A cultura do desperdício e do descarte, não apenas de recursos, mas também de energia e produtos acabados, vem sofrendo um duro golpe em várias sociedades. O conceito diferenciado de se fazer uso parcimonioso das coisas relativas à natureza e dos produtos disponíveis no mercado de consumo vem ganhando cada vez mais novos adeptos na tentativa de reverter o quadro intenso de perdas e danos pelo uso indevido dos escassos recursos.
A idéia de usar e não jogar fora, de reutilizar o que pode ser melhorado e de reciclar tudo aquilo que pode ser transformado em algo novo tem mudado paradigmas que estavam estabelecidos desde longa data. Não descartar após pouco uso e reciclar quase tudo o que for possível. Esses são preceitos que passam pela idéia de sustentabilidade. Essencialmente, essas são palavras de ordem num mundo que desejamos seja ao menos de equilíbrio e, de toda sorte, consciencioso para com a Mãe Terra.
No que toca a não desperdiçar, a água e os alimentos são, de longe, os “campeões do desperdício”.
O que reciclar?
Em se tratando de reciclagem, cabe indagar: o que devemos reciclar? A resposta é simples: tudo o que for possível. De componentes de materiais urbanos, a jornais, revistas e alguns tipos de papéis (apenas uma tonelada de papel reciclado mantém 20 árvores vivas). De embalagens comerciais (folha-de-flandes, tampinha de garrafa), a vidros (garrafas, copos, potes e cacos) a plásticos (canos, tubos, embalagens PET) passando por roupas e sapatos, pneus e até mesmo carros e aeronaves. Tudo isso é passível de reciclagem.
Apenas nesse último exemplo, o da aviação, é interessante apontar que a Boeing, a Alenia Aeronáutica e a Airbus já trabalham a idéia de desmontar as aeronaves com eficiência reutilizando os mais diversificados materiais compostos de alto valor para a fabricação de aeronaves mais leves. A estimativa mais otimista desse setor é que até 2023 mais de 4000 aeronaves hoje em operação deixarão de voar. Desse “estoque”, 85% dos componentes poderão ser reaproveitados.
A idéia da reciclagem é a base da chamada economia de energia, em contraponto a economia de descarte que, pelo menos nas últimas sete décadas, “produziu” com produtos e recursos descartados a maior pilha de lixo da história da humanidade.
Aguçando esse debate, num recente artigo intitulado “Mais Economia, Menos Recursos”, Lester Brown aponta para os ganhos do processo de reciclagem. Cabe aqui, nesse pormenor, retomarmos algumas partes de sua contextualização. Vejamos que, segundo Brown, “o aço feito de sucata consome apenas 26% de energia em relação ao feito com minério de ferro. Para o alumínio, esse número é de 4%. O plástico usa apenas 20%. E papel reciclado, 64%, com bem menos químicos durante o processo. Se as taxas mundiais de reciclagem desses recursos fossem equiparadas àquelas já adotadas pelas economias mais eficientes, as emissões de carbono cairiam rapidamente”.
O ponto mais interessante ao se praticar e propagar o processo de reciclagem é que esse procedimento permeia por quase todos os setores produtivos, gerando considerável economia de insumos e energia.
Atentemos para o seguinte: Um terço do consumo mundial de energia repousa sobre as atividades das indústrias do aço, plástico, cimento e papel. Na manufatura, a indústria petroquímica é a grande “devoradora” de energia em escala global. Sozinha, a indústria do alumínio, outra grande consumidora de energia, corresponde a quase 20% do uso de energia industrial.
Pois bem. Reciclar o aço, usado largamente nas indústrias automobilísticas, de aparelhos eletro-eletrônicos de uso doméstico e na construção civil nos parece ser uma das mais interessantes saídas. Apenas como exemplo, nos Estados Unidos praticamente todos os carros são recicláveis. Por lá não se concebe a idéia de deixar um carro usado apodrecer em ferro-velho. Para termos idéia da importância dessa reciclagem, de todo o volume de um carro quase 40% são compostos de peças metálicas e plástico de boa qualidade.
Em alguns lugares, a reciclagem específica de carros tem feito diminuir até mesmo o índice de roubos e furtos. Buenos Aires, desde 2007, por exemplo, tem experimentado com empolgação essa idéia. As seguradoras argentinas cedem os carros sinistrados para o centro de reciclagem e recebem 40% do lucro obtido com a venda das peças. O índice de roubos de veículos despencou em 70% desde a abertura da primeira unidade de reciclagem de veículos. No Brasil, de toda a frota que sai de circulação a cada ano menos de 2% tem como novo endereço uma unidade de reciclagem.
Afora os carros, os aparelhos domésticos também são boas opções para passarem pelo processo de reciclagem. Brown, na seqüência do artigo mencionado, pontua que “a taxa de reciclagem de aparelhos domésticos nos EUA chega a 90%”. Na Europa, esse índice se aproxima de 95%.
O desperdício de alimentos
Em se tratando de questões domésticas, deixando um pouco de lado os apontamentos em torno da reciclagem, que tal tomarmos nota do desperdício de alimentos?
Apenas no Brasil, segundo estimativas, são 26 milhões de toneladas de alimentos desperdiçados por ano. Quando jogamos comida no lixo, estamos jogando junto também um pouco de terra fértil, de água potável, de oxigênio, de mão de obra utilizada, de tempo disponível. Apenas para cada 1 quilo de trigo “estragado”, estragou-se também 1000 litros de água.
A cultura de desperdiçar um único produto desencadeia uma série de outros desperdícios que, por vezes, não são contabilizados. Infelizmente, segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) o Brasil está entre os 10 países que mais desperdiçam comida no mundo. Cerca de 30% de toda a produção agrícola vai para o lixo. Isso significa que toneladas de alimentos poderiam estar na mesa dos mais de 40 milhões de brasileiros que passam fome diuturnamente. Segundo dados do Serviço Social do Comércio (SESC), “R$ 12 bilhões em alimentos são jogados fora diariamente, uma quantidade suficiente para garantir café da manhã, almoço e jantar para 39 milhões de pessoas”.
Infelizmente, cada vez que ignoramos a ordem de reciclar e não damos a devida importância ao dever de não desperdiçar, quer sejam alimentos ou insumos de qualquer monta, estamos ajudando a destruir a casa que nos acolhe. O Planeta Terra, nossa única morada conhecida e habitável, se machuca um pouco mais com essa nossa total irresponsabilidade sócio-ambiental. Já passou da hora de mudarmos esse jogo. Ou reciclamos e evitamos o desperdício ou pereceremos em breve. A escolha é nossa!
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. Membro do GECEU – Grupo de Estudos de Comércio Exterior (UNIFIEO) e articulista do Portal EcoDebate, do site “O Economista”, da Agência Zwela de Notícias (Angola) e do jornal Diário Liberdade (Galiza, Europa).
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(EcoDebate, 16/02/2011)