No momento em que a Organização das Nações Unidas (ONU) anuncia 2011 como o Ano Internacional das Florestas, a discussão sobre o Código Florestal Brasileiro gira em torno de propostas como anistia a desmatadores, redução nas áreas de preservação permanente, ocupação de encostas e topos de morros, entre outras agressões à legislação ambiental em vigor.
Essas ameaças, reunidas no relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB), levaram pesquisadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC) a participar de um seminário na Câmara dos Deputados, terça-feira, 23 de fevereiro, para divulgar um estudo sobre os inevitáveis danos que tais mudanças provocarão. (Saiba mais.)
“O Código de 1965 precisa, sim, de modificações, mas a solução não está nesse substitutivo”, afirmou José Antônio Aleixo da Silva, coordenador do trabalho e professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Para o deputado Ivan Valente (Psol-SP), que foi um dos coordenadores da mesa do seminário, o resultado foi positivo. “Pela qualidade das informações e pela quantidade de pessoas presentes, ficou muito claro que o Relatório Aldo Rebelo foi elaborado em função dos interesses de uma corporação, do agronegócio, enquanto a ciência está a serviço dos grandes projetos de Nação, do interesse público.”
Valente defende que é preciso impedir a votação apressada do relatório. “Temos de ampliar a discussão porque todo dia aparecem fatos novos, desde as tragédias da região serrana do Rio até este seminário, onde a SBPC assumiu publicamente uma posição mais clara e incisiva contra o relatório do Aldo.”
O substitutivo de Rebelo ao Código Florestal já foi aprovado em julho por uma comissão especial e agora deve passar pela votação dos 513 deputados em plenário. A bancada ruralista vem promovendo reuniões com os partidos na tentativa de fortalecer a pressão sobre a presidência da Casa para que coloque o relatório em votação ainda em março. Para Ivan Valente, os ruralistas aceitarão votar o substitutivo até meados de abril. “Mas nós podemos adiar isso, se contarmos com a capacidade de pressão da sociedade.”
Preocupação ultrapassa fronteiras
A preocupação com os danos ambientais, caso seja aprovado o relatório do deputado Rebelo, ultrapassou as fronteiras brasileiras. A Rede Latino-Americana de Ministério Público Ambiental, que representa 17 países, em apoio à Associação Brasileira do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e organizações da sociedade civil, entregou à presidência da Câmara uma moção em que pede a rejeição do projeto.
Da mesma forma, o Instituto O Direito Por um Planeta Verde, que reúne magistrados, promotores de justiça, procuradores, advogados e membros de instituições universitárias, definiu como grave a ameaça às florestas contida na proposta. “A pretexto de uma revisão e de uma adequação da legislação florestal, o que estamos vislumbrando é um retrocesso muito significativo que vai ter e já está tendo repercussões, com o aumento do desmatamento, sobretudo na Amazônia”, afirmou o presidente do Instituto, Carlos Teodoro Irigaray. O relatório de Rebelo, aprovado em 6 de julho de 2010 por 13 a 5 na comissão especial que discutiu o tema gerou uma enorme polêmica. O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), propôs a criação de uma comissão de entendimento para tentar promover uma negociação que permita a votação da matéria ainda nesse semestre.
Deputado diz que relatório é imprestável
“A presidente Dilma Rousseff não pode iniciar seu governo com um retrocesso dessa magnitude na nossa legislação ambiental. Vamos discutir a criação de uma comissão mista de ruralistas e ambientalistas, que permita um parecer mais equilibrado sobre a necessidade de mudanças e atualização no Código Florestal”, disse ao ISA o deputado Ricardo Trípoli (PSDB-SP).
“Vamos reavaliar tudo. O relatório do Aldo é imprestável. Precisamos partir do patamar zero. Também estou pedindo a agenda da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, para marcarmos uma conversa. Vi pela mídia que existe a intenção de o MMA apresentar proposta alternativa”, acrescentou o deputado do PSDB.
A proposta de retomada das discussões em um patamar mais equilibrado entre ambientalistas e ruralistas é apoiada pelo deputado Dr. Rosinha (PT-PR): “Acho que teremos de retomar o debate desde o início, não só pelas questões ambientais e os desastres ocorridos recentemente, mas também porque 46% dos parlamentares são novos.”
O deputado apresentou uma proposta de substitutivo ao relatório de Rebelo que, segundo afirmou, foi construída em parceria com setores do governo. “Não é o ideal, é apenas reparação de danos. Quando você tem um relatório aprovado, como já aconteceu na comissão especial, em julho de 2010, ou ele é aprovado no plenário ou é rejeitado por completo. Como conheço a Câmara, sei que será muito difícil que seja rejeitado por completo. Meu relatório pode desencadear uma retomada do debate que, espero, permita avançar ainda mais, se possível, anulando totalmente os danos causados pelo relatório do Aldo. O MMA tem condição de refazer esse debate.”
Alternativa é comitê de bacias
Para o engenheiro agrônomo Arnaldo Carneiro Filho, especialista em ecologia de paisagens, o resultado da votação da proposta de Aldo Rebelo pelo plenário da Câmara dos Deputados não mudará o objetivo das discussões: “Vamos continuar precisando de um novo Código Ambiental. Com o atual, só acumulamos perdas. E a chance que tínhamos de recuperar o passivo estará perdida com a proposta do deputado Aldo Rebelo.”
Carneiro Filho diz que prefere evitar a discussão sobre os dois códigos: “Tenho me abstraído porque estou convicto de que precisamos construir uma coisa nova, um Código que enxergue, primeiro, a realidade, que seja capaz de fazer uma bela radiografia da situação, e nenhum dos códigos foi feito com essa base.” Ele discorda que o debate tenha de incluir no outro polo os proprietários rurais. “É besteira ficar brigando com eles. Eles são 5,2 milhões no país e até hoje nós não temos a questão fundiária resolvida. Então, eu não enxergo esses proprietários na paisagem. Não tenho como estabelecer metas para eles, como o Código estabelece, se não há como monitorar o cumprimento das metas. Esse é o grande blefe do Código. Cria obrigações, sem que se vislumbre qualquer capacidade de controle sobre isso. Tanto no Código velho quanto nas propostas para mudanças. Enquanto não tivermos propriedades rurais bem expostas nos mapas, não vamos verificar quem cumpre e quem não cumpre.”
Para o agrônomo, o que ele chama de “novo recorte na governança da polêmica” passa pela proposta dos comitês de bacias hidrográficas. “Desde a lei de gestão de águas, criamos uma figura de governança, os comitês de bacias, e eu gostaria de trabalhar mais com essa ideia. Pode ser um grande ordenador de negócios, que permitirá identificar quem são os agentes importantes naquela bacia. Seriam os urbanos que consomem água, seriam as indústrias, os serviços, os agricultores?... Ou seja, a ideia era associar água e floresta, já que ecologicamente eles são associados, e as metas a gente poderia estabelecer por bacias hidrográficas.” Os comitês de bacias teriam capacidade de gerar negócios, recompondo os passivos industriais, o consumo de água urbana, os serviços e as atividades dos ruralistas, que também são parte dessa trama. “Paralelamente, vamos praticar uma economia florestal seriamente estimulada no Brasil. Essa é nossa grande vocação. Não é boi, não é soja, nada disso, mas é plantar florestas. Defendo um modelo mais proativo, menos jurídico, menos legalista e com mais oportunidades econômicas. Esse é o atrativo para quem está no campo.”
Florestas sustentam 1,6 bilhão de pessoas
Depois de anunciar 2011 como Ano Internacional das Florestas, as Nações Unidas desenvolvem, desde o dia 2 de fevereiro, atividades para “promover a consciência e fortalecer uma gestão, conservação e desenvolvimento sustentável”. Segundo estimativas, 1,6 bilhão de pessoas dependem das florestas para sobreviver e, no mundo todo, as matas são a casa de 300 milhões de indivíduos. Esse ambiente é o habitat de 80% da biodiversidade existente no planeta.
Apesar dos argumentos convincentes lançados pela ONU para estimular a preservação, o desmatamento ainda é um inimigo presente na busca pelo desenvolvimento sustentável. Um estudo da organização Conservação Internacional (CI) divulgado dia 2 de fevereiro, identificou as dez florestas mais ameaçadas do mundo – o Brasil aparece na lista com os apenas 8% que restaram da Mata Atlântica. No dia 3 de fevereiro, o jornal O Estado de S. Paulo informou que nos cinco meses que se seguiram à menor taxa de desmatamento da Amazônia em 22 anos, o ritmo das motosserras na floresta voltou a crescer. Os satélites do Inpe indicaram aumento de 11% no abate de árvores entre agosto e dezembro de 2010, comparado ao mesmo período do ano anterior.
Captado pelos satélites do sistema Deter, mais rápido e menos preciso, os números não permitem afirmar, por ora, que houve reversão na tendência de queda do desmatamento, registrada por dois anos consecutivos. Mas os dados já deixam a área ambiental do governo em alerta, afirma o jornal. Entre agosto e dezembro do ano passado, os satélites registraram o abate de 1.267 quilômetros quadrados de floresta. No mesmo período de 2009, o mesmo sistema havia captado o desmatamento de 1.144 quilômetros quadrados, informou o Estadão.
No dia 5, o diário carioca O Globo informou que o Ibama antecipou a temporada de fiscalizações, que normalmente são deflagradas em março. De acordo com o jornal, naquela semana, o órgão desmontou um desmatamento em área pública: foi aberta uma clareira de 2 mil hectares em Castelo dos Sonhos, distrito de Altamira, no Pará. “O cerco aos contraventores no chamado cinturão do desmatamento (Pará, Mato Grosso e Rondônia) força os madeireiros a migrar rumo às áreas de difícil acesso e floresta virgem no Amazonas, o maior e mais bem preservado estado da região”, relata a matéria. “Depois de identificar o avanço em direção às matas intocadas, os fiscais elegeram cinco grandes pontos de combate aos madeireiros, guarnecidos por patrulhamento aéreo e fluvial: o Sul do Amazonas; o Sul de Roraima; a região de Barra do Corda, no Maranhão; o Centro-Sul do Pará; e a área crítica de desmate na divisa entre Pará e Mato Grosso. Dez ações estão em curso neste momento.”
Em Castelo dos Sonhos, os fiscais se surpreenderam com o tamanho da destruição - equivalente a 2 mil campos de futebol - em pleno período de chuvas e numa área de difícil acesso. Além do embargo do terreno, o Ibama já pediu à Justiça autorização para destruir maquinário e veículos, mas ninguém foi preso em flagrante, afirmou o diário carioca.
(Por Julio Cezar Garcia, ISA, 28/02/2011)