José Manuel Diaz Francisco é coordenador de Comunicação e Segurança da Eletronuclear. Ele se formou em engenharia elétrica e passou oito anos, dos 37 em que trabalha com energia nuclear, sendo chefe da divisão da segurança operacional de usinas no mundo pela Agência Internacional de Energia Atômica, que é um órgão da Organização das Nações Unidas (ONU).
Em entrevista a Terra Magazine o especialista defende o desenvolvimento das usinas nucleares no Brasil, mas admite que após os desastres no Japão, a "indústria nuclear passou a se questionar".
Coordenadores da Eletronuclear têm se reunido diariamente, assim como fazem as agências internacionais para tentarem entender, segundo Diaz, o que está acontecendo no Japão.
Segundo ele, o Brasil poderia usar as mesmas usinas que apresentam problemas em Fukushima, no Japão, no entanto, o mais provável é que não o faça. Em Angra, conta, usam a PWR - Pressurized water reactors. "Além de ser a mais usada no mundo, a escolha leva em consideração o índice de segurança e a tecnologia que já existe no país".
Questionado se um incidente dessas proporções pode atingir as usinas brasileiras, o coordenador de segurança da Eletronuclear elogia o sistema pelo qual é responsável, mas admite que os últimos acontecimentos no país asiático provocaram questionamentos sobre o tema.
A situação no Japão, diz o coordenador, é apocalíptica, assim como classificou a Comissão Europeia. No entanto, ele nega que haja um "apocalipse nuclear" no país. Diaz Francisco ressalta ainda que as usinas estão trabalhando "heroicamente" para preservar o meio ambiente e a população.
Confira a íntegra da entrevista:
Terra Magazine - Esse desastre no Japão, envolvendo as usinas nucleares, reacende a discussão sobre segurança das usinas e sobre se há real necessidade em se produzir energia nuclear no Brasil. O Japão é considerado um país preparado para esse tipo de situação, está tendo uma série de problemas com suas usinas. Em primeiro lugar, quais seriam os lugares mais seguros para desenvolvermos esse tipo de energia?
José Manuel Diaz Francisco - Em 2009 começamos a fazer um planejamento estratégico do atendimento às necessidades energéticas do País. O governo determinou, então, que a Eletronuclear passasse a buscar lugares onde poderíamos abrir novas usinas. Em princípio seria um lugar no Nordeste. No ano passado, dois outros convênios foram assinados, para que nós começássemos a buscar lugares no restante do Brasil. Quando essa demanda aconteceu para o Nordeste, fomos atrás das práticas internacionais para estabelecer no Brasil um processo de busca de lugares para essas usinas. Através de documentações internacionais e das normas práticas, estabelecemos um processo. Temos um sumário de como buscar esses locais.
Como é esse sumário?
Condições sísmicas daquela região e suprimento de água são os dois elementos mais básicos. Se for um local onde haja abalo sísmico muito forte, já descartamos. Mas a maioria das áreas no Brasil tem um nível de abalo sísmico muito pequeno. Não existe uma usina que possa ficar fora do mar ou de um rio com um fluxo mínimo. Depois disso, temos uma porção de outros critérios de seleção: a estrutura daquele local, a proximidade da população, o tipo de solo e a distância da rocha para se fazer a usina. Há uma sequência bem grande de critérios para se escolher um lugar. Esse é um processo que começou em 2009 e que já está bem avançado para a escolha de um primeiro lugar no Nordeste.
Qual seria esse lugar?
Existe hoje um cardápio de lugares, mas ainda não está sinalizado um específico. O processo já está em andamento, segundo os critérios internacionais.
O senhor falou em critérios internacionais. Com as explosões de reatores no Japão, que era considerado um exemplo em segurança e tecnologia, esses critérios internacionais não são colocados em xeque? Quais são os critérios de segurança técnica que se deve levar em conta no Brasil
As usinas mais usadas no mundo são as PWR - Pressurized water reactors - por terem um histórico muito forte de serem seguros. Esses reatores são exatamente os que temos em Angra 1, 2 e 3. Hoje em dia, não é só o histórico que importa, mas também é importante fazer um estudo das possibilidades de haver um acidente. Por exemplo: qual é a chance, em um milhão de eventos, de um evento específico acontecer? As usinas de PWR têm pouquíssimos riscos. Serei técnico: É uma chance em 100 mil ou uma em 1 milhão. A segunda mais usada no mundo é a BWR - Boiling Water Reactor - que é de água que entra em ebulição. Essa BWR é o tipo usado em Fukushima e que está com problemas no Japão, mas que também é muito segura.
Qual é a usina com mais chance de ser usada no Brasil?
Será uma dessas duas porque são as mais seguras que existem. Tem mais chance de ser a PWR, até porque é a que nós já temos e dominamos a tecnologia de operação e de projeto. Se eu tivesse que cravar, diria mesmo que é a PWR, que é a que temos em Angra, além de ser a mais usada no mundo. A escolha da tecnologia leva em consideração o índice de segurança e a tecnologia que já existe no país.
O senhor afirmou que o tipo de usina usado no Japão é muito seguro. Mas essas usinas estão apresentando riscos para a população. Só um abalo sísmico, da magnitude que ocorreu no Japão, poderia apresentar riscos?
A natureza tem assustado um pouco o homem porque ela tem mudado. Nunca o planeta esteve numa evolução ambiental tão marcante e tão grande. Então, na realidade, vivemos um processo muito dinâmico hoje em dia. A história daqui para frente trará algumas novidades. Tivemos um pequeno furacão em Nova Iguaçu (RJ) e em Santa Cruz (RJ). Nunca tinha acontecido isso antes. Os fenômenos naturais podem surpreender. Um furacão nos Estados Unidos é uma coisa seríssima, pode fazer saltar o sistema elétrico externo, pode causar algum dano a algum equipamento que não esteja protegido para esse evento. Entre os fenômenos mais recentes, os mais notáveis são justamente os terremotos e os tsunamis.
Por quê?
Porque o terremoto mexe com a estrutura do prédio e é por isso que a estrutura das usinas, quando construídas e licenciadas pelos órgãos reguladores, levam em consideração os níveis de sismicidades daquela região. O Brasil inteiro é muito estável em termos de terremotos. Tem uma placa no Acre que, como fica mais perto dos Andes, tem um nível de abalo maior. Tem uma parte no Ceará que também tem um nível de abalo maior. Em Angra, o nível de abalo sísmico é muito pequeno. Então, todos os prédios têm segurança para o nível de sismicidade previsto. No Japão, esse nível é muito maior.
Mas e o tsunami?
O Japão fica numa região de muitas fendas, onde as placas tectônicas trepam uma na outra. O tsunami é gerado quando isso acontece. As placas no Atlântico Sul não se aproximam, mas se distanciam, o que não provoca um tsunami. O que devemos levar em conta são as ressacas. Para sanar isso, construímos uma muralha de pedras, um pouco afastadas das usinas, para tirar a energia da onda da ressaca. Os outros eventos são intempéries que podem surpreender, como tufões, deslizamentos de terra.
O que foi feito com relação a isso?
Quando desenvolvemos o projeto da usina, foi verificada a estabilidade do território ao redor dela. E é aceitável. Além disso, a usina faz uma monitoração preventiva para o caso de ser detectada qualquer possibilidade de haver um deslizamento. Assim, preventivamente tomaremos as medidas necessárias.
Nas estradas, perto de Angra, há também deslizamentos...
Por falar em estradas, há uma nova preocupação com intempéries. Essa estrada faz diversos cortes e quando foi feita não havia a consciência de que pontes e túneis interferem menos na natureza e oferecem menos instabilidade. Eu tenho as estradas de emergência. Supondo que, mesmo com todos os outros critérios que lhe apresentei, haja uma emergência na usina, eu tenho diversos níveis de atuação. Há as ações locais, dentro da usina, depois ações num raio de 3 quilômetros e depois num raio de 5 quilômetros, 10 e 15. Isso prevê ações de deslocamento de pessoas. Se eu preciso deslocar gente e se eu tiver um problema nas estradas, posso ter um problema na execução do plano de emergência, a usina é parada automaticamente. Esse plano de emergência envolve a Defesa Civil e outros órgãos que fazem a análise de impedimento. Se o impedimento for total, a usina será desligada imediatamente. Num outro cenário, mais próximo ao do Japão: se a usina está com problemas e a estrada está parada, o que fazer? O plano de emergência envolve a Defesa Civil, a Agência Nacional de Energia Atômica, a Aeronáutica, a Marinha, o Exército, as secretarias do Estado e Ministérios. Há diversas organizações envolvidas nesse plano. Há um grande esquema de suporte com outras alternativas de deslocamento.
Se o Japão está tendo dificuldades, como acreditar que funcionará no Brasil, sem querer desmerecer toda essa estrutura?
O Japão está como está por conta do tsunami e do terremoto. As questões de deslocamento estão sendo resolvidas. Esse plano de emergência, no Brasil, além de ser escrito e revisto a cada quatro anos e é praticado constantemente. Todo ano par é feito um exercício onde todos os centros de controle e as organizações fazem simulações nesses centros. Em todo ano ímpar existe uma simulação real, onde há o deslocamento de todas essas forças que listei acima. Quando fazemos esses exercícios, comunicamos a comunidade internacional, de livre e espontânea vontade, para recebermos uma avaliação independente. O nosso plano tem sido considerado um dos melhores.
O senhor falou em plano de emergência e o Japão também tinha todo esse plano e também super bem conceituado. Entendo que a adversidade surpreendeu. Mas num momento como esse, a Eletronuclear tem sido cobrada por mais segurança? Está havendo um questionamento?
O plano de emergência japonês, até onde sabemos, eles fizeram com muita prevenção a evacuação. Tiveram uma atuação de deslocamento preventivamente. A irradiação não passou ainda dos valores limites. Ainda está dentro dos valores que não causam danos. Os japoneses realizaram o plano de emergência em todos os seus níveis. Até agora, o Japão tem atuado para prevenir a população. O terremoto e o tsunami vieram em valores inesperados. Eles perderam a alimentação elétrica, mas eles acionaram as bombas de resfriamento, as baterias descarregaram. Então foram para o último nível que foi colocar água do mar. Essa medida inviabiliza a usina porque é uma água muito impura. Eles também abriram as válvulas para diminuir a pressão e houve um vazamento ainda dentro dos limites. Foram tomadas todas as medidas de segurança. Vale notar que naquela região o caos é total e as usinas ainda estão em pé, conseguindo atuar no sentido de preservar o meio ambiente e as pessoas. Elas estão agindo heroicamente. Sim, existe uma situação de emergência muito delicada. Teremos o que aprender com isso? Não tenho a menor dúvida.
O quê, por exemplo?
Um desastre, nessa proporção, nunca aconteceu antes e com certeza a indústria nuclear será questionada. Ou melhor, isto já está acontecendo. Todos nós estamos fazendo reuniões internas para tentar entender o que está acontecendo e o que estão fazendo. Desse processo estamos estudando quais lições podem ser aprendidas. Sabemos também que a Agência Internacional de Energia Atômica está com os seus técnicos não só prestando apoio, mas também buscando um entendimento do que está acontecendo. Já estão havendo uma série de discussões sobre o que está acontecendo. É importante discutir o assunto, trazê-lo à baila para discutir os riscos em público com a comunidade internacional inclusive. É um processo com o qual aprenderemos e já estamos em busca disso com todo afinco.
O Japão é considerado o país mais preparado do mundo, principalmente nas questões tecnológicas. A Comissão Europeia caracterizou a situação como catastrófica. De zero a dez, qual é o risco de um vazamento no Brasil?
O lado nuclear não foi chamado de apocalíptico, mas a situação de crise de maneira geral. Hoje vemos as usinas numa batalha enorme para segurar a usina e para mantê-la numa condição em que não interfira no meio ambiente e na população. Não há um apocalipse nuclear. No Brasil, é muito difícil fazermos essa comparação. Eu diria que, se depender do nível de segurança de Angra 1, 2 e 3, e no nosso desempenho, estamos muito seguros, com um nível de segurança muito grande.
O senhor afirmou que é saudável o questionamento. Compensa esse investimento nas usinas?
Eu não tenho a menor dúvida. Hoje em dia existe uma responsabilidade ambiental e social, prevista por lei, que faz com que uma nova hidrelétrica não seja apenas como era no início. É um preço muito alto, um deslocamento muito alto. Hoje, os preços estão num dinamismo muito grande. Os preços da usina nuclear são compatíveis com uma hidrelétrica. Há competitividade e num país em desenvolvimento como o Brasil, é necessário energia para sustentar o crescimento e o consumo. Todas as energias são necessárias. Hoje, 90% da nossa energia vêm de hidrelétricas, mas elas já não estão tão disponíveis como antes e o nosso potencial hidrelétrico já diminuiu muito. Sim, vale a pena.
O senhor não acha que poderíamos investir mais em energia eólica?
O Brasil está investindo, mas deveria investir mais. Foi o que lhe falei: todas as usinas são importantes. O vento é inesgotável, mas aquele equipamento produz uma quantidade de energia que não é tão alta assim, além de precisar de muito espaço. Outro problema é que não há armazenamento, portanto, quando para o vento, para também a energia.
O senhor defende o desenvolvimento da energia nuclear no Brasil e garante a segurança. Por que acha que existe esse receio na população?
Apesar do caos, as usinas nucleares estão segurando a barra. O interessante é que o que está por trás de todo esse temor e preocupação é a percepção, segundo pesquisas que fazemos, de que a energia nuclear seja relacionada com a bomba atômica. A bomba exige um combustível nuclear a mais de 90%, as usinas só têm o combustível enriquecido até, no máximo, 5%. Então, não há como uma usina se tornar uma bomba. Esse é um medo que existe nas pessoas, mas na realidade é impossível que isso ocorra tecnicamente. As usinas não têm combustível o suficiente para se transformarem em bombas atômicas.
(Por Marcela Rocha, AFP, Terra Magazine, 17/03/2011)