Um mega-investimento em mineração de ferro começou a ter andamento ao som de pífaros e tambores, mas sem a informação, o tratamento e as normas adequadas para esse tipo de empreendimento. Antes com as monoculturas florestais e a celulose, em seguida com a soja e agora com a mineração, há estratégias de desenvolvimento que não são elaboradas no país, mas sim determinadas do exterior.
Com leves variantes, a informação entregue ao público é a seguinte: a empresa madeireira anglo-suíça Aratir,i com capitais hindus, avança com seu projeto de instalar-se no Uruguai com a finalidade de extrair minério de ferro do solo para exportá-lo à China, iniciativa que pode siginificar um investimento superior a 1,5 bilhões de dólares e a geração de mais de um milhar de novos empregos. Por meio de uma rápida pesquisa, vejamos qual é a realidade que está por trás desse anúncio.
Não há nenhuma empresa anglo-suíça de capitais hindus que se denomine Aratiri. Existe uma empresa com sede na Suíça com o nome de Zamin Ferrous, que é parte de outra empresa registrada em Londres com o nome de Zamin Advisors Ltd., e que é presidida pelo senhor Pramod K. Agarwai, de origem hindu. A sede dos escritórios e a nacionalidade do presidente hoje em dia não são dados relevantes para identificar a origem do capital de uma empresa registrada como sociedade por ações. “Nos últimos quatro anos temos criado uma companhia que poderá ser um sócio e provedor respeitável da indústria do aço. Na Zamin Ferrous temos temos uma equipe verdadeiramente de categoria mundial, capaz de operar, desenvolver e identificar minas de ferro, manganês e carvão em grande escala”, diz uma carta do presidente. Nada de atividades na área madeireira, e na mineração, que exige investimentos de longo prazo e grande volume, as empresas de quatro anos de existência são chamadas de “júnior”.
Empresas “júnior”: vantagens e riscos Nos últimos anos, em meio ao crescimento acelerado da indústria metalúrgica, que exige fornecimento constante de matéria prima e a descoberta de novas jazidas minerais, têm surgido numerosas empresas de pequeno e médio porte dedicadas à prospecção e exploração. As denominadas empresas “júnior” dedicam-se a descobrir e vender jazidas minerais para as empresas maiores, assumindo riscos que essas empresas de porte já estabelecidas costumam evitar.
Entre essas empresas “júnior”, algumas se dedicam somente à prospecção, e em seguida procuram acordos com as empresas maiores para explorar as jazidas. Ao descobrirem e avaliarem essas jazidas, prestam um serviço essencial às grandes empresas, que precisam renovar suas reservas. Outras vão mais adiante e tratam de tirar maior proveito de sua atividade, seja especulando com o vai-e-vem do mercado de “commodities” minerais, onde operam os gigantes financeiros, ou conseguindo obter uma posição de controle na operação da mina.
Uma investigação internacional sobre as perspectivas da mineração (1), preparada para a Cume Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Johannesburgo em 2002, constatou que, embora existissem empresas de porte intermediário e “júnior” comprometidas com os melhores índices de desempenho social e ambiental, a maioria delas ressaltava suas habilidades em encontrar jazidas, acreditando que o desenvolvimento sustentável era “assunto para as grandes empresas”.
Entre essas “júnior”, há empresas que apontam mais para o comércio e a especulação dentro do fabuloso mercado mundial da mineração, e também existem outras sub-capitalizadas submetidas a uma forte pressão para ter êxito. De acordo com o estudo mencionado, é nesses casos que, “com uma capacidade limitada de fazer frente a falhas ou outros acontecimentos imprevistos, suas operações contém um grande risco de gerar situações ambientais e sociais negativas”
A Zamin Ferrous quer associar-se O presidente da Zamin se apresenta como ex-presidente da Gerald Metals Inc. (comercializadora de metais nos EUA) e ”com 30 anos de experiência no comércio internacional de matérias primas”. Entre as diretorias restantes da empresa, predomina um perfil profissional associado aos bancos de investimentos – alguns grandes atores da crise, como Merril Lynch, Lehman Brothers e JP Morgan – e, numa medida menor, ligados à atividade extrativa propriamente.
Quanto à estratégia corporativa, além de desenvolver a mineração e ampliar sua relação com o Brasil, Peru e Uruguai, Zamin se propõe a “identificar grandes ativos que requeiram uma grande infra-estrutura em locais que outras empresas de mineração ignoraram no passado, devido a condições menos favoráveis para o mercado de ferro, manganês e carvão que as que atualmente existem e que se espera que continuem nas próximas décadas”.
Fica claro que a Zamin não fará os investimentos principais. Insiste que procura “associar-se com as principais empresas produtoras de aço”, ou seja, quer a colocação antecipada da produção.Tampouco se responsabilizará pelas obras de infra-estrutura necessárias requeridas pela operação, para o que planeja “estabelecer acordos inovadores para a construção de infra-estrutura, que permitam minimizar as necessidades financeiras”. Ou seja, que a paguem os governos dos países onde se encontram as jazidas.
“Temos minério de ferro de boa qualidade, e o que estamos tratando de determinar é se há o suficiente para justificar um investimento”, declarou à imprensa o engenheiro Fernando Puntigliano, gerente uruguaio da Aratiri. Isso quer dizer: se o Estado outorgar as concessões de terras necessárias para extrair o volume de minério que o transforme em um negócio aceitável para os investidores. A superfície necessária para a exploração foi estimada em perto de 110 mil hectares.
Sem estratégia nem base legal A Zamin Ferrous não é nova no Uruguai, onde apareceu em 2007, um ano depois de criada. Só que, em vez de aparecer como Zamin, o fez com outros nomes escolhidos ao acaso, tais como Arabelo, Belavy, Caicara, Gartow e Aratiri. Essa estratégia de empresas que surgem umas da outras faz parte de uma engenharia jurídica usada para driblar regulamentações incômodas. Para isso, a Zamin pôde contar com um conhecido escritório uruguaio especializado na criação de sociedades anônimas.
Desde então, a Zamin solicitou autorização para pesquisar a existência de ferro, ouro, prata, cobre, chumbo, zinco, cromo, níquel, paládio, mármore,diamantes e rochas calcáreas nos departamentos de Cerro Largo, Durazno, Lavalleja, Florida e Treinta y Três. Aproveitando o início do novo governo, a empresa lançou uma ofensiva por que tinha algumas solicitações aprovadas em Florida e Treinta y Três. Para uma mineradora “júnior”, dois anos sem arranhar algum negócio é muito.
Ao mesmo tempo, os produtores rurais da região manifestaram sua preocupação e, em poucos dias, o projeto da Zamin e do porto no litoral de Rocha apareceram em todos os meios da imprensa. Contudo, o tratamento informativo ao tema não corresponde à sua complexidade e seriedade. Até o senador Fernández Huidobro, entre a ira e o desconsolo, escreveu em uma de suas colunas: “O Uruguai não deveria construir portos ou terminais “no grito”, mas isso ainda é assim”. (sic).
Pela lei atual, o dono das terras não o é do subsolo, e os produtores ruaris ficam à mercê das decisões do governo e da empresa de mineração. Contudo, não se trata somente de um “conflito de interesses” entre a mineração e a agropecuária, por que os efeitos sobre o meio ambiente não são privados, mas sobre toda a sociedade. Terá chegado o momento de definir a estratégia e as normas que regem esse tipo de projetos ou mais uma vez deveremos nos resignar?
(Por Victor L. Bacchetta, tradução do espanhol: Renzo Bassanetti, OngCea, 14/02/2011)