Apesar da tradição secular do Estado na produção pecuária convencional, os criadores gaúchos começam agora a dar os primeiros passos para desenvolver práticas orgânicas vinculadas à atividade. Ao contrário do que ocorre em outros setores, como o de ovos, mel e leite, a produção de bovinos de corte ou ovinos seguindo preceitos da prática verde ainda é muito incipiente. "Lançamos um programa de Pecuária de Corte Orgânica da zona Sul do Estado, como um subprograma do projeto de pecuária familiar, porque o público que se enquadra é o pequeno produtor", relata a extensionista da Emater de Bagé, Sônia Desimon.
Segundo ela, o perfil do produtor familiar já apresenta aspectos os quais obedecem algumas regras essenciais para se tornar um criador orgânico, como a produção com baixo impacto ambiental. Em muitos casos, serão precisos pequenos ajustes no modo produtivo desses agricultores para que eles ingressem efetivamente no mercado de orgânicos, que segundo a especialista encontra-se em franca expansão. "É uma forma de agregar valor para o produto e conquistar novos nichos, como fez o Uruguai, que hoje já é grande produtor de carne orgânica." Os trabalhos vão começar pela região Sul do Estado, onde atuam mais de 10,5 mil famílias trabalhando com essa lógica, com potencial para chegar ao patamar de orgânico e depois conseguir a certificação.
A coordenadora do grupo de trabalho nacional de produção animal orgânica, do Ministério da Agricultura, Ângela Escosteguy, ressalta os principais pontos a serem obedecidos pelos criadores que pretendam iniciar uma produção orgânica: a criação deve ser feita sem o uso de medicamentos químicos, apenas fitoterápicos, sem agrotóxicos e adubação química no pasto e sem hormônios sintéticos. O uso de sal mineral e a inseminação artificial são permitidos, mas os antibióticos proibidos.
A vacinação contra aftosa é obrigatória por lei. Precisa ser observada a questão do manejo com vistas à manutenção do bem-estar animal. "Também devem ser cuidadas as questões dos dejetos, conservação de mata ciliar, além de questões sociais e de contrato de trabalho", explicou. Ângela lembra que, em média, o mercado nacional costuma pagar cerca de 30% a mais pelo produto orgânico, se comparado com os convencionais.
A organização não governamental (ONG) Projeto Organics Brasil, que reúne empresas exportadoras de produtos e insumos orgânicos, divulgou que o mercado de orgânicos em geral cresceu 40% em 2010, movimentou mais de R$ 350 milhões e a expectativa é de ampliação nas vendas domésticas com as novas regras para produção. O mercado externo de orgânicos também cresceu em 2010. As 72 empresas associadas ao Organics Brasil, que representam mais de 60% do setor, exportaram cerca de U$ 108 milhões no ano passado, segundo levantamento do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).
Embrapa desenvolve linha de pesquisa específica para carne
A Embrapa é uma das entidades que mais tem se dedicado a pesquisas na área de pecuária de corte orgânica, linha de trabalho relativamente recente. O pesquisador da área de Transferência de Tecnologia da Embrapa Clima Temperado Rafael Gastal Porto diz que existe uma demanda por parte dos próprios produtores no que se refere a essa questão de adequação à produção de carne orgânica.
Em função disso, a Embrapa vem desenvolvendo o projeto Alto Camaquã, da Embrapa Pecuária Sul, de Bagé, que trabalha com o objetivo de tornar a pecuária familiar mais ecológica como estratégia de desenvolvimento territorial sustentável da bacia do Alto Camaquã. Isso será feito através do estudo da diversidade e complexidade das formas de organização e de funcionamento da pecuária familiar da região, identificação e caracterização das práticas de manejo dos recursos naturais, e construção coletiva de estratégias de manejo sustentável. "Nesse projeto, a produção orgânica da pecuária familiar passa a ser abordada como resultado quase que natural em função das próprias características e condições de ambiente destes produtores", disse Porto.
O pesquisador lembra que a Argentina é o segundo país do mundo em área de produção de orgânicos (a Austrália é o primeiro e a Itália, o terceiro). O Brasil, segundo dados recentes, ainda está distante desses países em área. Mesmo assim, a área total está crescendo de 50% a 100% ao ano, sendo que em área certificada e em processo de certificação, o País já conta com 300 mil hectares de orgânicos.
Segundo Porto, a agricultura orgânica está concentrada na região Sudeste, com 60% da produção e comercialização; 25% estão na região Sul; 8,6% na região Nordeste; 3,3% na Centro-Oeste, e 2,6% na Norte. Ou seja, isso evidencia que o Brasil figura como um dos potenciais fornecedores de produtos orgânicos, tendo em vista a ampliação de sua área cultivável.
"A produção orgânica apresenta várias motivações ao produtor, seja pela forma de produção e relação com o ambiente, seja pela procura de nichos de mercado que valorizem seu produto diferenciado ou pela consciência de estar produzindo um alimento seguro." No aspecto de rentabilidade do produto, pesquisas de aceitação de produtos no mercado revelaram que existe um perfil de consumidores que aceitariam pagar até 30% a mais pela carne, desde que haja certificação comprovando que o produto é proveniente do sistema orgânico de produção.
(Por Ana Esteves, JC-RS, 21/02/2011)