O grupo de especialistas da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Academia Brasileira de Ciências (ABC) formado para analisar as mudanças do Código Florestal rejeitou, na última terça-feira (22/2), as principais propostas do relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) sobre o assunto. “O Código de 1965 precisa, sim, de modificações, mas a solução não está nesse substitutivo”, afirmou José Antônio Aleixo da Silva, coordenador do trabalho e professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Elaborado ao longo dos últimos sete meses, o estudo dos pesquisadores está em fase de revisão e deve estar disponível em 20 dias (acesse o sumário executivo clicando aqui).
Reunidos num seminário realizado na Câmara dos Deputados, os cientistas reforçaram a importância das áreas atualmente protegidas pela lei nas propriedades privadas para a manutenção da própria produção agropecuária e a prevenção das tragédias que vêm ocorrendo no Brasil por causa de enchentes e deslizamentos. Também deixaram claro que o País pode seguir ampliando essa produção com saltos de produtividades e não com o aumento do desmatamento.
O evento reuniu cerca de 350 pessoas, entre elas mais de 30 parlamentares, para discutir aspectos jurídicos e científicos do Código Florestal
No seminário, que teve participação de cerca de 350 pessoas, entre elas 34 deputados, foram abordados aspectos jurídicos e científicos das alterações propostas para o Código Florestal. Enquanto o evento ocorria, o deputado Rebelo defendia sua proposta em uma sala a alguns metros de distância (veja entrevista). Para atacar a lei atual, ele costuma dizer que ela não tem fundamentação científica. Segundo Paulo Adário, representante do Greenpeace no seminário, das 391 pessoas ouvidas pelo deputado para elaborar seu relatório em audiências públicas, apenas 15 eram cientistas.
Todos os parlamentares foram convidados a participar do encontro. Um convite especial para compor a mesa foi feito ao deputado Marcos Montes (DEM-MG), secretário executivo da Frente da Agropecuária, mas ele não compareceu.
“Hoje, o descumprimento do código é muito mais uma questão de planejamento agrícola e ambiental do que uma questão de uma legislação ambiental correta”, defendeu o professor Ricardo Rodrigues, pesquisador da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP). Ele contestou um dos principais argumentos dos defensores do projeto de Rebelo: o de que a lei atual é impossível de ser cumprida. Rodrigues fez um levantamento em regiões canavieiras de São Paulo e descobriu que na maioria dessas propriedades o percentual da área utilizada já atende os limites impostos pela legislação. Lideranças ruralistas, ao contrário, têm repetido que mais de 90% dos produtores estariam na ilegalidade.
Segundo o pesquisador, a demanda por Áreas de Preservação Permanente (APPs) pode ser bem menor do que se imagina. Nas fazendas pesquisadas por ele em São Paulo, ela seria de cerca de 10%. “Se diminuirmos a APP, teremos um grande impacto em termos de biodiversidade e quase nenhuma alteração em termos de impacto econômico para a produção”, afirmou. “Temos de melhorar a agricultura, estabelecendo uma boa política agrícola, e fazer isso de forma integrada com a política ambiental. É possível produzir com alta tecnologia e sustentabilidade, respeitando mata ciliar e Reserva Legal. Este é o grande desafio no qual o substitutivo não entra”.
A APP é a faixa de vegetação situada ao longo de corpos de água, no topo de morros e em encostas que não pode ser eliminada segundo o Código Florestal atual. O relatório de Rebelo pretende diminuir a faixa mínima de APP de 30 metros para 15 metros. Além disso, prevê medir toda APP a partir do leito do curso de água na época de seca. Atualmente, isso é feito com o leito na época de cheia.
Preservação da vida humana
“Uma coisa comum a todas as pessoas atingidas por inundações e deslizamentos é que elas estão em áreas de risco. Quando olhamos o que o código atual prescreve, assim como o substitutivo, vemos que a maioria dessas áreas não é proibida”, comentou Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e atual secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT).
De acordo com Nobre, locais de risco com declividade acima de 25% não poderiam ser ocupados por casas e prédios. Ele defendeu que, para isso, o novo código florestal faça uma distinção clara entre APPs urbanas e rurais com base no princípio da preservação da vida humana. Uma das principais polêmicas que cerca o projeto de Aldo Rebelo é se ele amplia ou não a possibilidade de ocupações em áreas urbanas de risco. O deputado afirma que não.
O diretor do Instituto o Direito por um Planeta Verde (IDPV), Gustavo Trindade, lembrou que o projeto de Rebelo prevê que topos de morro deixarão de ser APPs. Ele considerou que, levando em conta a jurisprudência sobre o tema, o relatório deixa, sim, margem para ocupações inseguras. Em sua apresentação, Trindade mostrou que os descontos previstos pela proposta de Rebelo nas áreas de Reserva Legal (RL) das propriedades podem fazer com que ela chegue a zero em alguns casos. O advogado criticou a proposta de se anistiar quem desmatou ilegalmente até 2008.
A RL é a fração de toda propriedade rural que não pode ser desmatada segundo o código atual. Ela é de 80% no bioma amazônico, de 35% no Cerrado dentro da Amazônia Legal e de 20% no resto do País.
“Acho que o seminário serviu para colocar em dúvida, senão para desmontar, alguns dos principais pressupostos do relatório de Aldo Rebelo”, avaliou Raul Telles do Valle, coordenador adjunto do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS), do ISA. Ele afirmou que os cientistas deixaram claro que é possível recuperar os passivos ambientais sem que isso prejudique a produção agropecuária nacional. Valle chamou a atenção para a necessidade de políticas agrícolas e de crédito que incentivem e viabilizem o cumprimento da legislação.
(Por Oswaldo Braga de Souza, ISA, 24/02/2011)