Com vegetação reduzida a 8% da original e distribuída em milhares de fragmentos florestais, a Mata Atlântica convive hoje com ambientes intensamente urbanizados onde se concentram 112 milhões de brasileiros (59% da população) e atividades econômicas que respondem por mais de 60% do PIB nacional. Apesar das profundas transformações que sofreu ao longo da história, o bioma ainda abriga diversas e raras formas de vida e fornece água, opções de lazer, proteção de encostas e outros serviços ambientais indispensáveis ao desenvolvimento e à manutenção da qualidade de vida das populações. Logo, merece atenção especial de governos, setor privado e sociedade.
Apresentado na última sexta-feira (4), um diagnóstico sobre o cumprimento de metas de conservação da biodiversidade na Mata Atlântica, elaborado pelo WWF-Brasil em parceria com a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e apoio de uma série de instituições, aponta que o Brasil tem amplo espaço para avançar na manutenção e principalmente na recuperação do bioma.
Das 51 metas nacionais para proteção da floresta, baseadas em diretrizes globais da Convenção das Nações Unidas sobre Conservação da Diversidade Biológica, o país cumpriu duas na totalidade, cinco não foram executadas e o restante encontra-se em estágios intermediários de cumprimento. “Planos oficias e privados de desenvolvimento não deram a devida prioridade ao bioma, resultando em esforços insuficientes para sua restauração e conservação”, disse Cláudio Maretti, superintendente de Conservação do WWF-Brasil.
De forma geral, os maiores avanços se deram em produção de conhecimento e criação de áreas protegidas. Há grande quantidade de informações sobre as riquezas naturais da Mata Atlântica, como uma listagem completa de suas quase 16 mil plantas diferentes e de suas áreas prioritárias para conservação. A meta de se proteger dez em cada cem hectares de sua área até 2010 foi quase atingida, com 8,9% do bioma em unidades de conservação públicas e privadas. Vale ressaltar que elas são em média menores que as de outros biomas e precisam proteger mais animais e plantas raros ou ameaçados de extinção.
Indicadores menos satisfatórios foram registrados em monitoramento e redução de impactos, acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios, educação e informação pública, e fortalecimento jurídico e institucional. O uso sustentável da biodiversidade também não avançou, por entraves como a alta fragmentação do que resta do bioma, impedindo o manejo florestal, e pela falta de projetos focados no aproveitamento de frutos, fibras e outros recursos não-madeireiros. “As metas brasileiras eram bastante ambiciosas e, na média de seu cumprimento, o país avançou na proteção da Mata Atlântica. Todavia, há um descompasso entre necessidades ambientais e capacidade estatal para cumpri-las”, ressaltou Luciana Simões, coordenadora do Programa Mata Atlântica do WWF-Brasil.
Parques nacionais e estaduais e outras unidades de “proteção integral” somam apenas 2,3% da área protegida no bioma. Na Mata Atlântica há 627 reservas particulares, a maior concentração do país, e muitas se interligam com outras parcelas importantes para a conservação da biodiversidade. “Estima-se que 80% dos remanescentes da Mata Atlântica estejam com proprietários privados. Logo, eles são fundamentais para se resguardar o que resta da floresta. Mas, praticamente não existe política pública para incentivar a criação e manutenção de reservas particulares”, ressaltou Luciana Simões.
Encerrado o prazo de 2010 e com as decisões tomadas na conferência de Nagoia (Japão), em outubro passado, deverão ser protegidos ao menos 17% da Mata Atlântica até 2020, o dobro do hoje abrigado em unidades de conservação. Para áreas marinhas, que têm relação estreita com o bioma, o percentual a ser protegido permaneceu em 10%. Hoje, há apenas 1,53% de áreas protegidas no mar brasileiro, enquanto 80% dos recursos pesqueiros marinhos estão super explorados.
“Hoje não temos remanescentes em quantidade e qualidade para alcançar a meta de 17%. Se o Código Florestal tivesse sido respeitado, teríamos um quadro muito melhor”, destacou Clayton Lino, presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) e um dos coordenadores do estudo. “Precisamos de um plano nacional com metas anuais até 2020, focado na restauração da mata, formação de corredores e pagamento por serviços ambientais”, disse. A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica é a maior entre as 564 reservas semelhantes reconhecidas pelas Nações Unidas em 109 países, formando um grande corredor com áreas em 15 estados.
Clayton Lino, da RBMA, lembra que as metas de conservação para 2020 exigem do Brasil um olhar mais intenso a todos os seus biomas terrestres e para o mar, bem como um reforço de suas instituições públicas para licenciar e agir contra a ilegalidade. “Este balanço aponta lacunas nas ações nacionais pela Mata Atlântica, mas também as correções necessárias para melhorarmos a proteção e recuperação do bioma, algo fundamental para o dia a dia de milhões de brasileiros”, ressaltou.
Na contramão da conservação, ainda são registradas agressões como desmatamento ilegal, saque de madeira para lenha e captura de animais para tráfico, empobrecendo o que resta do bioma. Dos 396 animais oficialmente ameaçados de extinção no Brasil, 350 são da Mata Atlântica. Em 1989, eram 171. Atualmente, ela detém 65% dos animais e mais da metade das plantas brasileiras ameaçadas de extinção. Pelo menos 88 aves únicas da Mata Atlântica estão ameaçadas.
“Também grave é a ameaça de descaracterização que paira sobre o Código Florestal e toda a legislação ambiental brasileira. Isso indica a necessidade de uma maior mobilização e articulação política da sociedade em direção a um desenvolvimento efetivamente sustentável”, apontou Luciana Simões, do WWF-Brasil.
(Por Aldem Bourscheit, WWF-Brasil, EcoAgência, 11/02/2011)