Candidatos a empréstimos terão de registrar sua área de Reserva Legal em cartório ou entrar para o Mais Ambiente, programa federal de regularização ambiental. Outros bancos públicos já vem adotando a medida, considerada tendência do mercado.
A partir de 12 de junho, o Banco do Brasil passará a exigir de produtores rurais candidatos ao crédito o cumprimento do Código Florestal – ou pelo menos o compromisso oficial de cumpri-lo. Eles precisarão aderir ao programa federal de regularização ambiental, o Mais Ambiente, ou comprovar a averbação da Reserva Legal (RL) da propriedade.
Anunciada em dezembro passado, em uma circular do banco destinada a organizações do setor agrícola, a medida observa os prazos definidos no decreto 7.029 de 2009, que criou o Mais Ambiente (veja a norma). Depois de junho, quem não tiver preservadas as áreas protegidas por lei de sua propriedade ou não entrar no programa poderá ser multado e sofrer embargo.
A adesão ao Mais Ambiente, no entanto, pode ser feita até dezembro de 2012. Com ela, o proprietário compromete-se a registrar e recuperar a RL e a Área de Preservação Permanente (APP) de suas terras em um período acordado com os órgãos ambientais. Dentro desse prazo, o produtor não pode ser autuado por infrações cometidas até 2008. Multas já aplicadas serão perdoadas se forem cumpridos os compromissos firmados na adesão ao programa no prazo estipulado.
“A postura do banco em relação a exigências ambientais é seguir exatamente aquilo que está previsto na legislação. Se a legislação mudar, nós vamos mudar”, afirma Álvaro Schwerz Tosetto, gerente executivo da Diretoria de Agronegócio do Banco do Brasil. Ele explica que a comunicação de dezembro teve o objetivo de alertar os produtores sobre a data-limite para que eles oficializem o compromisso de regularizar-se. “Apesar de o decreto ter saído lá atrás [em 2009], ela instituiu prazos e eles estão muito próximos.”
Tosetto confirma que o banco está tentando se resguardar do risco de financiar quem não está em dia com a lei e ser coresponsabilizado por danos ambientais. Até junho, os tomadores de crédito serão obrigados a assinar uma declaração de que conhecem a legislação e os prazos previstos para se adequarem (veja o documento).
O Banco da Amazônia (BASA) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já vêm exigindo a averbação. A novidade é a entrada do Banco do Brasil nesse rol, e com uma medida que vale para todo País. A instituição é responsável por 63% dos financiamentos do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), com mais de 1,5 milhão de produtores rurais entre seus clientes.
A RL é a fração de toda propriedade rural que não pode ser desmatada. Ela é de 80% no bioma amazônico, de 35% no Cerrado dentro da Amazônia Legal e de 20% no resto do País. Averbar a RL significa registrar seus limites e coordenadas geográficas em cartório, na matrícula do imóvel. A APP é a faixa de vegetação situada ao longo de corpos de água, no topo de morros e em encostas que também não pode ser eliminada.
Iniciativa é a última de uma série
“A medida é um passo importante para o reconhecimento, por parte das instituições financeiras, de que danos ambientais causados por financiamentos são de sua co-responsabilidade”, aponta Luciano Loubet, promotor de Justiça em Bonito (MS) e diretor da Associação Brasileira do Ministério Público Ambiental (ABRAMPA). Ele acredita que a medida do Banco do Brasil aponta para uma tendência. “Se não houver regularização, o próprio mercado irá recusar o produto”. Loubet defende que os bancos adotem instrumentos para comprovar a veracidade dos documentos apresentados pelos agricultores. Em várias regiões, há fraudes na averbação de áreas de RL que, de fato, não existem.
Com uma experiência de oito anos atuando entre agricultores no Mato Grosso do Sul, Loubet julga que é possível cumprir a legislação. “Na hora em que a lei começa a ser exigida efetivamente, há um movimento para mudá-la. Alguns setores e pessoas não se conformam com as exigências que existem no Código Florestal e estão trabalhando de todas as formas para que ele não seja implementado”.
A iniciativa do Banco do Brasil faz parte de uma série de medidas que buscam apertar o cerco de quem desmata ilegalmente, incluindo a restrição ao crédito agrícola. Em dezembro de 2007, o governo federal editou o Decreto 6.321, que determinou o embargo das áreas desmatadas ilegalmente e a coresponsabilização de empresas que compram produtos originados de desmatamento ilegal no bioma amazônico. Ele instituiu a lista oficial dos municípios amazônicos que mais desmatam e obrigou o recadastramento fundiário das propriedades desses municípios. Isso permitiu limitar o acesso ao crédito público para os imóveis que não se regularizassem.
Em fevereiro de 2008, uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) obrigou bancos públicos e privados a exigir o cumprimento da legislação ambiental dos candidatos ao crédito no bioma amazônico, incluindo a necessidade de apresentar declaração de que não há áreas embargadas no imóvel em função de desmatamento ilegal e comprovação da regularidade ambiental do imóvel, sobretudo da averbação da RL (saiba mais).
Em julho de 2008, foi editado o Decreto 6.514, que regulamentou a lei de crimes ambientais. A norma possibilitou, pela primeira vez, aplicar sanções administrativas a quem se recusasse a recuperar a RL e APP em seu imóvel. O decreto mencionava a perda ou suspensão de crédito de bancos oficiais a quem cometesse algum crime ambiental em todo País, incluindo o desmatamento.
Em dezembro de 2009, o Decreto 7.029 ampliou os prazos para regularização ambiental previstos no Decreto 6.514 e criou, em âmbito federal, o programa Mais Ambiente.
Código florestal
A iniciativa do Banco do Brasil ocorre em meio à discussão na Câmara da polêmica proposta de alteração do Código Florestal. A expectativa de parte dos produtores é de que várias exigências impostas pela lei atual desapareçam ou diminuam. O relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) sobre o tema prevê redução das áreas de RL e APP, anistia a quem desmatou ilegalmente e o fim da obrigação de recuperar passivos ambientais.
Se for aprovado como está, parte das medidas restritivas ao crédito também acabará perdendo eficácia. Por outro lado, se não for votado no primeiro semestre, como esperado, devem crescer as pressões pela ampliação dos prazos do Mais Ambiente. Há, portanto, um clima de incerteza sobre seu futuro.
“Muita gente vai deixar de usar o crédito rural. Eles vão buscar as formas alternativas de autofinanciamento”, avalia Derli Dossa, chefe da Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Ele acredita que a maioria dos agricultores está tentando se regularizar, mas que as dificuldades técnicas, a burocracia e os custos são muito grandes.
“As pessoas têm medo de que, a partir do momento que façam um compromisso por escrito no banco, estarão se autodenunciando se não tiverem a RL ou a APP. Isso faz com muitos produtores temam ser afetados, em função da possibilidade de serem acionados na justiça por não cumprir as normas que se comprometeram a cumprir”, explica. Dossa julga que os prazos para a regularização precisariam ser ampliados.
A medida do Banco do Brasil vem sendo criticada por lideranças ruralistas. A presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e senadora Kátia Abreu (DEM-TO) disse nesta semana que as restrições ao crédito agrícola vão limitar a produção e podem causar inflação. Ela afirmou que o Mais Ambiente “só existe no papel” e que suas regras não estão disponíveis, sendo impossível aderir ao programa e cumprir suas exigências.
Álvaro Tosetto diz que, até agora, não tem informações da desistência de contratos por conta das exigências. Ele acredita ainda que os financiadores privados também devem começar a aplicar restrições, inclusive as traders (comercializadoras agrícolas que também financiam grande parte dos plantios).
Necessidade de incentivos
A medida do Banco do Brasil foi aplaudida por organizações ambientalistas, que a veem como um passo para que a lei florestal deixe de ser uma lei “que não pega”. Mas a avaliação é de que ela pode não ser suficiente. “Essa nova política do banco vai na linha de aumentar a restrição a quem não está regularizado, o que é necessário. Mas tão ou mais importante é criar medidas que premiem o produtor rural que está regularizado, criando uma sinalização positiva que sirva de incentivo para que todos queiram se legalizar”, afirma Raul do Valle, coordenador adjunto do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS) do ISA.
Para ele, os diversos instrumentos da política agrícola – entre eles, o crédito – deveriam diferenciar positivamente quem cumpre com a legislação, oferecendo juros menores, melhores condições de pagamento ou um preço maior pelos produtos vendidos ao Poder Público. “Por que hoje o sujeito que cuida de sua mata ciliar e mantém sua RL recebe o mesmo valor pelo milho do que outro que usa essas áreas para produzir e deixa à sociedade rios assoreados, encostas caindo e biodiversidade extinta?” indaga. Para ele é mais barato à sociedade pagar melhor quem protege “do que conviver com enchentes, deslizamentos e secas, cujos custos em vidas e em dinheiro são altíssimos”. O ISA vem elaborando propostas de vinculação da política agrícola com a ambiental que devem ser apresentadas ao Governo Federal ainda neste semestre.
(Por Oswaldo Braga de Souza, ISA, 11/02/2011)