"Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito inalienável assegurado a todos pela própria Constituição, ou fazer prevalecer um interesse financeiro e secundário (...), uma vez configurado esse dilema - razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas (Supremo Tribunal Federal, Agravo de Instrumento 452312, Relator Ministro Celso de Mello)."
A citação inicia uma das Ações Civis Públicas do Ministério Público do Trabalho em SC que tem a Sadia como ré.
[Há um filme chamado "Páginas da Revolução" (1996) em que um jornalista fica diante de um dilema profissional. Ele vê os muitos lados de uma determinada realidade que cabem em um texto jornalístico. Mas, ao final, ele sabe a resposta, a única possível: é ficar do lado do mais fraco.]
Eram 8 horas daquela manhã domingueira de 24 de outubro de 2010 em Chapecó, no oeste catarinense, e já havia gente na frente da sede do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes e Derivados no município, o Sitracarnes, na Rua Benjamin Constant. Para às 9 horas estava marcada a posse da nova direção da entidade, que há 22 anos – desde a fundação, em dezembro de 1988 – não tinha eleições. Neste período, por causa de mudanças oportunistas no Estatuto do Sindicato, apenas duas pessoas se mantiveram na Presidência. Somente na quinta e última mudança de Estatuto, em janeiro de 2010, por interferência do Ministério Público do Trabalho (MPT), é que foi aberta a possibilidade de realizar uma eleição.
Ela ocorreu no dia 1º de setembro passado, com duas chapas, a de situação, de um grupo que há mais de duas décadas mandava no sindicato, e a de oposição, a Chapa 2, chamada de "Oposição pra Valer". Foram três anos para essa chapa se consolidar, tudo na surdina, para evitar - nem sempre com sucesso - perseguições por parte da empresa. O dia da eleição foi tenso. Cerca de 30 policiais militares acompanharam a votação de perto, além de representantes de sindicatos de todo o estado. A chapa de situação perdeu, por 216 votos contra 489 da oposição, mas não se conformou.
Logo após o pleito, o grupo da situação começou a peregrinar nas instâncias do Judiciário alegando que a eleição não fora legítima. A advogada da Chapa 2, Maria Aparecida dos Santos, a Cida – que naquela manhã de domingo estava com fundas olheiras e, nas mãos, pilhas de documentos - conta que a própria Comissão Eleitoral, que havia avalizado todo o processo, depois pediu a anulação do que já tinha referendado. Por isso, no início daquele 24 de outubro, os integrantes da chapa vitoriosa e os trabalhadores que, pouco a pouco, ocupavam a rua na frente da sede do sindicato, não estavam tranquilos. Qual seria a decisão da juíza do trabalho Vera Marisa Vieira Ramos, da 1ª Vara do Trabalho de Chapecó? "A Oposição pra Valer" tomaria posse?
Sadia?
O sindicato de Chapecó representa uma base de aproximadamente 7 mil trabalhadores, cerca de 90% deles atuando na Sadia. Fundada em 1944 por Atílio Fontana, a empresa começou em Concórdia com um pequeno moinho e um frigorífico inacabado. Hoje, é um gigante do ramo de alimentos. Por quatro vezes seguidas, a marca Sadia foi eleita a mais valiosa do setor de alimentos no Brasil. O frango brincalhão e o "S" vermelho são inconfundíveis nas embalagens e nos comerciais de jornais, revistas e televisão. O mascote ficou ainda mais famoso em 2008, depois da campanha intitulada "Para uma vida mais gostosa".
Uma das iniciativas mais recentes da empresa é a entrada na onda do "desenvolvimento sustentável". Trata-se de um programa que envolve 3,5 mil produtores de suínos na "redução das emissões de gases do efeito estufa e na comercialização de créditos de carbono...". O trecho, tirado da página da empresa, revela mais uma das "ações" da Sadia para ganhar um lugar no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bovespa, a Bolsa de Valores de São Paulo.
Segundo o Relatório Anual 2008 da empresa, disponível na página na internet, a Sadia era a líder brasileira em alimentos industrializados naquele ano e a sexta maior exportadora do país. Sua receita operacional bruta em 2008 foi de R$ 12,2 bilhões. Hoje, emprega cerca de 60 mil funcionários, possui fábricas em 17 estados brasileiros, 10 centros de distribuição e 17 filiais de vendas, e tem escritórios comerciais em 11 países.
A Sadia sempre manteve estreitos laços com o poder público. No Relatório Anual 2008, a "Mensagem da Admininistração" é assinado pelo então presidente do Conselho de Administração, Luiz Fernando Furlan, que já foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do governo Lula.
Atualmente, está em análise no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) o processo de fusão da Sadia com a Perdigão – empresa também catarinense - , chamada agora de BRF Brasil Foods. Um dos membros do Cade é Fernando de Magalhães Furlan, primo de Luiz Fernando. Outro exemplo da relação com o poder público é na área de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa, que coloca no mercado uma série de produtos que recebem prêmios e conta com parceiros em Universidades e com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
Mas há dados que não aparecem nos Relatórios Anuais da empresa. A história oficial, que faz o frango do logotipo sorrir, tem por baixo outra. Essa é contada por centenas de trabalhadores lesionados que atuaram ou ainda atuam na Sadia e por uma série de ações na Justiça. Sobre essa história, a não-oficial, o Sitracarnes, sindicato que deveria proteger os direitos dos trabalhadores, silenciou por mais de duas décadas.
É por isso que funcionários como C., 26 anos, 8 de Sadia, estavam ali, no dia marcado para a posse da nova Diretoria do sindicato. "Agora eu vou me associar. Eu antes não fazia nada pelo sindicato. Não ia ajudar quem defende o patrão". Apesar da pouca idade, C. tem problema de coluna, o que provocou um ano de afastamento do trabalho. A mulher dele, N., depois de 6 anos trabalhando em um dos setores da empresa que mais adoece funcionários, coleciona lesões por esforço repetitivo (LERs) em vários pontos entre os ombros e os dedos. Apesar de doente, continua trabalhando, mas à base de quatro tipos de medicamentos, entre eles o Celebra, um potente antiinflamatório e analgésico. Só esse gasto leva R$ 200,00 do salário. Ele recebe, bruto, cerca de R$ 900,00; ela, R$ 850,00.
N. aguarda que o plano de saúde da empresa libere uma cirurgia, mas antes precisa fazer ressonância magnética, que foi marcada para janeiro do ano que vem. Por enquanto, o que conseguiu foi mudar de setor, mas nele prevalece a necessidade de carregar peso e estar submetida a mudanças constantes de temperatura. Por isso a dor não dá trégua. Em casa, é o marido quem faz a maior parte dos serviços domésticos e dá banho e demais cuidados na filha de três anos. "O pior de tudo isso é a humilhação que a gente passa quando vai procurar o médico, o advogado... É muita humilhação", desabafa N.
"Os trabalhadores é que estão sendo desossados, não os frangos"
O Procurador do Trabalho Sandro Sardá recorda de um valioso detalhe. Foi em 10 de dezembro de 2008, no 60º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que ele deu por concluída a primeira de três Ações Civis Públicas (ACPs) nas quais a empresa Sadia em Chapecó aparece como ré.
A Ação Civil Pública (ACP) é regulada por uma Lei de 1985. O objetivo dela não é defender o direito individual de alguém. A ACP defende direitos coletivos, difusos, inespecíficos, como o direito ao meio ambiente sadio, que é para todos. Ela pode ser proposta por diversas entidades, como o Ministério Público do Trabalho. O ganho de causa em uma ACP pode beneficiar uma comunidade inteira.
A primeira ACP, de 227 páginas, é um relato de linguagem jurídica, mas que revela, de forma gritante, duas realidades: o descaso da Sadia com os seus funcionários e o modo como o capitalismo, na busca do lucro, esmaga os trabalhadores. Tanto uma realidade quanto outra aparecem nos números, nas estatísticas, nos depoimentos, no que viram e ouviram os Auditores Fiscais do Trabalho, servidores públicos que entraram na empresa para investigar o que ali acontece. O intertítulo que abre esta seção é uma dentre as tantas ditas por funcionários da Sadia. "Da forma como está se produzindo na empresa", afirma Sardá, "estamos comendo o que é fruto do sofrimento humano".
A ACP foi o resultado de uma investigação iniciada em 2007, e que um ano depois gerou um inquérito civil. Os peritos constataram 24 irregularidades trabalhistas, listadas de "a" a "z". A Sadia em Chapecó recebeu 29 autos de infração em janeiro de 2008. Em novembro daquele ano, foram mais 15.
Por causa de sua conduta, a Sadia levou o Ministério Público do Trabalho a propor a ACP à Justiça do Trabalho no município do oeste catarinense. Um dos objetivos é defender a saúde, a segurança e a vida de centenas de trabalhadores. "A conduta da ré implica violação não só da dignidade de cada trabalhador encontrado em situação precária, mas também violação de um sentimento coletivo, social, de dignidade", diz um dos trechos da Ação. É uma forma de agir, portanto, que vai além da consequência sobre a vida individual de cada funcionário.
O Ministério Público do Trabalho avalia que a maneira como a empresa atua "vem produzindo no oeste de Santa Catarina uma legião de trabalhadores acidentados e doentes, criando um verdadeiro problema de saúde pública para todos os municípios nos quais ela se estabelece". E num mercado exigente quanto à facilidades, a forma de produção desse tipo de alimento, entre o abate e a embalagem, e as consequências para os trabalhadores, são desconhecidas pelos consumidores que, nos supermercados, podem escolher as peças já limpas e selecionadas.
A Justiça do Trabalho em Chapecó tem inúmeras ações trabalhistas individuais, e mesmo condenações, contra a Sadia, mas isso não tem impedido a continuidade das práticas ilegais. Outro problema é que nem todos os trabalhadores buscam seus direitos, e boa parte dos que entra com ação aceita fazer acordo com valores abaixo do que teria direito, porque precisa do dinheiro.
Um exemplo da forma da Sadia de organizar o trabalho ilustra bem a perda para os funcionários e os ganhos pela empresa. Ao longo dos anos, o gigante do ramo de alimentos – que distribui cerca de mil produtos para mais de 100 países - sistematicamente subtraiu salário dos funcionários. Ela não reconhecia, como tempo de trabalho, o período em que os empregados faziam a troca obrigatória de uniforme. Isso também exigia o deslocamento entre a portaria e o vestiário. O cartão-ponto não registrava esse tempo gasto.
Os Auditores Fiscais do Trabalho, que fizeram vistorias em 2008, calcularam que a troca de roupa consumia 15 minutos diários por empregado. Parece pouco? Os auditores fizeram as contas: com base no salário de janeiro de 2008, concluíram que o empregador deixaria de pagar naquele ano, no mínimo, R$ 3.433.684,80, quase três milhões e meio de reais. Esse dado está em outra Ação Civil Pública do MPT, datada de agosto de 2010, que busca reparar os atuais e ex-funcionários por esse tipo de prática. A empresa passou a computar o tempo de troca de uniforme apenas em abril de 2009.
A ACP revela que, em 2005, foram propostas, na Justiça do Trabalho, 291 ações individuais de empregados da Sadia contra essa prática. Em 2008, o número foi de 687, mas ainda pouco se comparado à média de 6 mil funcionários da empresa. Nestas ações, segundo a ACP, o valor médio da condenação pelo salário subtraído por conta do período não pago para troca de uniforme varia de R$ 400,00 a 600,00 por ação.
O Sitracarnes e seus dirigentes naquele período também são citados como réus nesta Ação Civil Pública, e contra eles é requerida a condenação por danos morais. O Ministério Público do Trabalho avaliou que o sindicato, em vez de defender os trabalhadores, aceitou e firmou diversas normas coletivas em prejuízo aos direitos dos empregados da Sadia.
Legião de lesionados
J. mostra o dorso da mão direita marcado por uma cicatriz. Ele fez a cirurgia em 2005 para tentar recuperar as cartilagens incapacitadas para o trabalho. Foram cerca de 50 sessões de fisioterapia e dois anos de afastamento. S. mãe de três filhos, também sabe o que é viver com dor. Ela tem lesão por esforço repetitivo no braço esquerdo e usa com frequência medicamentos a base de diclofenaco para aliviar a dor. Trabalha há oito anos na Sadia. Acorda às 2h40 e faz a pé, em 15 minutos, o trajeto até a empresa, de onde sai às 13h07. O salário bruto por seu trabalho, que é o de tirar todas as vísceras da ave (coração, moela, fígado) e verificar se não há contaminação, é de R$ 950,00. Ela agora faz parte da direção do sindicato. "A gente antes tinha muito medo, medo de perder o emprego, mas quando entrei na chapa de oposição foi no impulso, na sede de mudança", diz ela. "Se todo mundo tem medo, nunca vai ter mudança".
Por que trabalhar na Sadia adoece tanta gente? Segundo o sindicato, há atualmente cerca de 1.500 funcionários afastados. A resposta a essa pergunta está na Ação Civil Pública do MPT, que desvenda os resultados da forma de organização do trabalho dentro da empresa. A Ação requer que a Justiça enquadre a Sadia de Chapecó em 29 obrigações de fazer e de não fazer. Todas elas têm a ver com descumprimento sistemático de normas, principalmente trabalhistas. Como o objetivo é atingir metas de produção, não se levam em conta os limites físicos e psicológicos dos empregados. Quem dita o ritmo é o maquinário – a esteira, a nória (transportador aéreo das aves) – e isso durante jornadas que muitas vezes ultrapassam o limite definido pela Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT. O tempo, na Sadia, é rigorosamente controlado, até para ir ao banheiro. Tudo para evitar perda de tempo nas linhas de desmontagem de frangos e perus.
A Ação revela, por exemplo, que:
- para desossar a coxa e a sobrecoxa de uma ave, o trabalhador faz 80 movimentos manuais por minuto. São 4.800 movimentos por hora, somando 42.240 movimentos se a jornada de trabalho for de 8 horas e 48 minutos. Em depoimento na ACP, uma mulher conta que tinha de cortar cerca de 20 quilos de frango a cada 5 minutos. O Procurador Sandro Sardá diz que, segundo pesquisas, para evitar problemas nos tendões é preciso não ultrapassar 33 movimentos por minuto.
- há empregados que fazem mais de quatro horas extras num único dia de trabalho, com jornadas diárias que chegam a ultrapassar doze horas.
- a maioria dos postos de trabalho nas atividades de processamento de carnes é em ambientes artificialmente resfriados, com temperaturas variando entre 9 e 12 graus centígrados. Adicionalmente, os produtos manuseados devem permanecer em baixas temperaturas, em torno de 4 graus centígrados. Os empregados estão submetidos à tarefas repetitivas, monótonas, pressionados pelo tempo, em ritmo excessivo, com jornadas exaustivas e posturas inadequadas. Há setores em que qualquer descuido, nem que seja por segundos, pode levar a lesões e acidentes sérios.
- o ritmo intenso em certos casos leva a afastamentos do trabalho já entre 6 meses e 1 ano de início da atividade.
- as condições de trabalho inadequadas obrigam empregados a se afastar devido a transtornos mentais, principalmente depressão. Em 5 páginas, a ACP lista 220 casos de afastamentos entre 2007 e 2008.
São doenças, tanto físicas quanto emocionais, que muitas vezes aparecem em funcionários jovens, de 20 a 25 anos. Mas o INSS vem reconhecendo que esses problemas têm relação com as condições de trabalho na empresa e concede os benefícios previdenciários. Essa possível relação entre a doença de uma pessoa e o tipo de trabalho que ela faz é chamada de "nexo de causalidade". Mas esse nexo precisa ser provado. O principal documento para isso é a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), e aí aparece outra violação da Sadia.
A empresa resiste em notificar as doenças ocupacionais, confirmadas ou suspeitas. A Ação Civil Pública mostra que, de acordo com dados do INSS, de janeiro de 2004 a julho de 2007, 405 trabalhadores da empresa estiveram em auxílio-doença por doenças osteomusculares, e 411 por transtornos mentais. Destes, 289 por depressão. Nesse mesmo período, porém, foram emitidas apenas 77 Comunicações de Acidente de Trabalho por doenças osteomusculares e nenhuma por transtornos mentais. A falta deste documento pode deixar o trabalhador com dificuldade para provar o nexo causal entre a doença que tem e o trabalho que faz. A Sadia, por exemplo, emprega muitos ex-agricultores, e costuma alegar que o funcionário já entrou adoecido na empresa por causa da lida na terra.
Depoimentos de trabalhadores no inquérito civil contra a Sadia comprovam que a empresa nem sempre paga os salários nos casos em que o INSS não reconhece a incapacidade de um empregado para o trabalho. Um dos depoimentos na Ação é o da funcionária F. Ela contou que, em 2005, ficou 9 meses sem receber salários ou benefícios previdenciários. Estava incapacitada para o trabalho, mas o INSS não reconhecia isso e a empresa não encaminhava os documentos necessários para que ela recebesse o benefício.
Doença, na Sadia, também pode gerar represálias. Os Auditores Fiscais verificaram que as demissões sem justa causa foram 4 vezes mais frequentes no grupo daqueles que tiveram afastamentos de mais de 10 dias do que nos dos empregados restantes.
Longa viagem para trabalhar
A fama da Sadia faz com que seja cada vez mais difícil contratar em Chapecó. Diariamente, segundo a ACP, mais de 1.500 trabalhadores se deslocam de diversas localidades da região para trabalhar na unidade da Sadia no município. O transporte é terceirizado, pago pela Sadia ou pelas prefeituras. O tempo médio gasto no deslocamento é de cerca de duas horas, variando desde 30 minutos até 250 horas. Há casos em que os ônibus chegam na empresa em torno de 30 minutos antes do início da jornada, e saem também 30 minutos após o final do expediente. Assim, além da jornada efetiva de trabalho, há empregados que gastam de uma a quatro horas de seu dia com deslocamento e até uma hora com espera. Tempo que não é remunerado.
Segundo Sardá, este é um dos cinco pontos ainda sem acordo na ACP em que a Sadia é ré. Os outros quatro são:
- o ritmo de trabalho adequado. O MPT considera que o máximo deve ser de 30 movimentos por minuto nas funções desempenhadas na linha de produção.
- os períodos de pausas para recuperação da fadiga. O MPT propõe 10 minutos para cada 50 trabalhados. Em Garibaldi, na Serra Gaúcha, no início de 2010, um frigorífico implantou pausas de 10 minutos a cada 50 de trabalho, a partir da primeira hora, em prazo e forma definidos por equipe da qual participaram dois trabalhadores eleitos pelos colegas, com estabilidade e em processo eleitoral feito pelo Sindicato. Toda a negociação envolveu o Ministério Público do Trabalho. Conforme Ata de Audiência em julho de 2010, tanto a empresa quanto o sindicato afirmaram que a mudança trouxe benefícios. Um deles foi a redução de queixas ligadas a dores provocadas pelo trabalho. Esses dados podem ser consultados em www.frigorificoscaxias.blogspot.com
- os limites do plano de saúde da empresa impostos para tratamento médico.
- o valor do dano moral coletivo. O MPT requer a condenação da Sadia por dano moral coletivo no valor de 50 milhões de reais, recurso que seria usado em benefício da coletividade dos trabalhadores. A Sadia, segundo Sardá, oferece 1 milhão.
Para o procurador, desde a proposição da Ação houve avanços, e um deles foi o de a realidade enfrentada pelos empregados da Sadia sair de dentro dos portões da empresa e alcançar a esfera pública. O trabalho para propor as Ações Civis Públicas, os dados colhidos, a realidade vista, fazem com que ele afirme: o tipo de atividade que os empregados fazem na linha de produção de frangos e perus não deveria exceder 7 horas e 20 minutos, e o ideal, mesmo, seriam 6 horas com ritmo adequado: "O que não pode é lesionar. Quando isso acontece, é, como se diz, ´só ladeira abaixo´. Aí se tira daqueles trabalhadores, daquele povo, todos os sonhos, os projetos de felicidade". Dados do INSS mostram que, nos últimos três anos, o setor de frigoríficos foi o que mais gerou acidentes e adoecimentos em sete estados, incluindo Santa Catarina.
Faça-se a posse!
Houve um romper de aplausos e sorrisos quando, pouco antes das 9 horas, Oficiais de Justiça, acompanhados de Policiais Federais, chegaram na sede do Sitracarnes com a decisão da juíza do trabalho Vera Marisa Vieira Ramos, da 1ª Vara do Trabalho de Chapecó. Ela determinava que a atual Diretoria do sindicato – a que perdera a eleição - efetivasse "a posse de TODOS os integrantes da Chapa 2, no dia 24.10.2010, às 09h, na sede da entidade sindical". Diante de ameaças recebidas por integrantes e apoiadores da Chapa 2, foi solicitado que a Polícia Federal revistasse todos os que entrassem no prédio para dar e receber a posse.
Passaram-se uns 40 minutos até que os primeiros integrantes da nova Direção saíssem do prédio. O novo presidente do Sindicato, Jenir Ponciano de Paula, foi aplaudido e cumprimentado por vários trabalhadores e, num rápido intervalo entre um abraço e outro, falou ao microfone: "Todos estão convidados para conhecer a nossa sede, de hoje em diante, e que depois de 22 anos voltou para as mãos dos trabalhadores". Mas Jenir, a advogada Cida, os funcionários C., N., J, e todos os que adoeceram ao vender a sua força de trabalho para a Sadia sabem: diante de um conglomerado quase indiferente às leis, sejam elas quais forem, a posse do sindicato é só o início. Mas, como diz A., entre uma rodada de chimarrão e outra – o dedo indicador quebrado num acidente de trabalho - a expectativa agora é de que o sindicato seja mesmo dos trabalhadores: "A gente agora quer, quando vier pedir apoio, que não nos virem as costas".
Esclarecimentos importantes
*Os nomes dos funcionários da Sadia foram mudados e os setores de trabalho omitidos para evitar possíveis represálias.
*A fusão da Sadia com a Perdigão é contada em reportagem intitulada "O Setembro negro da Sadia", na edição 38 da revista Piauí. Veja aqui.
*Veja em www.youtube.com/pobresynojentas o vídeo sobre a posse da Chapa 2.
*Para ver como funciona uma linha de produção e os problema enfrentados pelos trabalhadores, assista o programa sobre o tema produzido pela Assessoria de Comunicação do TRT/SC, da série "Justiça em Movimento", disponível aqui. O programa é o "JM03 Frigoríficos".
*A P&N (revista Pobres & Nojentas, de Florianópolis, onde esta reportagem foi originalmente publicada) entrou em contato com a Sadia em São Paulo, por e-mail e telefone, para solicitar entrevista, mas, no dia seguinte, em mensagem de voz gravada no número de celular indicado para retorno do contato, a Assessoria de Imprensa da empresa informou que a Sadia não participaria da pauta nem daria posicionamento sobre o assunto.
(Por Míriam Santini de Abreu, Pobres & Nojentas, 11/01/2011)