Com fortes e comprovados efeitos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente, a emissão de Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) no Brasil está sob monitoramento. Trata-se de um Plano de Monitoramento Global de Emissão de POPs estabelecido pela Convenção de Estocolmo em 2001. Para atender a esse plano, o país, signatário da convenção, está fazendo um grande levantamento a respeito da existência das emissões, a fim de minimizar fontes, até a sua eliminação e banimento.
A Escola de Nacional de Saúde Pùblica (Ensp/Fiocruz), por meio do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh), é a responsável pela coleta e análise de amostras de leite humano que desenharão o panorama nacional.
Os POPs são substâncias que apresentam ampla distribuição geográfica e permanecem nos ecossistemas por longos períodos, além de se acumularem no tecido adiposo dos seres vivos, podendo causar sérios riscos à saúde humana e ao meio ambiente. A Convenção de Estocolmo é um tratado internacional elaborado para eliminar globalmente a produção e o uso de POPs, constituindo-se um instrumento internacional para a proteção da saúde humana e do meio ambiente dos efeitos nocivos oriundos dessas substâncias químicas.
Um dos principais compromissos assumidos pelos países signatários da Convenção consiste no estabelecimento de um Plano Nacional de Implementação que visa à elaboração de medidas para diminuição/eliminação das emissões de POPs. Como estratégia de implementação mundial, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) elaboraram o Plano de Monitoramento Global (Global Monitoring Plan), que tem por objetivo analisar os POPs listados na convenção em ar, sangue e leite humano como instrumento para avaliação da eficácia das medidas de controle nacionais. Para atender a esse plano, o Brasil está desenvolvendo a pesquisa em questão.
A coordenadora da equipe da pesquisa na Ensp e pesquisadora do Cesteh Ana Braga explicou que o plano brasileiro de monitoramento tem por finalidade avaliar os níveis de POPs em ar e leite humano. O Ministério do Meio Ambiente, ponto focal para a convenção, convocou a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, ligada à Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Cetesb), para o monitoramento de ar e a Ensp para o monitoramento de leite humano, face ao trabalho já desenvolvido pelo grupo de pesquisa.
No âmbito da realização do estudo em leite humano, objetivando garantir a uniformidade/comparabilidade das amostras em nível global, a OMS e o Pnuma elaboraram um guia de condução. O guia contempla itens como metodologia de coleta da amostra, identificação de doadoras, critérios de seleção, dentre outros. Para atender à realidade brasileira e suas diferenças regionais, a equipe da Ensp traduziu e adaptou o guia. “O guia, agora adaptado ao Brasil, foi avaliado pelo Pnuma, que nos solicitou autorização para que este novo material produzido por nós fosse traduzido mais uma vez – para o inglês e o espanhol -, tornando-se referência para a condução deste estudo, e ele já foi adotado em toda a região da América Latina e Caribe”, contou a pesquisadora.
Segundo o pesquisador do Cesteh e também integrante da pesquisa Thomas Krauss, só é possível ter conhecimento, em nível nacional, do estado de contaminação ou de distribuição desses poluentes fazendo o monitoramento. “A matriz que será usada na pesquisa – leite materno – representa a exposição atual da população em geral”, disse. Além do conhecimento acerca dos níveis de exposição, os resultados poderão apontar situações passíveis de controle além da investigação de problemas à saúde da população. “Se identificados na amostra, darão subsídios para ações mitigadoras e de controle de fontes produtivas”, alertou Krauss. “Nossa responsabilidade neste estudo é colher e preparar as amostras para análise. Ao todo, trabalharemos com 150 amostras individuais, divididas, e três amostras compostas de 50 doadoras. Serão selecionados 15 locais diferentes. As amostras coletadas serão enviadas para o laboratório de referência da OMS, na Alemanha”, explicou Ana Braga.
A pesquisadora ainda ressaltou a impossibilidade de analisar dioxinas em amostras biológicas no Brasil: “As dioxinas e furanos (integrantes da lista POPs) são encontrados em níveis muito baixos, e é necessário um equipamento específico para a quantificação de ultratraços”, afirmando também que o Ministério do Meio Ambiente identifica a equipe da Ensp como referência para tal assunto, mas, ao mesmo tempo, o grupo não dispõe do equipamento necessário para analisar a totalidade desses contaminantes devido às suas limitações de estrutura laboratorial. Dessa forma, no Laboratório de Toxicologia do Cesteh só serão analisados os POPs de análise simples, tais como os agrotóxicos e PCBs.
Ana destacou que, apesar de a Ensp ter capacidade técnica, no Brasil, apenas o órgão ambiental do Estado de São Paulo – a Cetesb – tem equipamento para realizar análise de dioxinas. “Porém, trabalhar com a saúde humana não é a missão da Cetesb; eles têm foco no meio ambiente. Essa é uma responsabilidade do Ministério da Saúde, e, no âmbito saúde, quem tem competência técnica para tanto é a Fiocruz, que lamentavelmente se encontra limitada, mas, no entanto, solicitada a contribuir, atender e dar resposta a um acordo mundial, que é a Convenção de Estocolmo”, defendeu Ana.
Ela ainda esclareceu que o grupo tem trabalhado com POPs desde o ano 1998, mas infelizmente pouco se conseguiu avançar no sentido da implementação de um laboratório no âmbito do Ministério da Saúde que dê conta das análises de dioxinas e furanos em amostras biológicas/alimentos. “Ainda no ano de 2000, participamos da terceira rodada de estudos de exposição de população geral a dioxinas, furanos e PCBs por meio de leite humano. A pesquisa atual de monitoramento global é, na verdade, a quarta rodada de estudos de exposição populacional. Originalmente, a lista POPs integrou 12 poluentes e, em 2010, foram adicionados outros 9 poluentes. A pesquisa cresceu. Deixamos de estudar apenas dioxinas/furanos e PCBs e avaliaremos todos os poluentes listados”.
Durante o estudo realizado em 2000, segundo Ana Braga, os dados revelaram que o nível de dioxinas e furanos encontrados na nossa população foi o terceiro menor do mundo, e a estratégia para identificação das mães doadoras na pesquisa atual é a mesma adotada em 2000: seleção pela Rede Nacional de Bancos de Leite Humano, da qual a Fiocruz é coordenadora. Ela ressaltou ainda que a alimentação é a principal via de contaminação do ser humano, sendo responsável por 95% da exposição.
(Por Isabela Schincariol, Agência Fiocruz de Notícias, EcoDebate, 21/03/2011)