O metamidofós é um veneno utilizado em culturas de algodão, amendoim, batata, feijão, soja, tomate para uso industrial e trigo. Mas a partir do dia 30 de junho de 2012, ele não poderá mais ser ministrado no país. A decisão foi tomada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no último dia 17 de janeiro, com base em um estudo elaborado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que aponta os prejuízos do produto para a saúde humana. O metamidofós, segundo a Anvisa, mesmo em pequenas doses, provoca intoxicação e, a longo prazo, pode provocar danos ao processo de reprodução e também ao sistema nervoso, sobretudo do trabalhador rural, que tem contato mais direto com o veneno. O produto já é proibido na União Europeia, China, Japão, Paquistão, Indonésia, Costa do Marfim e Samoa. “As empresas tentaram impedir pela via judicial o trabalho da Anvisa de reavaliação de 14 ingredientes ativos e não apenas do metamidofós.Tivemos que derrubar várias liminares, eles queriam manter os produtos como estão no mercado. Mas nós convencemos os juízes de que nossa razão de existir é esta”, conta o gerente geral de toxicologia da Agência, Luis Cláudio Meireles.
Em 2002, o produto já havia sido reavaliado pela Anvisa, que decidiu por excluir alguns cultivos da lista de culturas permitidas de serem tratadas com metamidofós. Nessa ocasião, a Agência também proibiu a aplicação costal do produto, situação em que o trabalhador utiliza um borrifador instalado nas costas. De lá para cá, novos estudos foram feitos e a ciência comprovou que o veneno era mais tóxico do que se imaginava. Luis Claudio explica que Anvisa, quando decide reavaliar um produto, o coloca em consulta pública para que os setores interessados possam se manifestar. “A saúde é sempre colocada como o patinho feio da história. Fazem parecer que nós queremos atrapalhar o desenvolvimento. Mas felizmente temos conseguido sustentar nosso trabalho, porque acho que esse tema tem um impacto muito positivo na sociedade, que olha o agrotóxico com muita desconfiança. E tem que olhar mesmo porque estamos falando de substâncias tóxicas”, afirma.
Outro modelo agrícola
“Se há uma substância tóxica, a Anvisa tem que acompanhar. O ideal era que tivéssemos uma agricultura que não necessitasse dessas substâncias, mas hoje, infelizmente, ela é dependente. Agora, é preciso ir substituindo para aquelas menos tóxicas, tirando aquelas mais graves e reduzindo ao máximo, além de ir entrando com outras técnicas de produção agrícola”, observa Luis Claudio. Ele conta também que a Anvisa tem trabalhado no registro de produtos para a agricultura orgânica, que são de baixa toxicidade.
Para o professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), André Burigo, a decisão da Anvisa é importante para mostrar que o modelo de desenvolvimento adotado atualmente precisa ter limites. “O interessante é que na própria consulta pública se percebe que as manifestações contrárias ao banimento são muito embasadas no argumento do impacto que terá a medida no setor produtivo, na cultura do algodão, da soja, dizendo como esse é um veneno importante. Então, mesmo quem defende esse modelo de desenvolvimento e produção aponta a contradição de como esse modelo é dependente do veneno e fica vulnerável frente a uma proibição”, diz.
André observa que não é, portanto, apenas o movimento agroecológico que aponta que o atual modelo hegemônico agrícola é químico-dependente. “Isso não é uma fala apenas do movimento agroecológico, mas está presente na fala de quem defende este mesmo modelo”, reforça.
Além do metamidofós, outras oito substâncias utilizadas na agricultura estão sendo analisadas pela Anvisa. Luis Claudio ressalta que a população em geral e os cientistas devem contribuir para embasar as decisões da Anvisa. “É muito importante que movimentos sociais, pesquisadores e populações que muitas vezes são prejudicadas se manifestem sobre os produtos em consulta pública”, convida.
(Por Raquel Júnia, EPSJV/Fiocruz, EcoDebate, 11/02/2011)