Levanta suspeitas plano ministerial de lançar por decreto pacote para acelerar o licenciamento de grandes projetos de infraestrutura
Causa apreensão o anúncio pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) de que se encontra em gestação um "choque de legislação ambiental" para depois do Carnaval. O objetivo seria acelerar processos de licenciamento ambiental, alvo de queixas frequentes de representantes do setor empresarial, sobretudo em ramos com forte impacto sobre a natureza, como energia elétrica e petróleo.
Uma série de decretos estaria em preparo para acelerar obras de infraestrutura e a exploração do pré-sal. Segundo o MMA, não se cogita afrouxar exigências, mas apenas rever quais informações seriam de fato relevantes para o licenciamento de tipos diversos de atividade. O retrospecto dos últimos anos, contudo, autoriza considerar a ressalva do ministério com alguma reserva.
Ninguém ignora que o licenciamento ambiental no Brasil pode arrastar-se por meses e até anos. Em casos complexos, como hidrelétricas que alagam centenas ou milhares de quilômetros quadrados de florestas, a minúcia na avaliação ambiental tem sua justificativa. São obras de longo prazo, que podem acomodar o necessário rigor sem maior prejuízo.
Noutras situações, as exigências alcançam proporções bizantinas. Não raro, chegam a ponto de travar ou atrasar investimentos importantes para o desenvolvimento, como os que envolvem infraestrutura logística -estradas, ferrovias, dutos e portos.
Um exemplo é o da exploração de petróleo. Cada uma de suas quatro fases de implantação (sísmica, de prospecção, de produção e de desativação) exige três licenças, ou 12 no total, para um só poço. E o que é pior, com alto grau de redundância nas informações solicitadas em cada etapa.
Cabe ao governo encontrar o ponto de equilíbrio entre os vários interesses em conflito. A economia e a sociedade precisam de mais energia e de estradas muito melhores do que as hoje existentes. Necessitam, porém e igualmente, de prevenção e remediação para danos ambientais.
O balanço entre um imperativo e outro pode, por vezes, ser obtido por meio de compensações. Em 2009, o MMA -sob pressão constante do setor de geração de energia termelétrica- fez incluir no processo de licenciamento o compromisso de neutralizar com plantio de árvores parte da contribuição da queima de combustíveis para o aquecimento global. Nova grita levou o governo federal a revogar a medida em 2010.
O governo Lula atravessou dois mandatos sob a suspeita constante de inclinar-se a favor mais de grandes obras questionáveis -como a transposição do São Francisco, a usina de Belo Monte e o trem-bala- do que da cautela ambiental. Cabe à nova administração corrigir rumos e procurar investir no equilíbrio virtuoso e racional entre as demandas. Montar um pacote de decretos no recesso dos gabinetes brasilienses não parece o melhor modo de fazê-lo.
(Folha de S. Paulo, 22/02/2011)