"Essa é a pior crise que enfrentamos desde a segunda guerra mundial". Com essa frase o primeiro ministro japonês, Naoto Kan, resumiu a situação do país no Sábado (12/03), um dia após o terremoto de 9 graus na escala Richter que devastou o Norte e Nordeste do país. Neste momento o problema era só o terremoto e o tsunami que o seguiu, o que já não seria pouco. Mas logo em seguida o prédio externo do reator de número 1 da usina nuclear de Fukushima explodiu, e o medo de um super-desastre atômico se espalhou pelo mundo.
Quem assistiu às imagens na TV japonesa pôde constatar a violência da explosão. E mesmo após reiteradas afirmações da empresa Tokyo Electric Power Co. (Tepco), responsável pela usina, de que o reator continuava intacto, e de que não havia vazamento radioativo, autoridades e especialistas passaram a mostrar um nervosismo no mínimo intrigante.
Informação oficial
Desafia a lógica acreditar que uma explosão como a que ocorreu não causou nenhuma rachadura na estrutura do reator. Corrobora com a hipótese de um desastre de grandes proporções todo o desenrolar da crise, principalmente a forma como os “pronunciamentos oficiais” foram divulgados praticamente sem nenhum questionamento.
Hoje, três dias após o tsunami e dois dias após a primeira explosão, os porta-vozes da empresa continuam dizendo que não há vazamento nuclear. Só não explicam direito como isso é possível se uma segunda explosão, ainda mais forte que a primeira, atingiu o prédio externo do reator de número 3 da mesma usina. Vale lembrar que eles mesmos admitem que trabalham incessantemente para conter o reator onde ocorreu a primeira explosão. Ou seja, o problema do primeiro reator não foi resolvido.
Outros fatos são interessantes para avaliar toda a situação no Japão. Nas primeiras horas após o terremoto, a estimativa “oficial” de mortos era de pouco mais de três dezenas. Isso para um tremor inicialmente avaliado em 7,9 graus na escala Richter. Quando a notícia do maremoto se espalhou, e as primeiras imagens de aviões militares que sobrevoaram a região mais afetada começaram a aparecer, o número “oficial” pulou para algumas centenas. Na medida em que mais imagens foram pipocando na Internet, mostrando toda a extensão do desastre, as estimativas se multiplicaram e ainda não pararam de crescer.
O governo japonês já fala em mais de 10.000 mortos e outros 10.000 desaparecidos. Ninguém perguntou como que o governo fez uma estimativa inicial se a principal região afetada estava “isolada” sem transporte, energia ou comunicação. Mesmo agora, há pouca confiabilidade nos números “oficiais”, visto que o governo de Tóquio está de joelhos, tentando apagar o incêndio em pelo menos dois reatores e com problemas já admitidos em outras cinco usinas na mesma região.
Fora de controle
E a crise nuclear segue os mesmos padrões de uma política de comunicação que prima pela desinformação. Além de negarem desde o início os indícios de uma situação grave, o governo e a Tepco, justificam como prevenção as medidas tomadas até o momento.
Uma recapitulação cronológica rápida. Logo após a primeira explosão em Fukushima no Sábado (12/03) o governo mandou evacuar todos os habitantes num raio de três quilômetros da usina. Aliás, tal informação era escamoteada nas “reportagens” dos grandes veículos. Apenas especialistas independentes iam dando tais dados em entrevistas esporádicas no rádio. No Domingo (13/03) a retirada de pessoas alcançava um raio de 10 quilômetros, subindo no mesmo dia para 20 quilômetros, e hoje (14/03) já se fala em 60 quilômetros em volta da usina a serem evacuados.
Até o momento 180 mil pessoas já foram evacuadas da região, levando a uma conclusão simples, expressada pelo especialista nuclear britânico, John Large, ao jornal The Independent: “Tudo indica que o governo japonês está se preparando para o pior”.
Abalo mundial
O desastre nuclear japonês já afeta profundamente a política energética de outros países. Na Europa, continente com 136 usinas atômicas instaladas, houve desde a primeira explosão em Fukushima protestos anti-atômicos em mais de 250 cidades, principalmente na França e Alemanha. Neste último, a questão tem um tom de revés para o governo conservador de Angela Merkel (Democrata Cristã).
Há poucos meses foi aprovada a prorrogação em 12 anos do funcionamento de usinas atômicas que seriam desligadas brevemente, segundo uma lei criada no governo anterior, de Gerhard Schröder (Social Democrata). Mas após o desastre no Japão, parece que o lobby nuclear perdeu espaço em Berlim.
No Sábado mesmo, o ministro das relações exteriores e vice-chanceler, Guido Westerwelle, deu uma declaração pouco simpática durante uma coletiva extraordinária em Berlin. “Minha preocupação agora é com relação às vítimas da catástrofe”, respondeu ele a jornalistas que o questionavam sobre os efeitos do acidente no Japão na política energética da Alemanha.
Dois dias depois, em outra entrevista coletiva na capital federal, Westerwelle admitiu reabrir o debate sobre o desligamento das usinas atômicas alemãs, numa reviravolta referente ao tema. “Posso imaginar uma mudança nos rumos da política sobre o prolongamento do funcionamento das usinas nucleares alemãs”.
O ministro do meio ambiente, que na Alemanha também cuida da segurança de reatores, Norbert Röttgen, como que paralisado, reagiu apenas com jogos de cena. No Sábado (12/03), num pronunciamento em evento do seu partido (Social Cristão), Röttgen vestiu a batina e só conseguiu pedir preces e orações aos mortos.
Um dia depois, em um debate na televisão pública ARD, o ministro alemão foi mais escorregadio ainda. Admitiu a gravidade do ocorrido no Japão, mas fugiu da pergunta feita pela apresentadora sobre o que tal evento significa para a política atômica da Alemanha. “Acho que nós tivemos mais uma experiência com essa catástrofe. Mas o risco de algo assim acontecer aqui na Alemanha é mínimo”, garantiu. Ao final, justificou a decisão de prorrogar o funcionamento de usinas atômicas como uma “decisão econômica”. “Pessoalmente, acho que devemos trabalhar por um possível desligamento das usinas nucleares, a dúvida é sobre como e quando poderemos fazer isso com segurança”, finalizou.
Por Mariano Senna, Ambiente JÁ, 14/03/2011