Às vésperas da mobilização nacional planejada por ruralistas no Congresso, o novo presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), Curt Trennepohl, entrou no debate sobre a reforma do Código Florestal ao defender “bom senso” e exigir mais “preservacionismo” das leis ambientais.
Recém-empossado no cargo, o advogado gaúcho afirma que a eventual mudança nas regras não limitará a ação do Ibama, mas tornará “menos exigentes” as leis ambientais cujo cumprimento é sua atribuição. “O Código Florestal não limita nossa competência, mas torna menos exigente, é um pouco mais permissivo”, disse ao Valor.
O governo tem evitado novas polêmicas com a bancada ruralista, já que negocia nos bastidores mudanças menos bruscas no código. O presidente do Ibama reconhece que o texto ainda pode mudar, mas faz um apelo aos deputados. “Isso ainda está em discussão, existem propostas. Mas espera-se que o bom senso impere”, afirma Trennepohl. O executivo arrisca uma sugestão aos congressistas: “Que, por exemplo, não se desobrigue a preservação de encostas. Está sabido que desmatar encostas e topos de morro leva a desastres naturais”, afirma, em referência à recente tragédia na região serrana do Rio. E completa: “Espera-se que não haja tanta bondade na discussão e aprovação do novo código”.
Na avaliação de Trennepohl, o Código Florestal precisa mudar conceitos. “Ele trata bem mais da utilização de recursos naturais do que de sua preservação”, diz. “Mesmo quando é preservacionista, grande parte da preocupação é econômica”. Mas isso não é, segundo ele, exclusividade das florestas. “O código das águas, por exemplo, diz que sua finalidade é preservar a água como insumo do processo produtivo”.
No Congresso, os lobbies estão a mil. Ruralistas e ambientalistas resgataram seus argumentos e discutiram ao longo das duas últimas semanas. Trabalhadores rurais e agricultores familiares encheram os corredores para pedir a aprovação do relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Ambientalistas reforçaram teses científicas para rejeitar as mudanças propostas.
O Ibama também tem preocupações com alterações na legislação que possam prejudicar suas atribuições. Um projeto em tramitação no Senado (PLC 1) retira poderes do Ibama e do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), delegando a Estados e municípios o papel de emissores de licenças ambientais. Trennepohl afirma que o projeto limita a competência de fiscalização ao órgão licenciador. “Em primeiro lugar, rezo para que o Senado altere esse dispositivo específico”, diz. “Depois, existe a possibilidade de a Presidência vetar isso. Ou a regulamentação poderá deixar esses macroprocessos ainda fiquem sobre a atuação do Ibama”, afirma Trennepohl.
Mesmo com as alterações propostas, relatadas pela senadora ruralista Kátia Abreu (DEM-TO), Curt Trennepohl afirma que boa parte das atribuições do Ibama resistirá. “Se nós considerarmos hoje o desmatamento da Amazônia, isso é de interesse nacional, (o projeto) não limita a competência do Ibama”, avalia. “Na regulamentação dessa nova lei, vai ser estabelecido o que permanece como interesse nacional. Pantanal, Cerrado, devem permanecer sob responsabilidade federal”.
Em defesa do Conama, do qual é membro, o presidente do Ibama rejeita que o colegiado, principal alvo dos ruralistas, tenha “postura ambientalista”, mas admite que é uma instância “preservacionista” necessária. “Hoje, as resoluções do Conama complementam essa legislação que é nova e dinâmica. O Conama não pode desaparecer porque teremos que normatizar, por decreto, uma enormidade de matérias que hoje tem seu aval. Ele é uma necessidade como forma de não engessar o processo ambiental”, avalia. A função do Conama, diz, é “compensar ou mitigar” o custo ambiental. “Seu papel hoje é importante para normatizar lacunas na lei. O Conama não é um atraso. Se não temos regras claras, isso gera judicialização, que é o que está acontecendo hoje”.
(Por Mauro Zanatta, Valor Econômico, EcoDebate, 11/03/2011)