A votação do novo Código Florestal, que tem provocado muita discussão entre ambientalistas e representantes do agronegócio, está prevista inicialmente para o mês de março. O redator do projeto, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), é um dos que defende o cumprimento do prazo, decidido na legislatura passada. No entanto, se depender da bancada petista na Câmara Federal, a decisão deve ficar para um pouco mais tarde. Em reunião ocorrida na tarde de terça-feira (15/02), a bancada elaborou um cronograma, no qual a votação é adiada em nome da intensificação dos debates em torno do polêmico projeto. “Talvez seja possível votar em abril. Queremos votar no primeiro semestre, mas é preciso debater mais”, diz Fernando Marroni (PT-RS), em entrevista para o Sul21.
Segundo o deputado, vários pontos significativos do projeto, como a anistia aos desmatadores e as alterações nas Áreas de Preservação Permanente, “não podem passar” do jeito que estão. Para diminuir a insatisfação dos setores ligados à preservação ambiental, o Ministério do Meio Ambiente está elaborando um substitutivo, junto a outras pastas do governo federal, no qual esses pontos são modificados.
Logo após a reunião do grupo de trabalho do PT encarregado de discutir as mudanças, Fernando Marroni conversou por telefone com o Sul21. Na entrevista, explicitou os pontos que causam maior desconforto à bancada petista, e rebateu as alegações de setores ligados ao agronegócio, que dizem que a atual lei inviabiliza o aumento da produtividade e criminaliza a produção rural. E garantiu: caso os pontos polêmicos permaneçam no texto, o novo Código Florestal não será votado no mês que vem. “Os que querem votar agora são os querem que o Código passe do jeito que está. E isso nós não estamos dispostos a aceitar”, assegurou.
Sul21 – A bancada petista reuniu-se hoje para discutir o posicionamento quanto ao novo Código Florestal. O que saiu da reunião?
Fernando Marroni – O problema é o seguinte: pelo menos 40% do Congresso está assumindo agora, sem nenhuma ideia do que está sendo debatido (sobre o novo Código). Não dá para pegar o que foi discutido na Comissão Especial de outra legislatura, levar ao plenário e colocar em votação. Tem que haver um debate sobre isso. Nós do PT já tínhamos apresentado um voto em separado, deixando claro que não concordávamos com a anistia (aos desmatadores), com a diminuição das Áreas de Preservação Permanente, que queríamos a proteção dos mananciais hídricos… Nós também não concordamos com um termo que foi colocado no relatório, que fala em imóvel rural, ao invés de propriedade rural, porque um produtor rural pode desmembrar sua propriedade em vários imóveis e fugir da legislação. Então, temos uma série de pontos que é preciso discutir. Nós achamos que o relatório do deputado Aldo Rebelo avança, introduz temas atuais. Mas existem esses pontos, que não podem ser votados (sem discussão). Então, estamos fazendo esse debate dentro do partido. Tivemos essa primeira reunião, na qual elaboramos um cronograma. O Ministério do Meio Ambiente já está elaborando um substitutivo, fomos informados sobre isso. Então, nós achamos que não dá para votar no mês de março.
Sul21 – Então, é real a possibilidade de que o texto não seja votado no mês que vem?
FM – Sim, a possibilidade existe. Nós achamos que não há tempo suficiente para fazer um debate que levou seis meses na outra legislatura assim, a toque de caixa, com um cronograma de carnaval pelo meio.
Sul21 – Mas o deputado federal Aldo Rebelo, redator do novo Código, nos disse que havia um acordo entre as bancadas para que a votação acontecesse em março.
FM – O acordo foi feito na legislatura passada. Levando em conta a nova realidade do Congresso Nacional, a entrada de um novo governo, isso pode ser alterado. E sem prejuízo. Mais 30 dias, 60 dias ou 70 dias para o debate não vai criar problemas. Os que querem votar agora são os querem que o Código passe sem debate, assim como está. E isso nós não estamos dispostos a aceitar.
Sul21 – O senhor acredita, então, que não houve debate suficiente sobre o assunto nos últimos anos?
FM – A lei do Código Florestal em vigor no Brasil é de 1965. E o legislador, na época, foi muito prudente com relação aos temas ambientais. Hoje, mais do que nunca, a pauta ambiental interessa ao planeta inteiro. Inclusive com relação aos desastres nas áreas urbanas – e o relatório atual é omisso com essa questão, não toca no assunto das áreas urbanas. Com as mudanças climáticas, com os desastres ambientais que estamos vivendo, com toda essa polêmica que envolve o clima do planeta, não podemos ter um projeto (no Brasil) que trate apenas dos problemas mais imediatos. Não podemos nos basear em alguns argumentos colocados pela bancada ruralista, embasados no parecer de um único técnico da Embrapa, não sendo nem mesmo uma posição oficial da Embrapa como um todo. Aliás, pelo contrário: a Embrapa tem sustentado que é possível dobrar a produção agrícola do Brasil sem ter que derrubar mais nenhum hectare de árvores. Temos exemplos nesse sentido na Região Sul, que nós estamos trabalhando junto com a Embrapa na questão do milho. Nós temos, na pequena agricultura, 12 mil hectares de milho plantado, e a nossa produtividade é de 50 sacas por hectare. Nos Estados Unidos, são 250 sacas (por hectare). Não queremos adotar o modelo norte-americano no Brasil, mas não é possível que a gente continue produzindo apenas 50 sacas por hectare, que é um ritmo de produção do Século XVIII! Temos tecnologia suficiente, hoje, para aumentar a produção brasileira, sem adotar esse argumento dos ruralistas de que não é possível produzir mais na área que temos atualmente. Então, esse é o debate estratégico que precisa ser feito no Brasil. É muita coisa para ser tratada no afogadilho.
Sul21 – Os produtores rurais defendem que é necessário mudar alguns critérios em relação às Áreas de Preservação Ambiental, para que o Brasil possa produzir mais alimentos…
FM – Não temos dúvida de que o governo tem que chegar a uma compensação pelos serviços ambientais para a pequena propriedade, para não inviabilizar a produção. Também é possível permitir algumas coisas nas áreas de preservação dos mananciais hídricos, como o cultivo de frutas, que não movimenta constantemente o solo. Esse tipo de flexibilização é possível. Mas, por exemplo, em encosta de morro com inclinação de 25 a 45 graus, permitir corte no topo do morro é sinônimo de deslizamento. Isso já está mais do que comprovado, não podemos deixar isso passar. Agora, áreas consolidadas de vinho no Rio Grande do Sul, ou de maçã em Santa Catarina, podem ter um licenciamento negociado, que não crie riscos de desmoronamento ou algo semelhante. O que não dá é para fazer uma regra geral de que está liberado topo de morro, que está liberado encosta, como está previsto na atual proposta de Código Florestal.
Sul21 – Em conversa conosco, o deputado Aldo Rebelo atribuiu as críticas feitas ao novo Código à “desinformação” de ONGs e entidades ambientais, que acabam sendo reproduzidas por outros setores políticos e sociais. O que o senhor pensa dessa posição?
FM – Eu vejo isso como uma defesa dele, e não como uma afirmação que represente a realidade.
Sul21 – E quanto à anistia aos desmatadores? Entidades ambientais acreditam que, se aprovada, essa anistia será praticamente a legalização do desmatamento. O senhor concorda?
FM – Nós temos um passivo de mais de R$ 10 bilhões em multas para propriedades rurais. Imagina o que significaria uma anistia, levando em conta esse valor. Se a anistia for aprovada, além de não haver necessidade de recuperar as áreas desmatadas, os infratores não vão ter que arcar com as consequências dos crimes que cometeram. Isso é um incentivo ao desmatamento. Seria uma ação antipedagógica.
Sul21 – Mas representantes do agronegócios defendem exatamente o contrário. Dizem que a atual legislação os criminaliza, que é praticamente inevitável que um produtor rural acabe descumprindo a lei…
FM – A única atividade econômica, no Brasil, que não precisa de licença ambiental é a agricultura. Outro dia, ouvi um argumento de um produtor rural dizendo “a terra é minha, como o governo vai confiscar 20% da minha produção?” E eu respondi dizendo que uma fábrica ou uma indústria precisa ter todo o regramento dos impactos ambientais. Os empresários precisam fazer investimentos para tratar da água, das emissões de carbono… Por que a atividade rural vai ficar isenta disso? Não se trata de confisco, como alguns falam, e sim de algo muito importante, inclusive para a agricultura. Cerca de 70% da água do mundo é usada na agricultura, só 30% vai para consumo humano. Se os mananciais hídricos não forem preservados, não tem agricultura. Mesma coisa o mercado de créditos de carbono, que já é uma realidade mundial, precisamos nos aproximar disso. Precisamos ter uma visão estratégica de futuro, e não pensar de forma imediatista. Em termos imediatos, na minha opinião, o governo deve compensar (os produtores rurais) pelos serviços ambientais, diminuir os impactos do novo Código sobre o sistema produtivo. O Brasil é uma potência agrícola, e ninguém quer que deixe de ser. Mas não (pode ser) a qualquer custo.
(Por Igor Natusch, Sul21, EcoAgÊncia, 22/02/2011)