Cai demanda por etanol, cresce demanda por gasolina. Resultado da diferença óbvia entre um biocombustível que é produzido junto com uma commodity alimentar de valor no mercado global e um combustível fóssil, cujo preço é fixado por empresa dominante, quase monopolista, no mercado doméstico.
O preço do álcool/etanol terá sempre por referência o preço do açúcar dado pelo mercado internacional. O preço da gasolina é determinado pela Petrobrás e não pelo mercado. Se a demanda por açúcar estiver aquecida e elevar seus preços internacionais, os produtores aumentarão a produção de açúcar em detrimento da de álcool. Com menor oferta de álcool os preços sobem. Se o preço do álcool não compensa o diferencial de eficiência do biocombustível nos motores flex, o consumidor opta pela gasolina.
Por isso caiu a demanda por etanol, em 3% e aumentou a de gasolina, em 17,5%. Também subiu o consumo de óleo diesel, em 11%. O consumo total de combustíveis cresceu 8,4%. Gasolina cresceu mais que a queda do etanol não tanto por causa dos importados rodando só a gasolina. A razão principal dessa diferença é que todo o aumento de consumo dos novos automóveis flex foi atendido pela gasolina, que também cobriu a queda do consumo de etanol. Ou seja houve demanda nova atendida por gasolina e substituição de etanol por gasolina.
Tudo bem, até aí. Mera introdução à economia. O problema é que o governo apresenta o carro flex como a grande solução global para a redução das emissões de gases estufa. Já ouvi autoridade graúda dizer que se o mundo fizesse como nós, o problema estaria resolvido. Exageros à parte, o que está errado? A aposta em soluções únicas e mágicas na política energética. O etanol, em particular, e o biocombustível de primeira geração, em geral, não são a resposta definitiva, nem as melhores a longo prazo para o setor de transportes. Não exige “a” solução, pelo menos no horizonte tecnológico atual.
O mesmo problema existe na política para o setor elétrico: as mega-hidrelétricas, especialmente na Amazônia, não são a única, nem a melhor forma de ampliar a capacidade instalada. Nem as termelétricas fósseis a única alternativa a elas. A melhor política é de diversificação de fontes e redução efetiva da participação das fontes fósseis.
No setor de transportes, o recurso a veículos elétricos e híbridos é uma resposta óbvia e crescente no mundo. Aqui, o governo cria todas as dificuldades possíveis, para evitar concorrência ao motor flex. A aposta em uma única solução gera dependência e não segurança. O resultado é que ficamos à mercê das oscilações do preço do açúcar no mercado internacional. E é preciso que se diga, com toda clareza: o aumento no consumo de gasolina e diesel elevou as emissões de gases estufa do setor de transportes e piorou a qualidade do ar das cidades. Prejuízos para o clima e a saúde pública.
No setor elétrico, é claro que já deveríamos ter proibido termelétricas a carvão, ao invés de estimulá-las com incentivos e transferir esses e outros incentivos aos combustíveis fósseis para a eletricidade eólica e solar. Deveríamos estimular, também, usinas baseadas na energia das ondas e marés. Isso poderia parecer esquisito há uma ou duas décadas atrás. Hoje, não recorrer a essas fontes significa ficar na retaguarda das principais economias do mundo, inclusive nossas congêneres emergentes como China e Índia. A matriz energética brasileira está ficando mais suja, mesmo com as hidrelétricas do Norte, e sem contar o impacto delas. Deveria e poder estar ficando mais limpa com a diversificação das fontes renováveis.
Esta não é uma política energética durável. Insustentável ela claramente é. Nem é uma resposta às nossas necessidades no contexto do processo de desenvolvimento e concorrência global que marcará o restante do século XXI.
(Por Sérgio Abranches, Ecopolítica, Envolverde, 17/02/2011)