Após driblar dificuldades de logística e um impasse fundiário que atrasou em pelo menos três meses sua operação, a usina eólica Alegria I foi inaugurada oficialmente ontem no Rio Grande do Norte. O empreendimento, orçado em R$ 330 milhões, é parte de um complexo que, quando concluído, deverá ser o maior gerador de energia a partir do vento da América Latina. A usina também é a terceira a entrar em funcionamento no estado, um dos mais promissores do país no setor.
No caso de Alegria I, a placa foi descerrada ontem, mas a operação comercial começou em dezembro do ano passado. A usina está localizada no município de Guamaré, a 165 Km de Natal, e comercializa a energia que produz à Eletrobras, por meio do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa). O contrato entre as partes foi fechado em 2004. Por mês, a usina gera uma receita bruta de R$ 3,6 milhões, de acordo com informações do presidente da New Energy Options, subsidiária da empresa brasileira Multiner, que controla o empreendimento, Paulo Seidel.
Ocupando uma área de 310 hectares e dona de uma capacidade instalada de 51,15 Megawatts (MW) de energia - o suficiente para abastecer 70 mil residências - Alegria I é parte do parque eólico Alegria, que terá uma segunda usina - a Alegria II, com o dobro do tamanho da primeira - entrando em funcionamento em agosto deste ano, diz o vice-presidente da Multiner, Hugo Seabra. As duas usinas entram em operação após o previsto pelo grupo.
Atraso
O atraso foi motivado por um um impasse envolvendo a área em que está sendo construído o parque. No início do ano passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou que foi foi constatada a existência de outro empreendimento outorgado na mesma área. O outro projeto era o Miassaba III, controlado por um consórcio formado pela Bioenergy. “A questão envolveu algumas terras que seriam utilizadas no projeto, mas a polêmica foi resolvida”, diz Paulo Seidel, da Multiner. O problema fundiário provocou, porém, atraso de pelo menos três meses no projeto de Alegria I. No caso de Alegria II, que deveria ter entrado em funcionamento em agosto de 2010, houve um atraso de aproximadamente um ano.
Com o problema resolvido, a segunda etapa do Alegria começou a ser implantado. Cerca de 80% dos equipamentos já estão no local. Dezenas de pás empilhadas na área são exemplos disso. As obras de fundação e de acessos também já foram iniciadas. A perspectiva é que a construção se intensifique a partir de março e que no pico dos trabalhos sejam gerados cerca de 1 mil empregos diretos, o dobro do que gerou Alegria I. A área em que será instalada a segunda usina fica ao lado da primeira.
Investimentos são de longo prazo
Durante a solenidade de inauguração da usina Alegria I, o vice-presidente da Multiner, Hugo Seabra, disse que a companhia tem uma política de investimentos de longo prazo para o Rio Grande do Norte, sem revelar, no entanto, quantos novos parques serão implantados nem quanto será desembolsado no estado nos próximos anos. “Mas certamente teremos novos parques. Queremos muito mais que os 150 Megawatts (MW) que começam a ser produzidos”, frisou, em discurso, mencionando a capacidade total instalada prevista para o primeiro empreendimento no RN, o Alegria, quando as duas etapas do projeto estiverem operando.
emanuel amaralGovernadora Rosalba Ciarlini esteve presente na cerimôniaGovernadora Rosalba Ciarlini esteve presente na cerimônia
A perspectiva de crescimento do grupo se concentra nas cidades de Guamaré e Macau, onde mantém duas torres de medição do vento que poderão indicar em parte a viabilidade de novos projetos. Em fase mais adiantada está a intenção de montar um terceiro parque, em área próxima ao Alegria. O parque Guamaré geraria 30 MW e demandaria um investimento da ordem de até R$ 150 milhões, considerando cada megawatt instalado custa em média de R$ 4 milhões a R$ 4,5 milhões, de acordo com Seabra.
Ele explica que a companhia tentou emplacar o parque no último leilão para comercialização de energia eólica, realizado em 2010, mas acabou desistindo da disputa porque o preço da tarifa caiu a um patamar que, segundo o executivo, já não remunerava o capital que deveria ser empregado no negócio. “Mas foi uma característica muito específica daquele leilão e acreditamos que isso não deve se repetir”, diz. A intenção, de acordo com ele, é entrar na disputa por mercado novamente com o parque, no leilão que é previsto para até o final do primeiro semestre do ano.
Financiamento
Para concretizar os primeiros dois projetos no estado, a Multiner, por meio da New Energy, tem contado com financiamento do Banco do Nordeste. No caso de Alegria I, dos R$ 330 milhões investidos, R$ 250 milhões são oriundos de financiamento do banco. Para implantar Alegria II, dos R$ 490 milhões que serão desembolsados, R$ 399 milhões deverão ser financiados, numa operação que possibilita pagamento em 20 anos. “Estamos em fase final de contratação de empréstimo com o banco. Esperamos que isso aconteça até meados de março, para que a obra civil ganhe impulso”, diz Paulo Seidel, presidente da New Energy.
Entre 2008 e 2010, o BNB financiou R$ 1,14 bilhão para a geração de energia eólica em sua área de atuação, que compreende, além do Nordeste, o norte dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. O Rio Grande do Norte respondeu por R$ 648,7 milhões, ou com 56,4% desse total. O presidente do banco, Roberto Smith, disse ontem que o banco mantém a estratégia de operar com recursos mistos, para abocanhar a maior fatia possível dos financiamentos demandados pelo setor. A investida é necessária porque o FNE, principal fonte de recursos do banco, já não é suficiente para atender, sozinha, essa demanda.
Guamaré
A cidade de Guamaré, uma das principais alavancas no desenvolvimento da indústria do petróleo do Rio Grande do Norte, passará a ser, também, uma das principais produtoras de energia do estado, com a inauguração das usinas Alegria I e II, observou ontem o prefeito, Auricélio Teixeira. Ele disse que o município nasceu como um povoado de pescadores e cresce com a economia sustentada em atividades como agricultura, salineira, carcinicultura, petrolífera e energética. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o município tem o maior PIB per capita potiguar, o segundo maior do Nordeste e o 14º do país. Isso quer dizer, na prática, que se toda a riqueza produzida fosse distribuída entre os seus habitantes, cada morador teria direito a R$ 105 mil, por ano. O fato de ter um dos maiores PIBs per capita do país não se traduz, porém, em um nível de vida proporcional para a população.
Quanto tempo levou a obra da usina?
A obra civil foi de julho a dezembro de 2010, mas, claro, antes cumprimos uma série de etapas. Já tínhamos, por exemplo, comprado equipamentos e equacionado a parte ambiental. Um detalhe interessante é que esse é um tipo de empreendimento que precisa de muito vento para funcionar, mas que durante a construção torce para que se tenha pouco vento. Principalmente quando se monta a terceira parte da torre e o aerogerador, porque o guindaste sobe com o equipamento e vai encaixando. Quando está ventando muito é mais difícil. E como tivemos um cronograma no final da obra apertado, precisamos do apoio dos fornecedores. Muitas vezes, eles tiveram que fazer essas operações de madrugada, porque ventava menos.
Qual é o principal desafio na montagem desses parques?
Tem uma série de desafios, mas o mais crítico de todos é a parte logística. Porque você tem um percentual relevante de equipamentos importados e que vem por via marítima. Então - estávamos conversando isso agora com a governadora - esse é um ponto crítico de investimento. Hoje o porto de Suape, em Pernambuco, tem sido o grande centro de importação de equipamentos. E aí a logística de transporte desses equipamentos até o parque é critico.
Nova usina confere mais segurança energética ao RN
O início da operação da Usina Eólica Alegria I dobra a potência instalada para geração de energia eólica no Rio Grande do Norte e confere ao estado mais segurança energética, segundo o presidente da New Energy, Paulo Seidel. Mas os investimentos programados para o estado no setor vão além do empreendimento. A previsão é que pelo menos 70 novos parques sejam implantados em território potiguar nos próximos anos, prometendo algo em torno de R$ 9 bilhões em investimentos e aumenta em cerca de 20 vezes o que há em operação atualmente.
Antes de Alegria I, já funcionavam no estado parques nos municípios de Rio do Fogo e Macau, com capacidade somada de 51,1 MW. A governadora Rosalba Ciarlini, presente na solenidade de inauguração da usina da Multiner, ontem, ressaltou a importância desse tipo de empreendimento para o desenvolvimento do estado e disse que o governo dará apoio aos investidores, com a criação, por exemplo, de um centro tecnológico para desenvolver pesquisas e treinar engenheiros e técnicos.
O secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Benito Gama, disse que o centro será financiado com recursos da Fundação de Apoio à Pesquisa do estado, a Fapern, e também pelas empresas do setor. Até 1% do faturamento delas deverá ser destinado a financiar as atividades do centro. De acordo com Gama, o centro planejado pelo governo deverá ser um complemento do CTGás, que começou a capacitar mão de obra para o setor, mas deverá deixar essa missão exclusivamente para o estreante.
O Centro Tecnológico de Energia Eólica que será implantado pelo governo treinará 10 mil trabalhadores, de acordo com a governadora. “Precisamos juntar energia e saber para promover o desenvolvimento do RN”, propôs ela, durante o evento. Hoje, ela deverá se reunir com representantes do setor para tratar desse assunto de alguns gargalos como o de infraestrutura.
(Tribuna do Norte, 25/02/2011)