A extinção de espécies é uma ameaça real que afeta diversas regiões do Estado do Rio de Janeiro, sejam zonas urbanas, rurais ou florestais. A diversidade e a grande densidade de sua fauna e flora têm sido ameaçadas, de um modo geral, pelas atividades ditas antrópicas (humanas). O desmatamento, a ocupação de áreas de proteção ambiental motivada pela especulação imobiliária e a exploração econômica de matas e áreas florestais sem a necessária preocupação com o equilíbrio ambiental são as causas mais visíveis deste processo de extinção.
Mas a biodiversidade enfrenta outras sérias ameaças, que podem não se apresentar como tais para boa parte da população. A introdução de espécies exóticas, como micos, saguis e jaqueiras, e a disseminação em áreas de preservação ambiental de espécies domesticadas, como cães e gatos, são duas destas ameaças. Gatos, aliás, podem agir como predadores e competidores das espécies nativas da fauna. Num primeiro momento, restringem a quantidade destas e também a sua distribuição espacial e, em última instância, podem levá-las à extinção. Algumas espécies de micos e saguis, graças principalmente ao tráfico de animais silvestres, além de árvores frutíferas como a jaqueira, invadem ecossistemas e desestabilizam o equilíbrio existente. As populações invadidas não assimilam as espécies exóticas que são inseridas em seu habitat e, por isso, não têm meios para evitar a instalação do invasor.
A professora e pesquisadora do Laboratório de Ecologia de Mamíferos do Departamento de Ecologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Helena Bergallo, coordena uma equipe de pesquisadores que vem se dedicando, há mais de dez anos, ao mapeamento e à avaliação do impacto que as chamadas espécies exóticas vêm causando em vários ecossistemas do estado. Inicialmente, realizou, com o apoio da FAPERJ, um inventário das espécies locais ameaçadas de extinção. “Foi feita uma lista prévia, não oficial e que foi entregue à Secretaria de Estado do Ambiente (SEA). Mas pretendemos fazer uma lista oficial, mapeando onde estas espécies estão localizadas no estado, para que as pessoas comecem a controlá-las”, esclarece a pesquisadora.
Em 2009, Helena foi uma das organizadoras do livro Estratégias e ações para a conservação da biodiversidade no Estado do Rio de Janeiro, que apresenta uma proposta de manejo da biodiversidade para garantir a conservação dos recursos naturais em território fluminense para as futuras gerações e, especialmente, a sobrevivência de espécies nativas ameaçadas por espécies exóticas ou invasoras. “Vários países estão anos-luz à nossa frente em matéria de controle de espécies exóticas, e nós estamos apenas começando. E trabalhos de controle de espécies exóticas são poucos e muito pontuais. O foco de nosso projeto é o efeito das espécies exóticas nas espécies endêmicas ou nativas ameaçadas, espécies que estão estabelecidas na mesma área onde as espécies exóticas foram introduzidas. Creio que uma mudança de mentalidade em relação a este problema é o alvo maior da nossa pesquisa”, destaca a pesquisadora, que é Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ. Ela coordena o projeto Mamíferos endêmicos, ameaçados e exóticos do Estado do Rio de Janeiro, cujo objetivo principal é propor medidas de controle e erradicação de espécies exóticas invasoras.
Micos e saguis
Em diversas áreas urbanas e florestais e também em regiões de proteção ambiental, é comum a presença de pequenos primatas, como micos e saguis. Eles ganham a simpatia e a proteção da população, que os consideram símbolos da preservação da fauna silvestre. Entretanto, muitas destas espécies são exóticas e ameaçam, na disputa por alimento e espaço, a sobrevivência de espécies nativas. Segundo Helena Bergallo, “é importante compreender que espécies exóticas podem ser oriundas de uma parte do território nacional e que não ocorriam na região onde foram introduzidas. Este é o caso do sagui-do-nordeste ou sagui-de-tufos-brancos (Callithrix jacchus) e do sagui-do-cerrado (Callithrix penicillata), por exemplo, que hoje em dia a gente vê por toda a cidade do Rio de Janeiro". Além disto, ressalta Helena, não se pode esquecer o tráfico de animais silvestres, que é uma maneira que a população tem de aumentar a renda. Apreendidas pelas autoridades ambientais, estas espécies são, com frequência, soltas na natureza, em vez de serem recolhidas a centros de triagem de animais silvestres.
O sagui-do-cerrado está ocorrendo como invasor, por exemplo, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, localizado na Região Serrana fluminense, onde há uma espécie endêmica ameaçada, que é o sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita), com densidade populacional baixa e distribuição restrita ao Rio de Janeiro e ao sul da Bahia, em áreas muito degradadas. Como são espécies do mesmo gênero, elas se hibridizam, ou seja, conseguem cruzar. De acordo com Helena, esta hibridização põe em risco a sobrevivência do sagui-da-serra-escuro: “Estas espécies congêneres acasalam e conseguem ter filhotes férteis. Não sabemos até que geração, mas sabemos que os filhotes são férteis. Como consequência, estamos perdendo geneticamente o Callithrix aurita. Portanto, é preciso controlar o Callithrix penicillata, erradicando-o da região”, pondera.
Segundo Helena, a possibilidade de devolver uma espécie exótica a seu habitat natural é praticamente impossível. Ela explica as razões: “Primeiro, porque não se sabe exatamente de onde ela veio. Segundo, porque você pode acabar transmitindo doenças que não estão presentes no habitat natural dele, adquiridas no habitat invadido. E aí o risco é muito maior. Este é um grave problema que a gente enfrenta, porque o correto seria realmente exterminá-las. Mas obviamente a população não compreende isto. ‘Poxa, você vai matar um gato?’ ‘Você vai matar um sagui?’ Não se consegue perceber que certas espécies de sagui, por exemplo, estão levando à extinção uma espécie que é nativa.”
Para a pesquisadora, o mesmo problema acontece com animais domésticos. “Temos conversado muito com o pessoal da Ilha Grande para diminuir a quantidade de cachorros e gatos na ilha. Os gatos têm um impacto muito grande sobre o meio ambiente local, e a quantidade gatos lá é muito alta. Temos orientado as pessoas que querem ter seus gatos e cachorros para, ao menos, esterilizá-los.”
Jaqueiras
O caso da jaqueira é igualmente exemplar. Espécie originária da Índia e de outras regiões do sudeste asiático, foi introduzida no Brasil ainda na era colonial e se aclimatou muito bem em praticamente todo o território nacional. Tão bem que um pesquisador, por equivoco, chegou a batizá-la como Artocarpus brasiliensis (o nome correto é Artocarpus heterophyllus). A capacidade de dispersão da jaqueira é muito grande. Além do ser humano, diversos animais adoram seu fruto, contribuindo decisivamente para esta dispersão, enterrando a semente em vários lugares. “Um deles é o gambá, que é um importante dispersor de vários tipos de sementes. Quando ele chega em áreas com jaqueiras, perde este papel, porque passa a comer só jaca e deixa de comer as plantas nativas”, explica.
A equipe de pesquisadoras coordenada por Helena comparou áreas que tinham jaqueiras com áreas que não tinham, constatando uma grande mudança na comunidade de pequenos mamíferos. “Nas áreas sem jaqueiras, você tem uma comunidade composta por espécies frugíferas, insetívoras, onívoras, em geral pequenos mamíferos. E sem grande dominância de uma ou outra espécie”, esclarece. "Em áreas com jaqueiras, constata-se a grande dominância de uma ou duas espécies. Principalmente de uma espécie de rato, que se chama 'rato de espinho' (Proechimys sp.), que gosta muito da semente da jaca. Então, a população desta espécie de rato aumenta consideravelmente, perdendo-se outras espécies, como as insetívoras. Além disto, a folha da jaca é muito grossa, demora muito a decompor. Assim, os artrópodes ficam mais escassos em áreas com jaqueiras. E as espécies que comem insetos praticamente desaparecem", diz.
Para a pesquisadora, é possível controlar as jaqueiras invasoras. “Tenho um aluno que está tratando disto em sua dissertação de mestrado. Ele testou um tratamento físico e um tratamento químico para a erradicação de jaqueiras. O tratamento físico consiste em anelar [fazer incisões no caule em forma de anel] a jaqueira. Você tira uma camada, faz um anel e remove a camada externa, até o floema [tecido das plantas vasculares encarregado de levar a seiva elaborada pelo caule até a raiz e aos órgãos de reserva]. Isto é feito para que se interrompa a conexão da parte de cima com a parte de baixo da árvore”.
Já no tratamento químico, um herbicida é utilizado. “São feitos vários furos na árvore e se injeta um herbicida em quantidades baixas e controladas. Esse é o método que produz melhor resultado”, pondera Helena. No entanto, a dosagem adequada para aplicação do herbicida ainda não foi encontrada pela equipe. “Este é o próximo passo. A dosagem inicial foi muito baixa, por conta do receio de contaminação do meio ambiente próximo. Mesmo assim, houve alguma mortalidade das árvores”, reconhece.
O caso da Serra da Tiririca
Um caso muito ilustrativo deste problema é o que ocorreu há alguns anos na Serra da Tiririca, em Niterói, onde houve uma grande dispersão de uma espécie exótica. Um grupo de Leontopithecus chrysomelas, o chamado mico-leão-de-cara-dourada, foi apreendido e entregue a um veterinário local, com o objetivo de preservá-los e para que não fossem dispersados pela região. O Leontopithecus chrysomelas é também uma espécie ameaçada de extinção mesmo em seu local de origem. A intenção do veterinário era a de reproduzir a espécie em cativeiro.
Porém, com a morte inesperada do veterinário, pouco depois os micos foram soltos e voltaram à mata na região. Rapidamente, eles se disseminaram por toda parte e podem, a qualquer momento, atingir o habitat do micro-leão-dourado (Leontopithecus rosália). Como são do mesmo gênero, é possível que ocorra uma hibridização, havendo o risco de se perder geneticamente o micro-leão-dourado. Agora, uma mobilização de diversos órgãos e instituições de pesquisa está permitindo que sejam retirados do local e realocados para o seu habitat natural, no sul da Bahia.
(Por Lécio Augusto Ramos, Faperj, EcoAgência, 21/02/2011)