Às voltas com a liberação do canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte, bloqueada pela Justiça - o primeiro tema a lhe tirar o sono no cargo -, o novo presidente do Ibama, Curt Trennepohl, não arrisca um prazo para a concessão da licença para a construção da usina.
Especialista em licenciamento ambiental e funcionário de carreira do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Trennepohl defende regras claras para concessão de licenças, sem demora: "É como uma soma de dois mais dois, não pode dar margem à subjetividade". Disso tratará um pacote de decretos da presidente Dilma Rousseff, previsto para ser divulgado depois do carnaval.
Complicação maior do que Belo Monte vai ser o licenciamento de novas hidrelétricas no Rio Tapajós, na Amazônia, que o governo planeja ver em operação até 2019. No momento, ele também se diz preocupado com o aumento do desmatamento na floresta, registrado pelos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O motivo seriam novas pastagens. Trennepohl deu a seguinte entrevista ao Estado:
Qual a sua previsão para o Ibama liberar a licença para as obras da hidrelétrica de Belo Monte?
Neste momento, o governo busca suspender a liminar concedida pela Justiça Federal do Pará, que interrompe a instalação do canteiro de obras. Para a licença de instalação, continuam as análises. Os componentes indígenas, por exemplo, estão sendo trabalhados pela Funai. O cumprimento das condicionantes cabe aos empreendedores. Então, seria leviandade dar um prazo quando isso não depende exclusivamente de nós.
Um dos principais desafios da sua gestão vai ser o licenciamento das novas hidrelétricas do Rio Tapajós, em áreas de conservação da Amazônia. Quão difícil será a o licenciamento?
As hidrelétricas do Rio Tapajós são obras mais impactantes porque atingem unidades de conservação. A mudança do limite das unidades vai exigir aprovação de leis específicas. O processo ainda não chegou aqui. Mas, quando existem regras claras, o licenciamento é fácil. O problema hoje é que há lacunas na lei. Quando se judicializa um licenciamento, normalmente pede-se que o juiz supra uma lacuna que a lei não previu.
Essa é a área em que o sr. se especializou, dos conflitos jurídicos do licenciamento.
É a área na qual eu venho atuando bastante. E ela é hoje uma área muito sensível porque há muita subjetividade. Um técnico que analisa um estudo de impacto ambiental sem uma regra clara fica inseguro e sujeito a chuvas e trovoadas. Por outro lado, quando não há essa clareza, o Ministério Público pode ter um entendimento diferente do advogado público. Daí diz: é ilegal, e leva para a Justiça.
O pacote de decretos que a presidente Dilma Rousseff prepara para depois do carnaval vai tratar desse problema especifico?
Esse pacote vai procurar estabelecer regras claras para dar maior segurança jurídica ao licenciado, ao licenciador e ao servidor também. Com certeza isso agiliza, porque sai da subjetividade, vai provocar menor judicialização.
Outro efeito que se espera com o pacote é a redução do custo das condicionantes, que chegam a representar 17% do custo total de um empreendimento.
Principalmente no setor elétrico, esse custo embutido nas condicionantes é alto. Se vai ser construída uma linha de transmissão que vai passar por cima do rio, aproveita-se para exigir um estudo de migração e de população dos peixes (ictiofauna). São detalhes que têm de ficar claros, o que pode ser posto como condicionante, o que tem relação direta com o empreendimento. A margem de subjetividade hoje é muito grande. E isso atrasa também.
O que atrasa mais: a análise do Ibama ou a má qualidade de alguns estudos apresentados pelos empreendedores?
Agora, quando não chega bem feito, a gente devolve. Nos últimos meses, a diretoria de licenciamento devolveu três ou quatro estudos por não estarem bem feitos. Quando o estudo vem capenga, somos obrigados a pedir complementações, há demora, e ela é imputada ao Ibama. Mas são casos isolados. O estudo da hidrelétrica de Belo Monte foi um dos estudos de impacto ambiental mais bem feitos que já entraram no Ibama, mais consistentes tecnicamente.
O sr. também tem pela frente a liberação da licença para a BR-319 na Amazônia, uma obra do PAC. Há muita pressão?
De sexta para cá, não houve nenhuma pressão. Eu não sei como está o processo. O que me tirou o sono foi Belo Monte, que é uma questão controversa. O Ibama entende que a licença por etapas pode ser concedida, não é a primeira vez que isso acontece nem será a última. Tecnicamente e juridicamente, a coisa é muito clara: pode, pode; não pode, não pode. Existem condicionantes? Foram cumpridas? Então se licencia. É como uma soma de dois mais dois, não pode dar margem à subjetividade.
Preocupa o aumento do desmatamento na Amazônia, detectado pelos satélites?
Isso preocupa e é uma prioridade. Percebemos um surto no município de Brasil Novo, no norte do Pará. Aquilo é abertura de pasto. Já mandamos a fiscalização.
O sr. é funcionário de carreira do Ibama, foi corregedor. Que nota dá ao instituto?
Não posso dar nenhuma nota abaixo de dez, senão eu estaria falando mal do meu time.
(Por Marta Salomon, O Estado de S.Paulo, 01/03/2011)