Manifestantes seguiram até o local do atropelamento. Uma criança de não mais do que cinco anos de idade sobe na bicicleta. Ela tem dificuldades para se equilibrar nas duas rodas. A mão esquerda do pai segura o guidon e a direita encosta nas costas da menina. Assim, sob a segurança dele, ela pedala por entre centenas de pessoas. Mais adiante um menino com aproximadamente a mesma idade circula orgulhoso no seu veículo. Com a ajuda de rodinhas auxiliares, claro.
Essas foram apenas duas das inúmeras belas cenas que puderam ser observadas no final da tarde de ontem no largo Zumbi dos Palmares, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. A Capital teve ontem o seu primeiro grande ato de repúdio ao ocorrido na noite de sexta-feira na cidade, quando um grupo de ciclistas foi atropelado pelo funcionário público Ricardo Neis, 47 anos. Em caminhada que passou pelo lugar do ocorrido e seguiu até a prefeitura, no Centro, os manifestantes, muitos ciclistas, mas também skatistas e pedestres, cobraram justiça, humanidade e respeito no trânsito.
"Bicicleta! Um carro a menos" era o grito de guerra, o mesmo ouvido nas gravações que mostraram o momento em que o motorista vitimou os ciclistas. "Vi tudo, estava ao lado. Aquilo não sai da minha cabeça. A grande maioria dos atingidos não consegue usar a bicicleta. Ele (o motorista) venceu até agora. Com ele não aconteceu nada ainda. Quem foi atingido está quebrado, sem o seu veículo, e sem poder trabalhar", diz o ciclista do Grupo Massa Crítica chamado Guilherme, que não quis se identificar.
Foi um grande encontro de gerações. Mais de mil pessoas. Idosos, jovens, adultos e crianças. Ciclistas profissionais, amadores e pedestres. O sentimento que se podia captar era de revolta, mas era principalmente o de que algo tem de ser feito para que o fato não se repita.
Ricardo Ambus, 23 anos, foi o primeiro a ser atingido pelo Golf preto guiado por Neis. Ele fraturou o braço em dois lugares e teve de receber pontos na cabeça. "Não houve agressão alguma ao carro. Se tivesse ocorrido eu teria ouvido ou visto. Foi um atropelamento gratuito", afirma. Com o braço esquerdo engessado, Ambus exige a punição do responsável. "Ele não pode dirigir nunca mais. Tem de indenizar os feridos e as bicicletas danificadas. Tem de ir preso, sim, mas, quando sair da prisão, não pode dirigir novamente", enfatiza.
Em meio à repercussão do caso, Neis internou-se numa clínica psiquiátrica na tarde de ontem, dizendo-se muito abalado.
(Por Juliano Tatsch, JC-RS, 02/03/2011)