O fantasma da “bomba demográfica” volta a pairar sobre o planeta? Um estudo do Conselho Econômico e Social da ONU, publicado no início de fevereiro, faz um alerta claro: sem um esforço considerável para baixar o número de nascimentos, o cenário otimista de uma população mundial culminando em 9 bilhões de indivíduos por volta de 2050, para em seguida declinar, poderá ser ilusório. Essa hipótese reconfortante, que corresponde a um cenário “médio” de crescimento da população segundo a ONU, foi amplamente imposta nestes últimos anos, acalmando os temores de um planeta sufocado pela superpopulação. A ponto de nos fazer esquecer de que ela não se realizaria sozinha, teme a ONU. Reportagem de Grégoire Allix, Le Monde.
“A redução contínua da fecundidade nos países em desenvolvimento é considerada como certa, muitos responsáveis pelas diretrizes políticas estão convencidos de que a demografia não é mais um tema de preocupação”, observa o demógrafo Thomas Buettner, da divisão da população da ONU. “No entanto, a população mundial poderá se revelar bem mais numerosa que o previsto”. O menor relaxamento na diminuição da taxa de fecundidade terá consequências explosivas, prevê a ONU nesse relatório. Bastará que a fecundidade permaneça 0,5 ponto acima do previsto no cenário médio até 2050 para que a população mundial atinja não mais 9 bilhões, mas sim 10,5 bilhões. Se, em seguida, essa fecundidade permanecer somente 0,25 ponto acima da hipótese média, o mundo terá 14 bilhões de indivíduos em 2100.
Destruição do meio ambiente, urbanização anárquica, alimentação, água… não faltam pesadelos associados a uma população como essa. “É perfeitamente possível alimentar 9 bilhões de homens. Passando disso, torna-se muito complicado”, acredita o demógrafo Henri Leridon, que está concluindo um estudo sobre esse tema para a Academia das Ciências.
Mas para Leridon, essas projeções a longuíssimo prazo têm um interesse limitado: “A mínima variação resulta ou em explosão, ou em extinção. Em vez de nos causar medo, a ONU deveria nos dizer, país por país, se estamos alinhados com a trajetória dos 9 bilhões”. Nesse ponto, o relatório da ONU dá pouco espaço para otimismo: “Mesmo nos países onde a fecundidade já declinou notavelmente, são necessárias reduções suplementares para evitar fortes aumentos de população a longo prazo”.
Má notícia: baixar a taxa de fecundidade até a taxa de substituição da população (2,1 filhos por mulher nos países desenvolvidos e 2,5 nos países onde a mortalidade é mais elevada) não bastará. Mesmo no caso – pouco plausível – em que cada país atingisse o nível de substituição até 2015 para em seguida ali se manter, a população mundial continuaria a subir até 9,1 bilhões em 2050 e depois até 9,9 bilhões em 2100. “O crescimento demográfico tem uma forte inércia: é como um navio-tanque que continua a avançar bem depois que seus motores foram desligados”, explica Buettner.
Segundo a ONU, para garantir um nível sustentável de população, todos os países devem, o mais rápido possível, baixar para uma taxa de fecundidade de 1,85 e ali se manter durante um século antes de retornar ao limiar da substituição. Esse esquema corresponde mais ou menos à evolução seguida pelos países ocidentais. No entanto, ele parece bem ambicioso. “Nada garante que a melhora do planejamento familiar nos países em desenvolvimento continuará; em alguns países, ela está em recuo”, lamenta Buettner. A taxa de fecundidade dos países menos avançados permanece em uma média de 4,29. Uma dezena de países, a maior parte na África, ainda não iniciaram sua transição demográfica. “A Ásia e a América Latina reduziram sua natalidade bem mais rápido do que os demógrafos pensavam”, lembra Gilles Pison, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Estudos Demográficos. Será que a África reserva a mesma surpresa?
A questão é delicada, assombrada pelo temor do controle dos nascimentos. “Trata-se unicamente de oferecer uma livre escolha aos indivíduos”, explica Yves Bergevin, coordenador para a saúde materna e reprodutiva no Fundo de População das Nações Unidas. “Ao oferecer o acesso a serviços de planejamento familiar, uma melhor educação e um reconhecimento dos direitos das mulheres, podemos atingir imensos progressos em somente dez ou vinte anos”.
Estamos longe disso. Em quarenta países, quase um quarto das mulheres não conseguem satisfazer suas necessidades de planejamento familiar. Nos países menos avançados da África, o emprego de métodos modernos de contracepção atinge um máximo de 12%. “A oferta de contracepção é insuficiente, mal organizada, os próprios dirigentes locais encarregados de aplicar esses programas nem sempre estão convencidos de sua validade”, constata Pison.
Acima de tudo, faltam meios. Em dez anos, o auxílio para o planejamento familiar caiu pela metade nos países mais pobres. A ONU faz um apelo para que se retomem esses programas com urgência, com um último argumento, desta vez financeiro: ao evitar nascimentos, cada dólar investido no planejamento familiar acarretaria na economia de US$ 2 a US$ 6 em despesas com saúde, educação ou meio ambiente.
Tradução: Lana Lim
(Le Monde, UOL Notícias, EcoDebate, 17/02/2011)