. A revolta de um punhado de trabalhadores descontentes não pôde ser controlada pelas forças de segurança. Assim, foram queimados mais de 40 ônibus, carros, casas de alojamento, lan house, etc… Na noite do dia seguinte, a Camargo Corrêa noticiou que tudo voltou ao normal (!) e chamou os trabalhadores de volta. Informou também que medidas de segurança foram reforçadas.

Assim, falta segurança no Jirau! É preocupante saber que o ditado popular: “o brasileiro fecha a porta só depois do ladrão entrar!” se verifica também com uma empreteireira desse porte. Se a Camargo Correia não pôde prever uma rebelião com operários que vê todos os dias, quanto menos está preparada para imprevistos provocados por elementos invisíveis, como no caso de mudanças climáticas! É de dar arrepio!

As faltas de previsão não são tão raras assim. Nos primeiros dias da construção da UHE de Santo Antônio, com as primeiras explosões de pedras da cachoeira, toneladas de peixes ficaram represadas e morreram por asfixia. Se essa catástrofe ecológica, entretanto limitada, nos assustou, nos preocupa muito a falta de previsão nos estudos de impactos ambientais (EIA-RIMA) aprovados pelo IBAMA. Esses fatos estão abrindo em nossas mentes uma brecha onde entrevemos a possibilidade de impactos bem maiores tanto a nível social como ecológico.

Em janeiro deste ano, a Camargo Corrêa afirmou para uma autoridade do município de Guajará-Mirim em visita ao canteiro de obras que “desde o início das obras do Jirau, houve apenas 02 óbitos de operários”. O informante da empresa só pode ter minimizado os dados porque, só no ano de 2010, soubemos através de operários do Jirau, que algum membro de sua equipe tinha falecido no trabalho. Num empreendimento com cerca de 22 mil trabalhadores podemos entender que haja mais de dois óbitos por ano. Entretanto, não entendemos a falta de transparência da empreiteira: a desconfiança aumenta e aquela brecha vai se abrindo mais.

As empresas teêm respostas para todos os problemas. Pelo menos, na fala ou no papel. Na realidade, a coisa é diferente. No Distrito de Jaci-Paraná, até agora não vimos resultados com os projetos disso ou daquilo para “minimizar” os impactos sociais. Pelo contrário, a violência, os homicídios, a venda de bebida e a prostituição aumentaram consideravelmente e o Executivo Municipal reconhece que a situação está fora de seu controle. No referido distrito, dezenas de operários encontraram a morte em decorrência de brigas nos bares. Um jovem trabalhador de Guajará-Mirim foi encontrado morto debaixo das rodas de um caminhão onde tinha sido arrastado pelos agressores para disfarçar um acidente.

No início da construção da UHE de Santo Antônio, indígenas sem contato foram avistados nas proximidades do canteiro de obras. Com a comprovação da presença de vestígios, uma liminar suspendeu os trabalhos até que fosse realizado um inquérito aprofundado pela Fundação Nacional do Índio (Funai); O orgão indigenista oficial se omitiu, Furnas ignorou a liminar e as obras prosseguiram. Os indígenas não foram mais encontrados e não sabemos se, por um tempo, conseguiram fugir ou se, em nome do progresso, mais um massacre foi perpetrado!

Contaminação pelo mercúrio: sigilo e omissão
Uma bomba a efeito retardado será acionada no dia que serão fechadas as comportas do Jirau. Com a alegação de antigos locais de garimpo da margem direita do rio Madeira, toneladas de mercúrio serão levadas até o leito do rio, agravando a contaminação existente. Na década de 80, centenas de dragas contaminaram diretamente o leito do rio Madeira. O metal transformado em metilmercúrio é absorvido pelo plâncton e chega até o homem que se alimenta de peixe, através da cadeia alimentar. O peixe não tem fronteiras e percorre centenas, até milhares de quilômetros.

Estudos científicos realizados na década de 1990 e cujos resultados foram publicados nos cadernos da Fiocruz em 2003, comprovam que a população indígena do município de Guajará-Mirim, cuja dieta principal é o peixe, tem um teor de mercúrio acima do tolerado pelo Organização Mundial da Saúde (OMS). Foi relatado o caso de uma criança cuja taxa de mercúrio atingiu 20 vezes o valor limite. As conseqüências na saúde são gravíssimas. O mercúrio é responsável por malformações neurológicas durante a vida fetal e por ser cancerígeno, do aumento de casos de câncer, e principalmente de leucemia e linfoma, doenças raras e gravíssimas, levando muitas vezes a óbito. Em julho de 2008, dois adultos do povo Oro Wari´, internados no Hospital de Base de Porto Velho, um com leucemia aguda e o outro com linfoma de Hodgkin, faleceram a poucos dias de diferença.

A partir dos anos 1990, o aumento assustador de casos dessas doenças na população indígena e ribeirinha do município de Guajará-Mirim só pode ser explicado pela contaminação por mercúrio.

O monitoramento da taxa de mercúrio na população indígena foi solicitado pela bioquímica responsável pelo estudo, entretanto, depois de 15 anos, ainda não aconteceu. O Ministério Público Federal que está a par da situação está se empenhando para que seja realizado um novo estudo. Estamos aguardando.

Se com o garimpo de ouro o rio Madeira tornou-se um “lixão” de mercúrio, isso não justifica que continue a se jogar mais mercúrio. Portanto, lamentamos a irresponsabilidade dos órgãos ambientais oficiais, quando alguns anos atrás, a SEDAM autorizou 20 dragas de garimpo no rio Madeira, perto de Porto Velho, a continuar a sua atividade e, mais recentemente, o Ibama forneceu a licença ambiental para Jirau, como se acrescentar toneladas de mercúrio no rio Madeira era algo insignificante. A contaminação já existe, mas, maior a contaminação, maior a incidência de casos de câncer, leucemias e malformações fetais, atingindo ribeirinhos de três países: Brasil, Bolívia e Peru; e isso, por centenas de anos. São milhares de pessoas que adoecerão e muitas irão a óbito. Infelizmente, não estamos falando de probabilidade como no caso de um país vulcânico que constrói usinas atômicas, mas de certeza.

Apesar da necessidade de se criar mais empregos, nossa consciência relutaria a aceitar a construção de uma usina de armamentos cujas armas seriam vendidas a países em guerra, não é mesmo? Entretanto, cientes dos impactos do Jirau como podemos se conformar com a construção dessa UHE que a longo prazo terá conseqüências semelhantes?

No conceito dos países europeus, a energia hidrelétrica é a menos poluidora. Entretanto, nenhuma barragem na Europa alagou áreas de garimpo. A preocupação dos países da União Européia com a contaminação pelo mercúrio é tal que foi proibida a venda de termômetros de mercúrio. Como vão reagir os europeus quando souberem que objetos de alumínio importados do Brasil foram fabricados com energia proveniente de barragens da Amazônia que alagaram áreas de garimpo, agravando a contaminação de indígenas e ribeirinhos de três países? Por outro lado, para os responsáveis da empresa GDF-Suez, que tem mais de 50% das ações do Jirau e que é a primeira empresa européia de produção de energia, o lucro prevalece. Os países da Europa procuram o ecológico mais correto dentro de suas fronteiras! Cabe ao Brasil criar essa consciência. Cabe a nós, brasileiros, abrir os olhos para analisar com coragem os impactos do “bezerro de ouro” do desenvolvimento e descobrir quem são os principais beneficiados. Somos a favor do Bem Estar, mas não a qualquer preço!

(Conselho Indigenista Missionário-Cimi, EcoDebate, 21/03/2011)


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